RIO PERICUMÃ – Parte I
Moema de Castro Alvim
CONSIDERAÇÕES GERAIS - Há muito a Humanidade busca saber
a origem da Vida, como e quando se iniciou. Sabe-se que há 600-700 milhões de
anos, várias formas de vida e até alguns grupos já haviam sido diferenciados,
surgindo as formas primitivas em ambientes aquáticos. Loureno Oken, filósofo
naturalista alemão afirma de modo categórico a procedência marinha da
substância que deu origem à Vida,
corroborando as hipóteses emitidas por Thales de Mileto (640-548aC). Como os
animais mais simples e primitivos são aquáticos e como todas as células e
líquidos contém cloreto de sódio, infere-se que a Vida se originou nos oceanos.
Vários animais invadiram a água doce e a terra, alguns se tornando marinhos,
outros répteis e mamíferos como a foca e a baleia.
Aceitando ou não essas hipóteses o
certo é que a dispersão das formas animais deu-se através da água, tendo
surgido os Peixes há 45 milhões de anos, de acordo com informações obtidas no
Google. O vocábulo Peixe origina-se do grego ichthyes, passando para o Latim com o nome de pisces. Cerca de 28.500 espécies já foram identificadas das quais a
maior parte vive em água salgada, representando mais da metade de todos os
vertebrados. A origem do Homem, no entanto, remonta há 10-12 milhões de anos.
Todas as civilizações pesquisadas e conhecidas surgiram nas proximidades de
rios, lagos e oceanos; entretanto as primeiras citações sobre criação de peixes
datam de 5.000 a.C., na China, enquanto no Egito há apenas 2.000 a.C. Os
romanos há milênios adotavam essa prática, assim como os Astecas na América
Central. Muitas comunidades antigas
estabeleceram-se em lugares onde pudessem estar ao abrigo das intempéries;
outras em locais de fácil defesa, outras perto dos recursos naturais, enquanto
outras combinavam essas vantagens, o que levou ao desenvolvimento antes mesmo
da Revolução Industrial. À medida que a população crescia, aumentava também o
seu impacto no meio ao seu redor, numa complicada interação da fauna e da
flora, do clima e do solo. As recentes
descobertas em Ciências Biológicas tornaram possível um nível mais expressivo
de produção de alimentos. Com a demanda crescente de alimentos, muitas regiões
passaram a interessar-se pela exploração da pesca em lagos e tanques
artificiais, nas proximidades dos mercados consumidores, deixando-os mais
expostos ao risco de poluição, geralmente combinando essa prática com projetos
de irrigação e de drenagem, somando-se com a cultura de arroz.
Principal fonte de proteína animal
das regiões ribeirinhas e das populações que vivem às margens de lagos, os
peixes desempenharam papel importante para a humanidade, ao longo de sua
trajetória terrestre, na busca incessante de fontes de alimento para a sua
sobrevivência, desde os tempos do homem paleolítico que deixou ossos nos seus
sambaquis. A carne da maioria dos peixes é branca ou ligeiramente avermelhada,
de textura flocosa, contendo 13 a 20% de proteína e tem um valor alimentar de
660 a 3.500 kcal, dependendo do conteúdo de óleo, além de minerais como fósforo
e o fator antioxidante Ômega 3.
A pescaria para algumas pessoas
constitui recreação (pesque-e-pague); para outras representa grandes negócios, enquanto para a maioria das populações, é a única fonte de alimento disponível. Há
espécies de peixes que ocorrem somente na água salgada, desde a superfície às
mais diversas profundidades; em águas abertas com fundo arenoso, rochoso,
lodoso, em fendas de recifes de corais, em baias salgadas e estuários; em rios
e lagos de água doce ou alcalina, em águas de cavernas e mesmo em fontes
quentes com temperatura até 34°C. A maioria, no entanto, vive em temperatura
que oscila entre 9 e 21°C. Alguns peixes litorâneos apresentam papel importante
em relação à fauna dulcícola, enriquecida por muitas espécies marinhas, na
piracema, quando muitas espécies procuram ambientes tranqüilos, geralmente
igarapés, para fazerem a sua desova, como a pirapema, o robalo ou camurim,
chamados anádromos, enquanto,
espécies, como a manjuba ou enchova e o emboré, designados diádromos conseguem viver nos dois ambientes. Dependendo da
salinidade das marés, pode ser encontrada uma variedade maior de peixes.
