MOEMA

MOEMA
PAPIRUS DO EGITO

sábado, 26 de outubro de 2013

MEUS ANOS DOURADOS (1953-64)



Hoje vou entregar-lhes uma das mais caras recordações da minha mocidade. Os filmes,  a que assistíamos  eram, com raras exceções, mexicanos e cubanos, com músicas caribenhas, como rumbas, mambos, boleros, em castelhano.
Aprendemos algumas palavras em Espanhol e nunca fizemos feio quando cantávamos, em programas de calouros, as músicas ouvidas nos discos da minha casa ou do serviço de alto falante Voz Paroquial. Também muito me valeu esse modesto vocabulário, quando cursando Farmácia os poucos livros da biblioteca eram todos editados em Madrid ou Buenos Aires.
Pois bem, tão logo chegava a Pinheiro, esperava ansiosamente o inicio da Voz Paroquial, para pedir ao locutor, meu primo Hildebrando, que ele pusesse para  rodar Que murmurem, na voz de Trini Lopez ou de  Dolores Duran.
Essa era a senha para a nossa turma saber que eu estava na cidade e que as tertúlias que realizávamos em casa, iriam começar. Dançávamos  a partir das 20:00h, tomando apenas Cola Jesus ou suco de maracujá, encerrando às 21:30,  quando mamãe aparecia na sala perguntando quem iria ficar para dormir em casa. Encabulados e pedindo desculpas, iam saindo um a um. Às tardes os encontros eram no coreto da Praça da República, atual José Sarney. Conversas infindáveis. Assuntos os mais diversos, os quais intrigavam mamãe que sempre perguntava o que tanto tínhamos para falar. Nunca mencionávamos bebidas, cigarros; talvez nunca houvéssemos ouvido falar sobre drogas, sequer maconha, tampouco aberrações sexuais..
Em outras noites, simplesmente nos sentávamos no batente da Casa Paulo de Tarso,iluminados pela  lâmpada do poste de ferro, chantado num canteiro bem em frente, fazendo adivinhações ou jogando impugna, tirando as dúvidas com um exemplar do Dicionário Prático Ilustrado  de Português, da Livraria Chardon Editora Lello, do Porto  e que pertencera ao meu pai.
Bons e despreocupados tempos! A minha música-tema era Que Murmurem, na voz de  Dolores Duran, pois sempre fui um pouco avançadinha para a época, sendo foco da maledicência de alguns conterrâneos. Enquanto as colegas falavam em príncipes encantados, noivados, enxovais, casamentos e filhos, eu dizia que não queria casar-me enquanto não me formasse e fosse para o Rio de Janeiro. Namorados  eram descartáveis,  e não queria prender-me a nenhum rapaz.
                                                 Ouçamos  Que Murmurem
“Que murmurem, não importa que murmurem,/ Pouco importa o que dizem e o que pensa toda gente/ Os boatos se desfazem aos caprichos da corrente. Que murmurem, não importa que murmurem/ não importa o que dizem  que teu amor é traiçoeiro que teu riso é muito falso e teu beijo interesseiro/ que tiveste outros amores e que não fui o primeiro. Não importa o que dizem, embora mintam e jurem/ se tu és como eu te quero. Que murmurem, ah! que murmurem!” – versão pessoal.

É TEMPO DE MURICI CADA UM CUIDE DE SI



O murici é o fruto do muricizeiro, planta da Família das Malpighiaceae, com  várias espécies, dentre as quais cem a duzentas já descritas. Dessas as mais conhecidas são: Byrsonima basiloga, B. verbascifolia,   B. crassifólia, B. sericea, B. lancifolia, B.gardneriana.
Apesar da sua importância botânica, seu potencial econômico e seu papel no desenvolvimento regional, essa fruta é pouco pesquisada entre nós. Conhecida pelos silvícolas muito antes da chegada dos portugueses, o murici, em tupi–guarani  moriciba que significa  árvore pequena ou mborici – fruto doce. A primeira referência a ela foi feita em 1570 pelo Padre Gabriel Soares de Souza; no século seguinte, já  denominada  murici, foi considerada nativa no Maranhão e desenhada por Frei Cristóvão de Lisboa que aqui viveu entre 1624-1635: “Murici é árvore de dez ou doze palmos de altura e tem a fruta como cereja, toda amarela; e há-as ao longo do mar, as folhas são de um verde pardo e as flores amarelas, e há muita quantidade, e os negros vão a eles como nós fazemos com as cerejas”. Mais tarde, no início do século XIX (1826) Frei Francisco de N. Sra. dos Prazeres Maranhão deixou a seguinte descrição:” árvore pequena, que produz uma espécie de ginja amarela.”
O muricizeiro mede  de 6 a 16 m.;  suas folhas  são rígidas, coriáceas, simples,   alternadas, longas e lanceoladas e chegam a medir 13cm de comprimento, cobertas de pelos ou lisas na parte superior, enquanto na inferior são pubescentes; tronco tortuoso, geralmente com nós; raízes profundas, desenvolvendo-se  em solos arenosos ou argilo-arenosos com boa drenagem. As flores em número de 15 a 35 são dispostas em cachos e podem ser brancas, amarelas ou vermelhas, dependendo da espécie. A polinização cruzada é feita por abelhas, principalmente do gênero Apis que procuram no muricizeiro não só o pólen, néctar, resinas e aromas, mas lipídio floral, armazenado nas glândulas visíveis do cálice das flores. Também serve de abrigo para o acasalamento  e marcação de território.
São espécies de clima quente e úmido, encontradas nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Tocantins e Distrito Federal. Nas regiões Norte e Nordeste são frequentes na faixa litorânea de praticamente todos os estados, principalmente do Ceará ao Acre. 
Os frutos são drupas arredondadas com 1,50 a 2,00cm de diâmetro, travosos quando verdes, tornando-se amarelos e doces quando amadurecem; polpa carnosa, translúcida, de cheiro e gosto muito ativos. Sementes grandes. A fruta recebe várias denominações de acordo com a região: murici do campo, da chapada, da mata, da capoeira, da serra, do brejo, da praia.
O sabor  agridoce é intenso com cheiro característico; ácida e oleosa podendo  ser comida in natura ou consumida sob a forma de sucos, sorvetes, doces, geleias,  licores, conservas de pimenta. Usada, também, para  aromatizar aguardente.
Planta nativa do bioma Cerrado, pode, ser encontrada em outros biomas como em tabuleiros  da Mata, apresentando  uma variedade de espécies distribuídas em ecossistemas diferentes, em função das variações edáficas que se traduzem  na cor e tamanho dos frutos e das sementes e locais de ocorrência.  O muricizeiro é um dos vegetais que mais sofre com a degradação ambiental, devida ao processo acelerado de ocupação agrícola, aliada à exploração extrativista e predatória.
O seu cultivo racional  vem sendo realizado no Pará e no Maranhão pareada  com a criação de abelhas, para obtenção de mel mais puro e livre dos resíduos de agrotóxicos. Essas abelhas são importantes no ciclo de vida do muricizeiro.
Floresce entre os meses de agosto e novembro e a maturação se completa em dezembro.
A espécie encontrada no Norte e Nordeste, é B. crassifólia, com espécimes de até  5m,  tronco cilíndrico, casca escura e áspera, copa estreita. Galhos frágeis sustentando as folhas ovais, simples e opostas, inicialmente avermelhadas depois passando para verde-escuro. Flores branco-rosadas, formando inflorescência; hermafroditas, auto-férteis e emitidas na extremidade dos ramos. Frutifica  quatro anos após o planto.
 B. verbascifolia  é típica do Cerrado e suas folhas são largas e duras.
 B. sericea é encontrada no leste de Minas Gerais, em terrenos úmidos, próximos a rios e lagos. Seus frutos são pequenos (0,8cm) e continuam verdes mesmo quando maduros.
B. gardneriana, também chamada murici-pitanga  é prevalente em tabuleiros da Mata.
B. lancifolia, “moreciba-guassu” que  em guaraní significa bebida resinosa. Encontrado na Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul.
                                 

                         
                               VALOR ALIMENTÍCIO

Decorre  dos altos teores de proteínas, fibras, Vit. B1, B2 e niacina, Vit. C e sais minerais como cálcio, fósforo e ferro, tendo já despertado o interesse de indústrias alimentícias internacionais.
Quando dessecadas, sob a forma de passas, perdem 25% de umidade e o seu valor energético triplica em proteínas, carboidratos, lipídeos e fibras.
                                                     
   USO NA INDÚSTRIA E NA MEDICINA POPULAR

A madeira  amarelada ou avermelhada pode ser utilizada na construção civil. A casca, rica em tanino (15 a 20%) é usada para curtir couros. O muricizeiro pode ser empregado em projetos de arborização, sendo uma das plantas consideradas pelos ecólogos na recomposição da degradação ambiental.
Os principais princípios ativos são: tanino, pigmentos, gordura e fitosteróis que lhe conferem propriedades anti-inflamatórias e anti-oxidantes. O óleo  floral é um recurso rico em energia.
Em medicina popular o chá das folhas é utilizado  para afecções da boca como gengivite, amigdalite, faringite. Em banhos de assento, o decocto das folhas é empregado em caso de hemorróidas.
A casca, por ser adstringente é usada como anti-térmica e no combate à tosse e bronquite. Laxante leve quando consumida com açúcar. Por sua adstringência é indicada como protetor da mucosa intestinal.

                      CURIOSIDADES

Conhecido em vários Estados, o murici dá nome a cidades, cursos dágua, bandas de forró, sendo até nome de Família. Em Alagoas o Festival da Natureza no município de Murici é muito afamado.
Em sua obra magistral – Os Sertões – Euclides da Cunha, no relato da Guerra dos Canudos, atribui ao Cel. Pedro Tamarindo, que  abandonara a coluna liderada pelo Cel. Moreira César, abatido em pleno combate, a expressão: “É tempo de murici cada um cuide de si.” A expedição do Cel. Moreira César, a terceira enviada para combater os seguidores de Antônio Conselheiro, não tinha planos táticos, assim como era falha em organização e equipamentos. Após ser alvejado mortalmente houve a debandada geral da tropa que ficara sob o comando do Cel. Tamarindo, lugar-tenente da tropa, embora  inadequado ao posto. Sem ter forças pra arregimentar a tropa chegou a abandonar o corpo do seu comandante à beira da estrada.
“Mais tarde arrependido volveu à retaguarda, agitando-se destemeroso e infatigável entre os fugitivos, penitenciando-se heroicamente na hora da catástrofe, da tibieza anterior, ao deparar com aquele quadro estupendo, procurou debalde socorrer os únicos soldados que tinham ido a Canudos. Neste pressuposto, ordenou toques repetidos de “meia volta, alto”. As notas das cornetas, convulsivas, emitidas pelos corneteiros sem fôlego, vibraram inutilmente. Ou melhor, aceleraram a fuga. Naquela desordem só havia uma determinação possível: debandar.”
“Debalde alguns oficiais indignados, engatilharam revólveres ao peito dos foragidos. Não havia como contê-los. Passavam; corriam; corriam doidamente; corriam dos oficiais; corriam dos jagunços e ao verem aqueles, que eram de preferência alvejados pelos últimos, caírem malferidos, não se comoviam”. E o Cel. Tamarindo? “Logo adiante, na ocasião em que transpunha a galope o córrego do Angico, o Coronel foi precipitado do cavalo por uma bala. Antes de morrer, no entanto, deu uma última ordem: “procurem o  Cunha Matos”. Após sua morte, teve o seu corpo empalado e erguido num galho seco de angico, oscilando ao vento, onde permaneceu longo tempo.
Assim foi anulada, dispersa, desaparecida a terceira expedição, permanecendo desse episódio a célebre frase, atualmente transformada em Lei do Murici.
        
                     LEI DO MURICI

Muito praticada nos dias atuais, por todos nós, que na correria do dia a dia, arrumamos mil desculpas para não olhar para o lado e estender a mão aos nossos irmãos carentes. Estamos sempre preocupados com nossos problemas, com o nosso bem-estar e da nossa família, cultivando o egoísmo. Cada indivíduo se volta para si, sem preocupar-se com o próximo, isolando-se cada vez mais, esquecendo-se  do mundo que o rodeia, criando uma sociedade individualista.
A Lei do Muricí tem a sua explicação desde o século XVIII, na teoria  enunciada pelo filósofo francês Etienne Bonnot Condillac (1715-1780) em seu Tratado das Sensações, publicado em 1754, através do qual ele defende que todas as ideias provém dos sentidos. Explica, também, que o prazer ou o sofrimento ocupam a nossa capacidade de sentir, produzindo a atenção de onde se forma a memória e o juízo: os seres vivos desenvolvem a teoria de que a sensação é a única forma de vida e que sempre escolhemos o melhor para nós, o que mais nos agrada fazer, concorrendo assim, para  maximizar o prazer e minimizar a dor. Entretanto nem sempre essas escolhas são feitas de modo racional.
Condillac, abade e preceptor do Infante Fernando de Parma (filho de Luiz XV), era membro das  Academias Francesa e Alemã. Foi amigo de Diderot, Rousseau e Duclos, tendo sido discípulo de Bacon e de Locke.
Com efeito, é o que fazemos quando desejamos algo, achando que o gozo de um bem nos é necessário. Logo a nossa reflexão se ocupa unicamente do que nos dá prazer. O desejo não é, pois, senão a ação das próprias faculdades de atribuir ao entendimento e que estando determinado em direção a um objeto pela inquietude que causa sua privação, também, a ação das faculdades do corpo. Assim, se do desejo nascem as paixões, o amor, o ódio, a esperança, o medo, a vontade, esses sentimentos nada mais são senão a transformação das sensações.
E comandados, inconscientemente por esse pressuposto, nos tornamos cada vez mais egoístas, insensíveis, hedonistas, e menos solidários e compassivos, fazendo valer a Lei do Murici:”É tempo de murici, cada um cuide de si”.