Os peixes da água doce estão na
dependência da atuação do Homem que devido às suas ações predatórias poderá
reduzir drasticamente a piscosidade dos rios, seja pela pesca excessiva,
construção de barragens, contaminação da águas com despejos domésticos e das
fábricas. A fauna da água doce é calculada em mais de 2.000 espécies, pertencentes a 68 ordens
diferentes.
No Brasil, as primeiras referências
à fauna ictiológica se devem a Gabriel Soares de Sousa, cronista português que
em 1587 descreveu algumas espécies de peixes de água doce e salgada encontradas
no litoral pernambucano. O Estado do Maranhão, praticamente desconhecido no
século XVI e início do século XVII, quando, como possessão portuguesa, estava
sob o domínio espanhol (1580-1640), teve a sua fauna e flora estudadas no
século XVII, por Frei Cristóvão de Lisboa, quando esse religioso aqui missionou,
entre 1624-35, como Qualificador do Santo Ofício e Guardião do Convento de
Santo Antônio de Lisboa e fundador da Custódia do Maranhão. Embora de valor
inestimável, empenhando-se nesse trabalho durante longos anos, e deixando-nos
precioso legado, suas pesquisas só foram publicadas em 1967, após o acesso aos
desenhos feitos à bico de pena, pelo historiador João de Paula Carvalho que
identificou as plantas e os animais do Maranhão, particularmente os peixes,
tanto de água doce como da água salgada. Geralmente a nomenclatura da maior
parte dos nossos peixes deriva-se do tupy, segundo Theodoro Sampaio, em 1901;
mais tarde Câmara Cascudo (1938) levantou a etimologia e sinonímia de 221
espécies de água doce e salgada.
O litoral maranhense é conhecido pelos seus grandes
estoques pesqueiros, sendo considerada a costa mais rica em cardumes de
diversos espécies de peixes. Destacam-se algumas regiões especiais como o
Litoral Norte e Nordeste e a Baixada Ocidental, para a pesca lacustre. Entre nós, a pesca ainda é exercida de maneira
artesanal e como atividade de subsistência. A nossa infra-estrutura pesqueira é
precária, sendo responsável apenas por cerca de 30% da produção do Nordeste,
não existindo em nosso Estado indústrias pesqueiras que processem esse produto
para exportá-lo. Como é do conhecimento geral os peixes se deterioram muito
rapidamente e seu grau de qualidade é aferido pelo seu estado de conservação:
quanto mais frescos, melhores e mais caros, utilizando-se, para isso,
mão-de-obra para limpá-los, descamá-los, eviscerá-los, armazenando-os e
conservando-os no gelo.
RIO PERICUMÃ – Parte II
Primórdios – Origens
da nomenclatura.
Embora conhecido desde tempos imemoriais pelos índios que habitavam a região de
Cumã, somente em 1613 os povos civilizados navegaram o Rio Pericumã, nas
pessoas dos invasores franceses, comandados por La Ravardière e por De Pézieux,
seu lugar-tenente, que estiveram naquela área, levando nessa expedição quarenta
soldados valentes, dez marinheiros e vinte índios, reforçando esse contingente
com mais sessentas escravos selvagens recrutados em Tapuitapera e Cumã, para
exploração de minerais no Amazonas e no Gurupi. Após a instalação, nas proximidades da sua foz,
da Fazenda Guarapiranga que deu origem ao município de Guimarães, o rio
Pericumã passou a ser navegado, sendo usado como rota entre as Capitanias do
Maranhão e a do Pará. Mais tarde, a partir de 1754, quando aquela região que
constituía a sub-Capitania de Cumã, deixou de ser hereditária, tornando-se
real, portanto pública e suas terras passaram a ser distribuídas (1768) por
dactas e sesmarias, seu curso, seus afluentes e seus peixes tornaram-se
conhecidos. Yves DÈvreux em sua Viagem ao Norte do Brasil feita nos anos de 1613
a 1614, fala sobre peixes, pássaros e répteis, sem contudo especificá-los.