.



           

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

JENIPAPO – UMA RESERVA DE FERRO




Uma das minhas frutas preferidas é o jenipapo, embora não o consuma com muita frequência. Adoro o seu aroma inconfundível e o seu sabor exótico.
Gosto de degustá-lo, picando-o em pedaços bem pequenos e amassando-os com açúcar, leite e farinha seca. Nos últimos anos, com o diagnóstico de diabetes tipo 2, uso adoçante sintético.
Já fui exímia preparadora de licor de jenipapo, indo ao Mercado Central para escolher pessoalmente os melhores frutos. Escovava-os sob  água corrente, furava-os com um garfo e os punha em maceração na cachaça, ao invés de álcool comercial. Essa preparação era guardada em lugar sem muito movimento e no escuro. Dois meses depois, esmagava os frutos, levando ao fogo brando com um pouco de açúcar, para fazer uma calda rala. Finalmente coava o líquido resultante, punha na licoreira para ir degustando, aos poucos, rolando o líquido na boca para melhor sentir o seu  buquê.
                                                     
                               UM  POUCO  DE  BOTÂNICA

O Cerrado constitui um dos nossos biomas mais degradados, devido à desenfreada expansão agrícola, nas últimas décadas, daí ser considerado  hots pot, isto é, ambiente ameaçado de destruição. Esse conceito foi criado pelo ecólogo inglês Norman Myers para designar áreas prioritárias para conservação, com grande biodiversidade ameaçada no mais alto grau. Com vegetais  diversificados, destaca-se por  características peculiares, como o grande número de frutas desconhecidas, que chegam a ajudar a subsistência das populações nativas. O jenipapo é um deles, embora ocorra em biomas da Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal, em matas úmidas, nas proximidades de rios, sendo encontrado em praticamente todo o País, exceto Tocantins, Roraima, Rondônia, Amapá, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Apesar de ser  autóctone da América Tropical, o seu cultivo foi introduzido, com sucesso, na África e na Ásia.
A árvore que o produz é o jenipapeiro – Genipa americana, da família das Rubiáceas, foi citada pelos primeiros navegadores dos séculos XIV e XV. Também, listada e desenhada por Frei  Cristóvão de Lisboa, no século XVII, quando viveu em nosso Estado (História dos Animais e Árvores do Maranhão). Em Poranduba Maranhense, o seu autor, Frei Francisco de N. Sra. dos Prazeres Maranhão que passou por aqui no século XIX, se refere ao jenipapeiro como uma árvore caducifólia, cujos frutos permanecem  depois da queda das folhas e só amadurecem no ano seguinte, quando a árvore estiver revestida de novas folhas. O jenipapeiro chega a alcançar 20m de altura, folhas simples com 15 a 35 cm. de comprimento, luzidias;  flores com 5 pétalas brancas ou amarelas; os frutos  são bagas ovoides, cor amarelo-pardacento, medindo entre 5 e 12 cm. Quando maduros apresentam a casca rugosa, murcha e úmida e são muito aromáticos e suculentos. As sementes são pardas, chatas e polidas. Seu nome deriva do tupi,  yandi-pawa , que significa planta que serve para pintar.
Os silvícolas até hoje usam o sumo dos frutos verdes, para pintar o corpo. Empregado, também, em  tecelagem, para tingir redes e tecidos. A cor azulada é causada pela geniparina  ou genipina, em contato com as proteínas da pele, sob a ação do oxigênio atmosférico.
  

                         VALOR   ALIMENTÍCIO



Apresenta elevado teor de  vitaminas do complexo B (B1, B2, B5 B12), Vit. C.
Por causa da acidez dos frutos, o consumo não é bem aceito in natura. Cem gramas da polpa fornece 113 kcal  e apresenta 3,6mg de ferro. Rico em carboidratos, proteínas, fibras, água e outros sais  minerais como cálcio e fósforo, também,  compostos fenólicos com atividade antioxidante.
Usado na alimentação de pessoas e animais  no Nordeste, suprindo a fome de populações nativas.
                                   
PROPRIEDADES   MEDICINAIS  E  INDUSTRIAIS

Suas raízes são usadas na medicina popular, como purgatório e no tratamento da gonorreia;  sob a forma de emplastros em caso de  dores localizadas. As sementes esmagadas, podem ser usadas como vomitórios. O chá de suas folhas, como antidiarreico; reduz as taxas de glicemia; na sífilis e como cicatrizante. Os frutos verdes ralados combatem a asma.
Pelo alto teor de ferro, provavelmente associado à Vit. B12, os frutos são usados em casos de anemia, causada pelo impaludismo
O suco do fruto maduro é usado como tônico do estômago, diurético e desobstruinte. O decocto das cascas dos frutos, usado para cicatrizar úlceras.
Fazendo incisões no seu tronco escorre um líquido branco que  combate a catarata.
As cascas do caule e os frutos  verdes, ricos em tanino são  empregadas para curtir couro. Há toda uma linha de cosméticos, à base da essência extraída de suas flores aromáticas e melíferas: xampus, hidratantes, reparador de cabelos, máscaras faciais, sabonetes em barra e líquidos, colônias.
O jenipapeiro é usado em projeto de reflorestamento e no repovoamento da fauna nativa.  Sua madeira é mole, flexível, racha com facilidade, porém, aceita bem o verniz e é usada em marcenaria, xilogravura e na construção naval e civil.
Excelentes para a  preparação de sucos, refrescos, doces cristalizados, jenipapadas, xaropes, licores.

                         MINHA HISTORIETA

Há uns 16 anos  tive um grave problema de saúde, refletindo-se em séria anemia causada por grandes perdas de sangue. Feita a ultrassonografia do útero e ovários foi detectado um mioma na parede uterina, difícil de ser extirpado. Enquanto resolvia se fazia ou não a histerectomia, o meu hematócrito caiu, pela redução de hemácias, em quase 50%.  Encaminhada por minha ginecologista dra. Luciane Faray Brito, comecei a reposição com a dra. Ada Viana, de saudosa lembrança, na sua Sanclínica Competente, decidida, corajosa, Ada que venceu tantas vicissitudes sucumbiu a um câncer de sangue. O tratamento fora feito com várias aplicações de Noripurun  na veia, diluído em soro fisiológico. Em poucas semanas as taxas subiram, podendo, submeter-me a essa  grande cirurgia. Só que o jenipapo deu uma mãozinha no tratamento; diariamente comia com adoçante e farinha seca. A dra. Andrea Pires, amiga e ex-aluna, também  ajudou esse tratamento, enviando-me tortas feitas com miolos de boi. O certo é que após recuperar a taxa de hemácias, solicitei à dra. Ada retirar 500ml de sangue, para serem  transfundidos, em caso de hemorragia durante a intervenção cirúrgica.
                      