Segundo o Padre Claude d`Abbeville, o
termo Cumã significa próprio para pesca, enquanto Pericumã, deriva-se de piri+curimã, cumã=junco+curimã (lugar
coberto de juncos onde são abundantes e pescam-se curimãs ou curimatãs).
Com uma extensão de 110 a 115 km, o
Rio Pericumã é o mais importante rio da Baixada Maranhense. Situa-se na região
noroeste do Estado a 1°00` - 4°00`s e 44° 21`-45°21`w com uma bacia ocupando uma área de 4.500km2,
drenando uma área de 3.888,55 Km2, o que corresponde a 1,71% do território
maranhense. As suas nascentes estão localizadas num complexo de lagoas e
pequenos lagos (Burigiativa) no município de Pedro do Rosário, desmembrado do
município de Pinheiro em 1994, nas proximidades da zona rural do município de
São Bento. Percorre vários municípios, inicialmente na direção sul-norte,
tomando depois a direção noroeste até a sua foz. Em seu percurso corta os
campos de Pinheiro, Palmeirândia, São Bento, São Vicente Férrer, Olinda Nova,
Presidente Sarney, Matinha, Viana, Pedro do Rosário. Também, Mirinzal, Central
do Maranhão, Bequimão e Guimarães, antes de desaguar na Baia de Cumã. A Baixada, ocupa uma área de 1.775.035, ha ou
17.579.336 Km2 e é constituída por 21 municípios, estendendo-se nos baixos
cursos dos rios Pindaré e Mearim e médios e baixos cursos dos rios Pericumã e
Aurá, reunindo um dos mais importantes sistemas lacustres das Regiões
Norte/Nordeste do Brasil. De estrutura geológica recente, provavelmente formada
no Pleistoceno, com terrenos terciários e quaternários, constitui uma depressão
preenchida por sedimentos quaternários, ainda
em formação, sujeita a inundações no período chuvoso pelo transbordamento dos
rios, englobando planícies aluviais e lagoas (Açu, Penalva, Viana, Cajari).
Dessa formação recente resulta um ecossistema vulnerável, frágil, que necessita
de proteção, passando a constituir, a partir de 1991, Área de Proteção
Ambiental da Baixada Ocidental Maranhense – Ilha dos Caranguejos (Cajapió) pelo
Decreto 11.900 de 11/6/91, reeditado em 05/10/91.
A Região do Golfão Maranhense,
inserida em uma planície flúvio-marinha, constituída pelos estuários afogados
dos rios Mearim, Itapecuru e Mearim é “o prolongamento das características
geomorfológicas e ambientais desde o estuário amazônico e a convergência das
bacias hidrográficas desses rios acrescida do Pindaré e Munim, para o golfão,
interligando diferentes domínios paisagísticos e ecossistemas (amazônicos,
cerrados, cocais, etc) qualificou a região como cenário estratégico para
assentamento de populações pretéritas” (Leite Filho, 2012) Essa interação
propiciou condições ideais, cujos resquícios constituem ainda, nos dias atuais,
os sítios lacustres, as estearias da
Baixada e os sambaquis, estes
identificados na Ilha de São Luís por Jerônimo de Albuquerque, desde a
conquista, recomendando o cal extraido das conchas de ostras para reparo do
forte e construção das novas casas fora da forlaleza, seguindo as plantas do
engenheiro português Frias. A partir de 1919 Raimundo Lopes passou a defender a
teoria de que essas ocupações foram devidas às migrações de grupos tardios
amazônicos até o limite ocidental de ambiente de floresta equatorial úmida,
chegando a publicar, em 1924, que esses assentamentos lacustres e os marajoaras
ocorreram no final da regressão do nível do mar e uma última fase de ocupação,
a proto-história, coincidindo com o declínio da cultura marajoara, a subida do
nível do mar, e permanência das culturas derivadas. AB`SÁBER, 1960, faz
referência à reestruturação paisagística e ecossistêmica em função dos
processos eustásticos e instabilidades climáticas, sofridas na porção norte do
Maranhão, a nível do golfão, durante o Quaternário, modelando em ambiente de
pré-chapadas interiores a um complexo sistema de colmatagem flúvio-lacustre.
Dias em 1907 vai mais além: “o soerguimento da faixa costeira propiciou a
gênese na formação dos lagos durante o Pleistoceno, tornando-se essa região
receptora de sedimentos carreados pelos rios Pindaré, Grajaú e Mearim e das
vertentes dos tabuleiros costeiros, configurando os ambientes de sedimentação que
são as bacias lacustres”.
A Baixada representa, também,
extenso refúgio para aves aquáticas e é de grande importância principalmente na
época seca. Há aves nativas como a garça, o jaburu, a marreca, o jacu, o paturi,
o carão, o biguá, o socó, o mutum e muitas outras, mas as mais cobiçadas pelos
caçadores são as migratórias, dentre as quais: jaçanãs, maçaricos, japiaçocas,
pirulicos, guarás que escolhem os campos como local de descanso, parada,
alimentação e nidificação. A caça a essas pernaltas e palmípedes, assim como a
coleta de ovos são considerados crimes ecológicos, inafiançáveis.
Os campos da Baixada, constituem
biomas de fisionomia pouco variável. Conhecidos como campos de várzeas ou
campos baixos recobrem a maior parte dos municípios, e desde os tempos
coloniais são utilizados para criação de bovinos, principalmente, graças a
excelência dos seus pastos, com numerosas espécies de gramíneas, piperáceas e
alguns arbustos como algodão, canarana, arroz brabo, junco, varias espécies de
mururus, capim-marreca, capim-do-pará. Na década de 1960 foram introduzidos
búfalos, cuja criação fora feita de maneira extensiva, por serem de manejo mais
fácil, pois em relação à alimentação são menos exigentes que os bovinos;
entretanto compensam a qualidade pela quantidade de gramíneas e ciperáceas
consumidas, diminuindo a biomassa vegetal, com sérios reflexos na diminuição de
nutrientes do meio límnico e conseqüente redução do pescado. Por serem mais
pesados e dotados de menor mobilidade causam, também, problemas na compactação
do solo. O número de queixas têm aumentado nos últimos vinte anos,
principalmente da parte de pescadores e pequenos lavradores cujas redes de
pesca e plantações tem sido destruídas, respectivamente, reduzindo-se, por conseguinte,
o rebanho bubalino.
Há evidências arqueológicas de que
os primeiros habitantes da região, ora conhecida como Baixada Maranhense,
estabeleceram-se na região dos lagos, principalmente de Pindaré, Penalva,
Cajarí, e Turiaçú há 6.000-8000 anos
atrás, conforme atestam as estearias,
descritas pelo Cel. Antonio Bernardino Pereira do Lago em 1820 e mais tarde (1879) mencionadas por Celso Magalhães, promotor público do
Maranhão e por Mariano Raimundo Correia, morador da cidade de Penalva. Entre os
anos de 1919-30 o naturalista Raimundo Lopes, pesquisou os assentamentos de
populações pré-históricas e sua interação com as paisagens na Baixada, verificando
“in loco”as estearias do Encantado, no
vale do Pericumã, nas imediações de Pinheiro, alí encontrando fragmentos dos
utensílios de barro utilizados nas tarefas do cotidiano por aqueles povos,
chamados por ele de cacaria, assim
como as do Lago Cajari,no município de Penalva. Outras estearias como a do rio Turi, nas proximidades da Chapada de
Pinheiro: a do lago Jenipapo; a da Ponta da Estrela; a do Cabeludo no Parauá; a
da Volta do Arlindo; a do lago do Sousa e a da boca do igarapé Florante, também
foram localizadas.