    O  JENIPAPO  NA  MPB  E  NA  HISTÓRIA

Alguns compositores famosos utilizaram o jenipapo como tema de suas canções. O mais famoso deles, Vinícius de Moraes empregou-a em O Pato. Também, não menos famoso Caetano Veloso compôs uma música intitulada Jenipapo Absoluto. Há uma Banda nordestina com o nome Jenipapo.
Há ainda uma tribo indígena dos Jenipapo-Kanindé que habita a Lagoa Encantada.
Algumas cidades  e pequenos cursos d’agua no Brasil, principalmente no Nordeste, têm o nome de Jenipapo ou Jenipapeiro. Aqui no Maranhão temos Jenipapo dos Vieiras.
Mas o local mais importante com essa denominação, fica no Estado do Piauí,  célebre pelas  lutas  entre brasileiros partidários da Independência, dentre os quais Francisco Inácio Costa e a resistência portuguesa, travadas às margens do riacho Jenipapo, atual Campo Maior,  em 13/3/1823. Considerada uma das mais sangrentas para consolidação do território nacional, na qual perderam a vida. piauienses, cearenses e maranhenses, não faz parte dos nossos compêndios de História
. Em Parnaiba, um grupo liderado por João Cândido de Deus e Silva e Simplício Dias da Silva aderiu à Independência desde o dia 19/10/1822. O Major João José da Cunha Fidié, à frente de uma tropa de soldados portugueses partiu de Oeiras, capital do Piauí, para sufocar o levante, acampando na Fazenda Tombados, perto de Campo Maior. Daí partiu para Estanhado, hoje União onde bateu-se com as tropas nacionalistas, desviando a sua rota. Em Oeiras, o futuro Visconde de Parnaiba, Manuel de Sousa Martins, proclamou a adesão ao Império e assumiu a presidência da Junta Governativa. Fidié resolve voltar para a capital sendo batido pelas forças nacionalistas. Enfraquecido,  refugiou-se em Caxias, no Maranhão, onde foi derrotado por maranhenses e piauienses em 31/7/1823. Alguns historiadores afirmam que foi nessa época que chegou na Vila de Aldeias Altas (Caxias), o português egresso das tropas de Fidié, João Manuel Gonçalves Dias, que se tornou um próspero comerciante. De uma relação anterior ao seu casamento, com uma mestiça no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá a 14 léguas de Caxias, nasceu  em 10/8/1823 o nosso grande poeta, Antônio Gonçalves Dias. 
 



VAI JUÇARA OU AÇAÍ?


Adoro juçara, embora até os dez anos de idade fôssemos proibidos  de tomá-la, em  nossa casa. Papai participou de duas expedições científicas na Amazônia, entre 1912-13 e concluiu que a prevalência da hanseníase era mais acentuada nas regiões onde o consumo da juçara era mais frequente.
Mamãe, atualmente centenária, toma juçara, diariamente, exceto aos sábados e domingos, quando almoça em casa dos filhos; mesmo assim vai contrariada porque gostaria de tomar a sua bebida predileta. Até os 100 anos, tomava um litro; depois dessa idade passamos a regrá-la e, nos dias atuais,  toma só a metade,  com açúcar, farinha dágua, acompanhada por camarão seco ou peixe  assado ou frito.  
Quando morei no Rio, uma colega de turma e de apartamento, certa vez recebeu um isopor com juçara congelada, enviada  de Belém, por seus pais. Fizemos a maior festa e, na hora de comer,  tremia  de tanta ansiedade. Mais tarde descobri que na Rua Domingos Ferreira, no bairro de Copacabana  onde morava, havia uma lanchonete que recebia juçara,  do Pará.  O preço era salgado, mas sempre que passava por perto, tomava a minha tigelinha com tapioca e camarão.
Em Belo Horizonte fiquei  no seco, mas em Brasília fui informada que um restaurante a recebia; fui lá poucas vezes pois  ficava muito distante e eu não tinha automóvel.
Finalmente voltei para São Luis onde se encontra a bebida o ano inteiro, proveniente da zona rural da Ilha e da Baixada. Na década de 1970, a dra. Rosa Mochel Martins e o seu esposos  dr. Ezealberto Martins, ambos agrônomos, organizavam em seu sítio, no Maracanã, no mês de Outubro, época da safra, a Festa da Juçara, ocasião em que faziam exposições de suas plantas. Atualmente, essa festa faz parte do calendário turístico de São Luís.
Tomava regularmente, mas nos últimos anos ando me precavendo. Há uma série de tabus e mitos envolvendo a juçara: não se pode misturar com leite, com bebida alcóolica e com certas frutas como manga. Ora, certa vez tomei em casa de uma colega do Departamento de Patologia, dra. Liana Fiquene Couto, licor de juçara e nada senti; pelo contrário gostei tanto que adquiri  uns litros com a sua fornecedora. A cor é belíssima e o  sabor requintado.
Fiando-me nessa experiência e em amigos paraenses, resolví , uma certa tarde, tomar juçara após comer umas mangas. Morávamos  em um sítio no Altos do Calhau com muitas fruteiras. Nessa época, antes da abertura da Av. Luiz Eduardo Magalhães era um bairro tranquilo, isolado, com características rurais, a 7 km do centro.  Tínhamos um jipe Niva, de fabricação russa para os deslocamentos em época de chuva, quando o Rio Pimenta transbordava, alagando a pista esburacada. Certa vez vimos um filhote de jacaré morto, na estrada, certamente atropelado.
Pois bem, a reação do meu organismo a essa mistura  começou com vômitos, a partir das 19:00h  com espasmos constantes e depois incontroláveis. Acabei o estoque de anti-espamódicos,  xantínon, engov, sal de frutas, extrato hepático e até chá de cascas de laranja e nada.  Mal-estar, tontura, vômitos e intensa sudorese apesar de estar com o aparelho de ar condicionado ligado. Meu marido preocupado queria levar-me para o Pronto Socorro, mas conseguí  impedi-lo, prometendo-lhe se até às 22:00h  os vômitos não parassem, que ele avisasse meu mano médico para ver para qual hospital eu iria. Sem nada no tubo digestivo já expelia um  muco espumoso; como último recurso  tomei um analgésico, à base de AAS e foi como os vômitos pararam e consegui dormir. Mito, tabu, ou apenas uma intoxicação alimentar provocada pela juçara de procedência duvidosa? Pelo sim, pelo não, nunca mais! Quem quiser pode misturá-los, mas eu realmente fiquei amedrontada!

         DIFERENÇA  ENTRE  JUÇARA  E  AÇAI?