Recentemente um grupo de arqueólogos
paraenses do Museu Emilio Goeldi e da Universidade Federal do Pará e maranhenses
dentre os quais o Dr. Deusdeti Carneiro Leite Filho, Diretor do Centro de
Pesquisas de História Natural e Arqueologia do Maranhão, pesquisando com as
novas técnicas disponíveis, inclusive com a datação por Carbono 14, constataram
que os esteios usados na feitura das moradias dos povos primitivos anteriores
às populações indígenas teriam sido utilizados
há 10.000 anos atrás. Foram identificados 16 sítios arqueológicos nos
municípios de Santa Helena, Pinheiro, São João Batista e Penalva (lago Cajarí),
com a tipificação de 6 estearias, resquícios das casas adaptadas às regiões alagadas e que evoluíram
para as nossas palafitas, assim como preciosa cacaria.
Na região do Pericumã já foram catalogadas
mais de 1.700 espécies de peixes, das quais 700 pertencem à família dos Caracídeos ou peixes de escamas, como o jeju, a piaba, a piranha e
a traira, seguidos pelo grupo dos Nematognatos
que abrangem os cascudos com quase 300 espécies. Com 350 espécies, encontram-se
os verdadeiros peixes de couro, onde estão os bagres, mandis, burejas, surubins,
providos de 2 a 3 pares de bigodes de tamanho variável. Os Ciclídeos ou acarás abrangem 120 espécies, enquanto os Gimnotídeos, dentre os quais o sarapó,
possuem cerca de 30 espécies. Nos campos de São Bento e Palmeirândia os Simbranquídeos representados pelos muçuns são bastante apreciados. Esses
peixes apresentam reversão sexual: nascem espécimes com sexos separados, mas
após o primeiro período reprodutivo as fêmeas tornam-se machos.
No município de Pinheiro mais de 90%
do pescado consumido vem do Rio Pericumã e apenas 10% é atribuída à criação em
tanques e açudes, ou procedem do Lago Turi ou do município de Cururupu. Dentre
as espécies preferidas na cidade de Pinheiro, as mais comuns são: traira
(tarira), jeju, pirapema, curimatá
e piranha, descritas em 1625 pelo Frei Cristóvão de Lisboa que veio de Portugal
para o Maranhão com a missão de evangelizar os índios. Outras espécies, também
consumidas pela população são: cabeça gorda, bagre, piaba, jandiá, cascudo e
acará. Mais raros: surubim e camurim. Peixes de valor comercial mais baixo,
como tapiaca, piau, mandi, pacu, bodó, são procurados pela população mais
pobre.
Pode afirmar-se, sem quaisquer
dúvidas, que a comercialização do pescado foi um dos fatores primordiais para o
povoamento da região de Pinheiro: desde fins do século XVIII homens nômades
viviam entre os rios Pericumã e o Turí pescando, salgando e secando peixes para
vender em Guimarães e Alcântara, possibilitando o intercâmbio entre os campos
alagados e a região litorânea.
O rio Pericumã nivela ricos e
pobres, pois todos se alimentam dos mesmos peixes nele gerados e criados.