Inexplicavelmente a juçara ou açaí não integra a obra  As frutas na Medicina Doméstica de A. Balbach. Também não fora mencionada pelo Frei Cristóvão de Lisboa, sendo, no entanto referida por Frei Francisco de N. Sra. dos Prazeres Maranhão em sua obra Poranduba Maranhense ou Relação Histórica da Província do Maranhão, escrita no início do Século XIX.
Há duas espécies que geram muita confusão: Euterpe edulis ou juçareira , palmeira típica da Floresta Atlântica, distribuindo-se da Bahia ao Rio Grande do Sul. Possui apenas um caule (unicaule)  com cachos de frutos sésseis, arredondados, de cor violeta.  Os frutos bacáceos, tem um só caroço e uma fina  camada de polpa, usada para preparação de um vinho semelhante  ao açaí. Até há algumas décadas dela se extraia apenas o palmito, correndo  risco de extinção.
Já o açaizeiro ou Euterpe oleracea  é nativo na região Norte  em terrenos de várzeas e igapós, podendo ser encontrado em terra firme da Região Amazônica, incluindo os estados do Maranhão, Pará e Amazonas. Também encontrado na Venezuela, Colômbia, Equador, Guianas, Brasil (Amazonas, Pará, Maranhão, Rondônia, Acre), assim como  em Trinidad e Tobago e nas bacias do Pacífico, na Colômbia e no Equador).
Produz vários perfilhos, formando touceiras. Esses caules, em número de 4 a 8 estipes, com 12m de altura e 14cm de diâmetro, são manejados para a exploração do palmito, ao longo da vida útil da palmeira. Entretanto, o contrabando do palmito em área de proteção ambiental  continua sem controle.
A palavra juçara denuncia  a origem tupinambá do tronco linguístico tupi, derivando  as palavras soshugara e  e soshyara ou jyssara (tronco de árvore).  Já o termo açaí entrou na língua geral amazônica da família linguística karib, da palavra iwasaí (fruto que chora) oyasai (árvore de águas), utilizada na Guiana Francesa.
As palmeiras podem atingir até 20m de altura, espécie monóica, isto é, com  flores masculinas e femininas no mesmo cacho, mas que se abrem em tempos diferentes. Daí a polinização cruzada ser mais frequente.
O tempo de germinação vai de 30 a 60 dias. Entre a floração e a frutificação há um intervalo de 5 a 6 meses. A produção por espécimes com idade entre 6 e 7 anos é de 15kg, que rendem 6 a 10 litros do vinho.
A juçareira é de extrema importância ecológica na cadeia alimentar do ecossistema da Mata Atlântica, responsável, outrossim, pelo desenvolvimento econômico sustentável.
O açaí da E.edulis apresenta perfil lipídico diferente em relação a E. oleracea, provavelmente por causa das baixas temperaturas da região, que influenciam no grau de maturação dos frutos.
Quanto à presença de açúcares o teor mais elevado é encontrado na juçara, sendo  mais doce que o açaí.

                            VALOR  ALIMENTÍCIO

O alto valor energético se dá, principalmente, pelo conteúdo total de lipídios que fornecem cerca de 70 a 90% das calorias dessa bebida. Considerada afrodisíaca, usada em caso de disfunção erétil e revitalizadora de energias. A partir dos últimos 20 anos caiu na preferência  das academias de ginástica, lanchonetes, restaurantes, em mistura com xarope de guaraná e outros sucos de frutas. Usada, também na preparação de sorvetes, iogurtes, cremes, geleias, pudins e até licor.
Bastante consumida pelas populações ribeirinhas do Amazonas, desde o período pre-colombiano. Também no Pará e no Maranhão.
No Pará a polpa é mais grossa e comida com tapioca. Aqui no Maranhão, o suco é mais ralo, tomado com  ou sem açúcar,  com farinha seca ou  dágua, acompanhada por camarão ou peixe seco.
Antes da fabricação das máquinas processadoras do açaí, inclusive da máquina  Expressa, a bebida  era obtida de maneira rudimentar, o que deve ser ainda usado nos povoados, Retirados dos cachos, após cuidadosa lavagem, são postos de molho em água quente, dentro de um alguidar de barro. Quando a polpa está mole e solta, amassa-se com as mãos ou com o auxílio de uma garrafa, depois então, é passada numa peneira para reter o bagaço.
Em Belém há algum tempo houve  um surto de doença de Chagas, na fase aguda, atingindo toda uma família, sendo atribuída à falta de higienização prévia dos frutos, contaminados com fezes de triatomíneos (barbeiros).
Nas duas espécies, tanto o palmito como os frutos  têm as propriedades organolépticas e nutritivas  semelhantes.
Até o ano de 2003 era utilizado apenas os frutos da Amazônia; a partir dessa época começaram a ser explorada a espécie da Mata Atlântica, principalmente em Santa Catarina. Na Bahia o cultivo começou a ser feito em função do generalizado uso da polpa.
As sementes liofilizadas e transformadas em pó são usadas em sucos e como suplementos alimentares.
.

                     IMPORTÂNCIA EM MEDICINA

Pesquisadores do ITAL (Instituto de Tecnologia dos Alimentos) encontraram nos frutos da juçara/açaí  grande teor de antocianina, da família dos flavonoides fitoterápicos, com capacidade de combater os radicais livres, proteger a saúde cárdio-vascular, melhorando a circulação sanguínea do organismo contra o acúmulo de placas de gordura e diminui os efeitos das doenças  que atingem a memória e coordenação motora como o Mal de Alzheimer. A antocianina, poderoso anti-oxidante é responsável pela cor escura da casca dos frutos maduros e apresentam o teor mais elevado na juçara (1,347mg) do que no açaí (36mg).
Ajuda a emagrecer pela presença de tocoferol, gorduras ômegas 3 6 e 9, rico, também em gorduras monoinsaturadas e poli-insaturadas que previnem doenças cardíacas, perda da visão.  estimulando  o metabolismo do organismo  ajudando-o a queimar mais calorias. Previne a celulite  e protege a pele dos raios solares.
Ricos em sais minerais como fósforo, potássio, cálcio, sódio,  magnésio, manganês, zinco, cobre e principalmente ferro. Também, nitrogênio,  proteínas, açúcares, lipídios e fibras, além da vitamina A. Os níveis de lipídio, proteínas e cálcio são aproximados do leite bovino, mas a proteína deste é de melhor qualidade. O número de calorias é praticamente igual nas duas espécies.
Os teores de minerais são diferentes em relação às duas espécies, sendo que o ferro  se apresenta mais acentuado: no açaí é de 328,5 mg, enquanto na juçara é de 559,6mg. Em relação às proteínas, o açaí apresenta taxas mais elevadas.
O ferro é o elemento mais importante para formação da hemoglobina do sangue, possibilitando a respiração celular. Entretanto, o ferro contido no açaí, é inorgânico ou não hemínico, possui uma taxa reduzida de absorção, formando compostos que são insolúveis e indisponíveis para absorção. A vit. C que propicia essa absorção é encontrada em pequena quantidade.
Pesquisas realizadas na Universidade Estadual da Flórida atribuíram ao açaí   papel potencial para enfrentar as condições debilitantes das pessoa, sendo considerado de  inestimável valor no tratamento de vários cânceres, pela  destruição  das células malignas.

OUTROS USOS DO AÇAIZEIRO OU JUÇAREIRA

As folhas são usadas na confecção de chapéus, esteiras, cestos, vassouras, cobertura de casas. As sementes livres do material fibroso  que as envolve, são utilizadas, também, no artesanato. A madeira resistente às pragas é usada na construção civil.
Também usado na indústria de cosméticos como manteiga e polpa esfoliante para as pernas, sabonete cremoso e esfoliante, óleo trifásico e colônias.
                       
                                  LENDA DO AÇAÍ

No coração da floresta onde está situada atualmente a cidade de Belém, habitava uma tribo de índios que numa determinada época sofrera com uma grande escassez de alimentos, levando o cacique Itaki a promover um controle populacional para minorar a fome do seu povo.
Para tal determinou  que todas as crianças que nascessem a partir dessa data fossem sacrificadas e servissem para alimentação da tribo. Iaçá, a filha mais nova do cacique, deu à luz a um menino que teve o mesmo destino das outras crianças. Inconformada a mãe chorava todas as noites a perda do filho, quando em certa noite de luar, ouviu o choro da sua criança perto de uma bonita palmeira. Feliz, Iaçá abraçou seu filho até que misteriosamente ele sumiu, deixando-a desesperada por vários dias. Mais tarde foi encontrada por sua gente, morta, abraçada em uma palmeira e com os olhos pretos dirigidos para seus cachos. Era um açaizeiro. Comovido o pai mandou apanhar uns cachos com frutinhas escuras como os olhos da filha e amassá-las para extrair-lhes uma bebida que passou a ser a fonte de alimentação da sua tribo. O nome dado à fruta é o nome de Iaçá, ao contrário. Também explicado o significado de iwasai árvore de água e fruto que chora.

O AÇAI  NA MEMÓRIA DO AMAZONENSE E NA MPB

“Quem vai ao Pará, parou, bebeu açaí e ficou”- expressão conhecida há muito tempo. Quando se diz que uma pessoa é Açaí de 10, significa que é grossa e arrogante e tem tudo a ver com a espessura da polpa na época da safra.
Na MPB encontramos apenas duas composições, uma de Djavan – Açaí que faz referência à propriedade como guardiã da cultura amazonense e uma de um compositor regional, Nilson Chaves – Sabor Açaí.



sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O CULPADO FOI O TAMARINDO


Tamarindo ou tamarino é o fruto  de uma planta – Tamarindus indica – originária das savanas africanas (África Tropical) e segundo outros pesquisadores,  seria oriunda da Índia. No Brasil é encontrada nas regiões Norte e Nordeste.
O nome tamarindo originou-se do árabe tams hind que significa tâmara indiana. A árvore é decorativa e chega a alcançar 25m de altura. Pertence à família das Leguminosas, com tronco muito ramificado com ramas curvadas, formando uma copa densa. Suas folhas são compostas e sensíveis à ação das baixas temperaturas. As flores são hermafroditas, amarelas ou avermelhadas, reunidas em pequenos cachos axilares Os frutos são vagens oblongas e indeiscentes, com 5 a 15 cm, casca parda, lenhosa, quebradiça, com 3 a 8 sementes envolvidas por uma polpa escura e agridoce.
O cerne da madeira é duro, difícil de trabalhar e resistente à ação dos cupins, sendo usado na fabricação de móveis,  brinquedos e na produção de carvão.

                           VALOR  ALIMENTÍCIO

Altamente calórico: cada 100g fornece 272 kcal. Rico em vitaminas A, B1 e C e minerais como cálcio, fósforo e ferro, assim como proteínas, lipídios e carboidratos.                                                                                                                                   
Seu sabor característico agridoce,  decorre dos elevados teores dos ácidos tartárico e málico. Sua polpa conserva-se muito bem, desde que as cascas se mantenham inteiras. Usada na preparação de  geleias, sorvetes, cremes,  licores,  caldas e sucos; estes devem ser preparados imediatamente antes do consumo, para evitar a fermentação que pode ocasionar alteração no sabor e causar distúrbios intestinais,. Muito ácidos quando  maduros, as pessoas preferem comê-los arientos ou  de vez, isto é, próximo à maturação.

                    PROPRIEDADES  MEDICINAIS

A polpa é laxativa, usando-se 50-100g por litro dágua. Estimulante das glândulas salivares devido ao ácido tartárico; usada, também, na preparação de xaropes. Suas folhas são aproveitadas como vermífugas  e as sementes como forrageiras.
Sob a forma de tisanas indicadas para estados febrís, disenterias, irritação intestinal e cólicas hepáticas

                             NOSSA HISTORIETA

Era o ano de 1958,  Anos Dourados na Música, nas Artes, no Desenvolvimento do Brasil, cujos ecos chegavam até a nossa, ainda, acanhada cidade de Pinheiro, através das matérias publicadas na revista O Cruzeiro, das reportagens projetadas pelo Cinema dos Gonçalves antes do inicio dos filmes, pelos bolachões que Aymoré levava em sua bagagem, nas férias, também ouvidos na Voz Paroquial, contagiando-nos  e levando-nos a fazer parte desse processo.
Em 1956, a minha mãe já viúva há quatro anos, casou-se com o poeta Abílio da Silva Loureiro, responsável pela explosão poética-cultural que ocorreu a partir dessa época. O nosso semanário Cidade de Pinheiro, em sua página cultural,  publicava nossas crônicas e poemas: Aymoré, Jurandy, Erasmo, Nair Amate,  Tinche,  Abraão, José Anastácio e outros mais velhos como Carolina Moraes, Maria Quitéria  Cerveira, Leomar Veloso, Graça Moreira, Marita Gonçalves e até eu, cometíamos os nossos sonetos e acrósticos.
O mundo era nosso, estávamos com quinze anos e prestes a concluir o curso ginasial. Tudo era alegria, mas com um sabor agridoce, como os tamarindos. Tudo que fazíamos mesclava a nossa euforia com um travo de saudade, de melancolia, pois estávamos despedindo-nos de uma etapa da nossa vida, para prosseguir em São Luis, os nossos estudos. Os bailes, piqueniques, passeios na Faveira, festas religiosas, desfiles cívicos,  em tudo, permeava  um quê de nostalgia. Pobres de nós que sem conseguir enturmarmo-nos com as novas colegas da capital, frequentando seus clubes e tertúlias, namorar os cadetes das Agulhas Negras, voltamos a badalar em Pinheiro, com mais vontade e savoir-faire.
Pois bem, antes da conclusão das aulas, nos primeiros dias de outubro, enquanto o Papa Pio XII agonizava, após a aula de Educação Física com o prof. Antônio Carlos Guterres, passamos pela casa do sr. Carrinho Pimenta, numa esquina, quase em frente ao convento das Irmãs e resolvemos apanhar uns tamarindos. Sempre que pedíamos a família nos franqueava, mas nessa tarde resolvemos apanhá-los com paus e pedras. Certeira na pontaria conseguí um punhado de suculentos frutos arientos e comí até fartar-me.
No dia seguinte, logo na primeira aula de Português, ministrada pela Irmã Rute, responsável, também pelas aulas aos sábados de Boas Maneiras, recebemos uma vexatória descompostura: isso não era o que se esperava de moças educadas, comportamento inadequado  de alunas às vésperas da formatura, incompatível com o nosso status social. Além do mais, dando risadas, falando alto e maculando a imagem do Ginásio, pois estávamos desrespeitando uma das farda (saia-calça e blusa azul e tênis com meia soquete na cor branca). E por tudo isso, recebemos uma punição severa: suspensão por 3 dias.
Cabisbaixa e sentindo-me injustiçada, pois era apenas o uniforme de ginástica, voltei pra casa, após tentarmos descobrir a autoria da denuncia. Fulana? É bem capaz, ela adora um fuxico. E beltrana? que vive licutindo no ouvido das freiras!
Provavelmente pelo excesso de tamarindos degustados , aliado a essa punição que achei exagerada, tive uma das maiores crises hepáticas da minha vida.