RIO PERICUMÃ – Parte
III
Tipos de Peixes - Dentre os peixes mais comuns, isto
é, aqueles que consumidos com mais freqüência quando residia em Pinheiro, são as
piabas as minhas preferidas. Eram vendidas às pratadas. Deliciosas quando
cozidas, com um pouco de sal, cheiro verde e cebolinha podem ser acompanhadas
com arroz branco ou pirão de farinha seca, sem esquecer a pimenta de cheiro e o
limão. Algumas pessoas preferem comê-las fritas ou assadas no espeto, podendo
ser servidas como tira-gosto ou para acompanhar uma tigela de juçara com ou sem
açúcar.
Os bagrinhos, desdenhados tempos
atrás quando eram chamados anojados passaram, a partir da década de 1960, a
figurar no cardápio pinheirense, principalmente quando há convidados ilustres:
são as afamadas ceias de bagres, instituição oficializada por Nhô Di (Waldir Soares) e
Edésio Castro, regadas a vinho tinto e saboreadas em clima festivo. Eram
vendidos em cofos.
Os jejus e as trairas são preferidos
pela maioria da população. Vendidos em cambadas eram cozidos, fritos, grelhados
ou à escabeche, e comidos com arroz e farinha, no almoço e no jantar de segunda-feira
a sábado. Aos domingos são substituídos por frango ou galinha, carne de porco
ou de rês (vaca). A traira é o peixe de maior valor comercial. Quando aberto ou
escalado para retirar-lhe as vísceras, salgado e seco, chamado jabiraca, chega, às vezes, a ser
comercializado por valor superior ao do bacalhau. Historicamente foi de grande
importância, contribuindo para o povoamento da região, ao lado dos peixes
provenientes do Turi, como o surubim, o mandubé e o bagre de São Pedro. Inicialmente
os pescadores armavam seus ranchos à beira dos rios e lagos, feitos com
pindoba, as chamadas rancharias de
salga que deram origem a muitos povoados.
O acará, a cabeça-gorda, o jandiá, e
camurim são excelentes quando cozidos.
Menos freqüente na mesa dos pinheirenses: a piranha de papo vermelho, o
cascudo, o piau, mandi, pacu, bodó.
Além desses processos mais comuns na
preparação dos pratos à base de pescados, fazem-se tortas, assados, moqueados, recheados
com ovas. Para transportá-los, geralmente socam-se, em pilão, os peixes
previamente dessecados e desfiados, enrolados com folhas de mandairi e
acondicionados em cofos. Yves dÈvreux se refere à prática adotada pelos índios
em assar os peixes recém-apanhados com escamas e vísceras. Para consumi-los
retiravam a pele, secavam-na ao sol, pisando-as em um pilão, reduzindo-a a pó,
com que preparavam mingaus.
Nos últimos 50 anos foram
introduzidos, para alimento e esporte, peixes da região amazônica como o
tambaqui (Rio Negro) e até espécies do continente africano como a tilápia. Os tambaquis não se
reproduzem em cativeiro; os criadores adquirem os alevinos gerados em
laboratório e os criam em tanques e açudes. Chegam a alcançar 20cm de
comprimento e 13-20kg de peso. São considerados competidores biológicos pois
alimentam-se do fito e zooplancton,
larvas de camarões, frutos terrestres, larvas de insetos aquáticos e alevinos
de espécies autóctones. As tilápias são de diversas procedências: a do Congo
Belga fora introduzida em 1953, prolífera, reproduz-se quatro vezes por ano. As
mais conhecidas foram introduzidas no Brasil no início da década de 1970 e
procedem da Costa do Marfim. Excelente fonte de proteínas, esses peixes podem
ser consumidos após cozimento ou dissecando-os para transformá-los em farinha.
Atualmente constituem verdadeira praga, pois a sua grande voracidade destrói o
plâncton que funciona como termômetro dos sistemas aquáticos e representa a
base da cadeia alimentar, assegurando condições ecológicas produtivas, imprescindíveis
à dinâmica da fauna ictiológica.