Até hoje aumenta a minha salivação só pela lembrança desse episodio, mas tamarindos, só em polpa, adquirida de cinco em cinco  anos, e usados como laxante!



JABUTICABAS DEVEM SER CHUPADAS NO PÉ.


Sempre tive vontade de comer jabuticabas. Estudei com religiosas mineiras que falavam constantemente nessa fruta. Nas aulas de Desenho preferia temas que pudesse fazer à mão livre; nada de usar réguas, esquadros, compassos, nem desenhos geométricos, barras gregas. Desenhava regularmente as frutas impressas em cartazes, provavelmente adquiridos em Minas Gerais, como morangos, jabuticabas, marmelos, amoras, pêssegos, caquis, groselhas, cerejas, ameixas. Tornava-se difícil reproduzi-las fielmente como cajus, maçãs, cachos de uvas, bananas, atas, laranjas, tangerinas e outras as quais conhecíamos, sabíamos o seu tamanho, cor, textura das cascas e gosto.
Outrossim, alguns rapazes que conheci do Rio e de Minas, à falta de atributos físicos para elogiar-me, diziam que eu, entre as demais garotas da minha idade, se me pusessem de cabeça pra baixo, sairia algo, ou seja eu tinha alguma bagagem cultural e rematavam os comentários dizendo que meus olhos pareciam duas jabuticabas.
Algumas  frutas tantas vezes reproduzidas nos meus cadernos de desenhos conheci  quando vim estudar em São Luis, como peras e uvas. Outras, só no Rio, em 1965, fazendo pós-graduação. Hospedei-me num apartamento no Leme, num edifício com entrada pela Avenida Atlântica e pela Gustavo Sampaio e ao voltar das aulas, à tardinha, preferia entrar por esta última, pois havia no térreo uma quitanda ou frutaria. Nessa oportunidade conheci ameixas frescas pretas e avermelhadas, pêssegos, caquis, morangos, nêsperas, figos e amoras, mas as jabuticabas  quando perguntava o vendeiro me dizia que não era a época. Quase todos os dias comprava duas ameixas, frutas das quais gostei na primeira mordida. Já os caquis, pêssegos, figos, peras e demais frutas de regiões temperadas não caíram bem no meu paladar.
Tão logo cheguei ao Rio comecei a namorar com um colega de turma, que era mineiro, da Zona da Mata, e que vivia suspirando pelas jabuticabas, acreditando que eu iria, também, curti-las. Certa tarde, ao deixarmos o Departamento de Higiene e Saúde Pública onde fazíamos pós-graduação em Análises Clínicas, na antiga Universidade do Brasil, situada no cruzamento da Wenceslau Brás com a Avenida Pasteur,  perto da Praia Vermelha , encontramos um vendedor de frutas com o tabuleiro cheio de umas frutinhas pretas. Pronto, o rapaz ficou eufórico, numa animação só e comprou logo um quilo, começando a chupá-las na rua, sem lavá-las, ele que era altamente escrupuloso em relação à higiene dos alimentos. Desconfiada, limpei algumas na blusa e experimentei-as, sob o seu olhar atento. Mas que decepção: achei as frutinhas aguadas, sem gosto, dispensando-as logo, para sua frustração.
O meu segundo encontro com as jabuticabas deu-se cinco anos depois, em 1970, em Belo Horizonte, onde fazia o Curso de Mestrado em Parasitologia na UFMG, que ainda funcionava em um prédio relativamente pequeno, na Rua Alfredo de Balena, no centro da cidade, pertencente à Faculdade de Medicina e cedido ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB). As aulas práticas eram dadas nos mais diversos locais: Faculdade de Filosofia na Rua Carangola, no Museu de História Natural, no Instituto de Pesquisas Renée Rachou, na Faculdade de Veterinária situada na Avenida Amazonas  onde aprendemos a dissecar camundongos, hamsters, cães e até porcos. As aulas práticas de Entomologia foram dadas na Fazenda Experimental da Universidade, a poucos quilômetros de Belo Horizonte, onde pernoitamos, para capturar insetos de hábitos diurnos e noturnos. Por ocasião das aulas sobre carrapatos fomos para uma fazenda do grupo Itaú, com uma bonita casa-grande, ainda conservada e transformada em museu. Móveis de época, prataria, cristais, porcelanas e outras  alfaias eram expostas, com  visitas monitoradas. Criavam bovinos equinos, caprinos e suínos, além de possuírem uma granja grande e bem organizada. Nesse dia estava um especialista  fazendo a triagem, por sexo, dos pintinhos de um dia, pelo exame da cloaca. Não sei como se chamam esses técnicos,  mas são raros e bem pagos, com rendimento  calculado por unidade. Os  espécimes machos era vendidos para criadores, para ulterior abate, enquanto as fêmeas eram mantidas  para matrizes. O pomar era maravilhoso com todas as espécies de fruteiras, mas o meu interesse foi despertado pelos pés de tangerinas, carregados de frutas amarelinhas.  Não resistí: comí  à farta, pouco ligando para goiabeiras, pereiras, marmeleiros, laranjeiras, caquizeiros  e outras fruteiras. Os colegas mineiros deram logo com uma jabuticabeira temporã, isto é, com frutificação fora da época, cujo tronco e galhos estavam  recobertos por pequenas  esferas pretas. Fizeram uma festa e até eu acabei  contagiada, comendo algumas recém-colhidas, fresquinhas e não é que acabei  gostando, confirmando o adágio mineiro de que “ jabuticaba  deve chupar-se no ”.
                                                   