Técnicas de captura - Dependem do tipo de peixe que se
pretende adquirir e dos locais escolhidos para pescaria. Os especialistas
classificam em dois os métodos adotados, determinados pelos apetrechos
utilizados: dinâmico – anzol de
linha ou caniços, rede de arrasto, tarrafa, puçá e espinhel. As tarrafas e
redes de arrasto atualmente são tecidas com fio de nylon pelos próprios
pescadores, em substituição ao fio de algodão. O puçá ou socó fora herdado dos
indígenas, assim como o arpão e o arco e flecha .Os bagres são apanhados à
noite, com caniços. Outros peixes, também são fisgados com anzol de linha,
principalmente no inverno; para peixes maiores, como o curimatá são usados
arpões; estático – zangaria,
malhadeira, curral e tapagem. Este último artefato, feito com talos e folhas de
palmeira é prejudicial, portanto predatório, pois apanha indiscriminadamente peixes
no período da piracema, quando procuram ambientes lênticos para a desova. Nos
currais também feitos com talos e pindoba os peixes ficam aprisionados, sendo
depois apanhados com as mãos. São geralmente armados nos campos, poções,
pequenas lagoas e lagos inundados pelas águas das grandes chuvas que
transbordam dos rios, riachos, igarapés. Outros métodos quase em desuso, pois
são totalmente condenáveis, consistem no uso de timbó e dinamite.
Tipos de iscas - São várias as iscas usadas para
atrair os peixes, dependendo da espécie que se deseja fisgá-la. As mais comuns
são: minhocas, bichos de coco (larvas de insetos encontradas em tucuns),
pedaços de peixes sem grande valor econômico, peixes miúdos. Alguns pescadores
usam bolotas de angu, feitas com farinha seca ou tapioca; outros lançam mão de
cupinzeiros, formigueiros, enquanto outros utilizam insetos como moscas, gafanhotos.
Em pescarias esportivas são usadas iscas artificiais.
Outras utilidades dos
peixes – Além do
lazer, há pessoas que se dedicam à criação de peixes exóticos, de efeito ornamental
para criação e exibição em aquários. Os peixes, também são usados para extração
do óleo e para confecção de cola, farinha ou conservados em recipientes para
alimentação. Algumas espécies estão sendo testadas para controle biológico de
larvas de anofelinos, vetores dos agentes da malária.
A BARRAGEM DO PERICUMÃ
– Parte IV
Segundo Leite Soares as águas do Pericumã
atingem seu apogeu nos meses de chuva, quando as águas correm em direção ao
mar, levando consigo mururus e aguapés. A força das águas em certas ocasiões fora
tão forte que as canoas procedentes do Armazém eram rebocadas por numerosos
homens ou mantidas às margens até que a correnteza amainasse. Após o período do
inverno, as águas do rio baixavam, devido ao forte calor que provocava a
evaporação das mesmas, os campos secavam, o solo rachava. O gado enfraquecido
pela carência de capim, ficava preso nos atoleiros, morrendo de sede, causando
grande prejuízo aos criadores. Por essa época o prefeito mobilizava-se,
recrutando trabalhadores que munidos de enxadas e pás, tentavam conter as águas,
construindo as tradicionais tapagens.
Estas eram feitas com talos de pindoba e barro, à semelhança das paredes de
pau-a-pique, para manter algum volume de água, evitando assim, que o rio
secasse totalmente. Esse serviço era executado nas marés baixas para tentar
vencer as correntes de refluxo, concluindo com sucesso a feitura das barragens.
Ainda seguindo o texto de Leite Soares a principal barragem era feita nas
imediações do Barro Vermelho, cerca de mil metros à montante do antigo Armazem,
ou Porto Santa Cruz, um pouco antes da atual Barragem do Pericumã. Essa fora a
maior preocupação de prefeitos e da população que tinha nos peixes a única
fonte de subsistência, pois quando a construção dessas barragens atrasava havia
o perigo da água salgada invadir os campos nas marés de sizígia e causar grande
mortandade de peixes.
Após estudos preliminares sobre o impacto
ambiental causado pela construção de uma barragem e suas conseqüências nas
alterações da fauna e flora, foi finalmente construída a Barragem do Pericumã,
pelo DNOS, para proteger a cunha salina que sofre constante influência da maré,
represando tanto o fluxo de montante nas cheias do rio quanto a de jusante na
maré enchente. A sua construção começou em 1978 tendo sido concluída em 1982. Tem
100 m de comprimento por 25m de largura, represando 63 milhões de metros
cúbicos de água. Tem três comportas, uma eclusa e dois diques laterais,
fornecendo água e pescado para os municípios de Pinheiro, Palmeirândia,
Perimirim e Pedro do Rosário. À montante da Barragem situam-se: Pinheiro,
Palmeirândia, São Bento, São Vicente Férrer, Olinda Nova, Presidente Sarney,
Matinha, Viana e Pedro do Rosário, enquanto à jusante ficam Mirinzal, Central
do Maranhão, Bequimão e Guimarães. Uma das eclusas permite o tráfego das
embarcações que podem navegar até Pinheiro, cerca de 50Km da foz.
Sem manutenção a Barragem que fora o grande
sonho dos baixadeiros vem transformando-se em pesadelo, exigindo a dragagem do
rio à montante da barragem numa extensão de 35km, aproximadamente. A abertura
das eclusas resulta em grande impacto ecológico, causando significativo
desequilíbrio com conseqüente alteração dos ecossistemas aquáticos, e em
determinados períodos resultando em grande mortandade de peixes ovados, com reflexos
na diversificação e abundância da fauna ictiológica.
As principais críticas referem-se à falta de
estudos preliminares quanto ao ciclo biológico das espécies nativas, seus
hábitos alimentares, fatores que influenciam seu crescimento, os processos de
migração, época da piracema, disponibilidade de alimentos e rendimento
sustentável. Há referências ao turvamento das águas misturadas com água
salobra, que reduzem a diversidade do plâncton, comprometendo a circulação da
fauna, formando ambientes lênticos, enquanto o aumento do espelho d`água à
montante, inunda os sítios reprodutivos, modificando a estrutura trófica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto resultou de pesquisas bibliográficas
cujas fontes estão abaixo relacionadas.
Não o fiz com a pretensão de suprir prováveis
lacunas; também não há quaisquer interesses de ordem científica, geo-econômica,
tão-pouco relacionados às técnicas de pescaria. À guisa de posfácio, trata-se tão-somente de um artigo de cunho
saudosista sobre Pinheiro, quando ainda era uma pequena cidade pacata e
ordeira, ideal para formar família, criar e educar nossos filhos, pois todos se
conheciam e os espectros das drogas, da violência, da pedofilia não eram sequer
cogitados pelos seus habitantes. Eram os primeiros cinqüentas anos da antiga
vila, elevada à cidade em 1920, orgulhosa do seu jornal “Cidade de Pinheiro”,
do seu Ginásio Pinheirense, o primeiro instituído em toda a Região e ostentando
orgulhosamente uma plêiade de jovens inteligentes e promissores que a
transformariam em celeiro de talentos e
pólo intelectual de toda a Baixada. Atualmente as suas avenidas e ruas vivem
congestionadas por um trânsito caótico, perigoso e barulhento. É como se a
cidade tivesse perdido a sua inocência, a sua alma, o seu espírito, para uma
modernidade equivocada, confundida com progresso, evidenciada pelo crescimento
desorganizado e sem planejamento que se expandiu além de sua capacidade física
e ambiental, destruindo e invadindo seus campos, profanando e poluindo a sua aprazível
Faveira. Estes textos publicados neste blog refletem a nossa inconformidade com as modificações atuais, incapazes de
conviver harmoniosamente com uma arquitetura humanizada que deu à nossa cidade
o título de Princesa da Baixada.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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