                      JABUTICABEIRAS  E  JABUTICABAS


Os primeiros registros dessa fruteira foram feitos por viajantes que passaram pelo Brasil em 1584 e 1594. Nativa da Mata Atlântica, principalmente da Zona da Mata, em  Minas Gerais, pode ser encontrada em Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também foi encontrada nas serras de Ibiapaba e Baturité, no Ceará. Aqui em São Luis,o prof. Gualter, daUFMA, plantou um pé de jabuticaba, em seu sítio na zona rural, perto da Praia da Boa Viagem. Não sei se chegou a frutificar.
Planta da família das Myrtáceas  (Myrciaria cauliflora), perenifólia, higrófila, alcança até dez metros de altura e seu tronco chega a medir 40 cm de diâmetro. Bastante ramificada, folhas simples,  só frutifica  vinte anos após o plantio, embora, em certos pomares bem regados chega a frutificar entre dez e doze anos. Na época da florada tronco e galhos  ficam revestidos de flores brancas que atraem grande número de aves e insetos.  Seus frutos  grudados no tronco e galhos, são arredondados, com 1,5 a 2,5cm de diâmetro e quando maduros ficam pretos. A sua polpa de cor branca é mole e suculenta. Apresentam uma única semente  e seu cultivo dá-se por disseminação, através de aves. Essa característica de frutos ligados aos troncos é conhecida pelo nome de caulifonia. O seu cultivo é difícil, pois a semente deve ser separada da polpa e ser bem lavada antes do plantio, A florada dá-se geralmente nos meses de julho a agosto ou novembro e dezembro com frutificação nos meses de janeiro e fevereiro. Nesse período ocorre o já famoso Festival da Jabuticaba em Sabará (MG).
Embora descrita desde 1820, as jabuticabas eram conhecidos pelos índios desde tempos imemoriais pelos nomes  yawoti kawa e iapoti kaba, o que leva à confusão da sua grafia correta se jabuticaba ou jaboticaba. Desde o período colonial passou a ser cultivada em pomares, sendo seus frutos utilizados no preparo de geleias, sucos, licores, sorvetes. Para obtenção de uma florada mais abundante os cultivadores costumam escovar  troncos e galhos, para limpá-los dos restos da frutificação anterior. No fim do século XIX os italianos no noroeste fluminense fabricavam vinagre e vinho,  à falta de uvas.

                                          VALOR  ALIMENTÍCIO

As jabuticabas são ricas em Vitamina C ou ácido ascórbico que protege o sistema imunológico e outras do Complexo B, como a B2 ou riboflavina, importante para o crescimento e a B5 ou niacina. Esta participa do mecanismo de oxidação celular, influencia o metabolismo do enxofre e ativa o mecanismo dos carboidratos. Possui, também, altos teores de sais minerais como cálcio, fósforo e ferro. Também, magnésio, enxofre, potássio, cobre, zinco, alumínio, e boro). Cada 100gr tem apenas 45 kcal, isto é pouco calórica.
                                                             





PROPRIEDADES MEDICINAIS

A polpa da jabuticaba é considerada aperiente, eufórica e reanimadora. A vitamina B5  ajuda a digestão e eliminação de toxinas, prevenindo o envelhecimento precoce. Também com efeitos sobre a demência causada pelo Mal de Alzheimer e outros sintomas psicóticos como alucinações, delírios e amnésia.
Os frutos tem princípios ativos que combatem o estresse,  a imunodeficiência, o raquitismo e a piorreia alvéolo-dentária; melhoram a circulação sanguínea protegem e estimulam a reparação de tecidos ricos em colágenos, pela produção de histamina, retardando a formação das indesejadas rugas. Previne a catarata, o glaucoma, e outras doenças degenerativas da visão; combate a fragilidade capilar evitando varizes e erisipela; também asma alergias, gripes e resfriados, disenterias. O uso do extrato dos frutos,  reduz em 50% as células da leucemia e do câncer da próstata.
Entretanto suas propriedades mais importantes estão nas cascas, ricas em pectina e pionidina, além da antocianina, responsável pela cor escura dos frutos e a antocianidina, flavonóides anti-oxidantes, que  combatem os radicais livres.  Também possuem polifenóis como a quercetina e a rutina, com propriedades anti-cancerígenas, daí aconselhar-se a fazer sucos, triturando-as com a polpa. A farinha obtida por trituração é usada como corante e aditivo para enriquecer iogurtes e outros alimentos processados. Indicada, também para casos de leucemia e  usado na prevenção da diabetes tipo 2, pois reduz as taxas de glicemia e colesterol LDL, ou colesterol ruim.
                                          
PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE A JABUTICABA

Em Entomologia Agrícola o extrato obtido das cascas é usado no controle biológico de insetos, bloqueando sua digestibilidade proteica.
Essas pesquisas, principalmente as relacionadas com as cascas da jabuticaba estão em desenvolvimento na Universidade Federal de Lavras (MG) e na Unicamp (SP).
                                                      
                                                 .

                      FOLCLORE  LIGADO  ÀS JABUTICABAS.

Referem-se à interpretação de sonhos: sonhar com as frutas significa inconstância em seu relacionamento. Colhê-las: mudanças se aproximando, devendo ficar-se atentos em suas escolhas, porque é época de conquistas. Também é interpretada como sensualidade. Ou que algo está perto de acontecer. Pomar com fruteiras carregadas e maduras, recompensa pelo serviço fiel; lares felizes, maridos fieis e filhos obedientes.
Pomar em tempestade, convidados ou funções indesejadas. Porcos comendo as frutas caídas, perda da propriedade. Fruteiras infestadas de pragas, possível miséria.
Chupá-las no pé, significa que alguém te deseja. Comprá-las é interpretado como melhoria nos relacionamentos.

              AS  JABUTICABAS  NO  CANCIONEIRO  POPULAR  BRASILEIRO

Muitas Composições Musicais, Poemas, Livros de Memórias têm abordado esse tema, ligado à infância de quase todos os escritores das regiões onde a jabuticabeira é nativa, principalmente os memorialistas.  Para não alongar-nos citaremos Olhos de Jabuticaba cantada por Lulu Santos; Jabuticaba de autoria de Carlinhos Brown e Bebel Gilberto;  Suite Doce de Jabuticaba por Xangai. A Jabuticabeira de Neisa Paulen, além de ser um dos temas do seriado O Sítio do Pica-pau Amarelo. (Ploquet pluft nhoque). Há, também um poema popular muito conhecido – O pé de jabuticaba, anônimo como a cantiga infantil – Ciranda de jabuticaba.

  

             CURIOSIDADES  SOBRE  AS JABUTICABAS

Finalmente a grafia correta é jaboticaba ou jabuticaba? Houaiss admite os dois verbetes, considerando  os nomes em tupi. E a cidade de Jaboticabal, em São Paulo, como explicar?

Na época da safra das jabuticabas, os cultivadores costumam alugar as jabuticabeiras para melhor colheita dos frutos. Estes fermentam com facilidade e devem ser guardados, imediatamente após a colheita, em sacos plásticos e mantidos em geladeira, daí a explicação porque as jabuticabas devem ser chupadas no .

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A FAVEIRA E OS PEIXES DE PINHEIRO


                                                I - A  FAVEIRA

Certo domingo, provavelmente início de 1958, aceitei um convite feito, reiteradas vezes, pelas filhas do sr. Raimundo Corrêa (Raimundo Socó), para um passeio, seguido de um banho na Faveira. Maria Helena, Noquinha , Maria Célia e Maria Isabel  eram sobrinhas de Carlos Corrêa Júnior, o Carrinho, com quem estava de namoro, através de um romance, por correspondência, pois ele fora para o Rio, concluir seus  estudos.






O passeio seria depois da Missa das 8:00h após o que nos reunimos em casa da família Corrêa, um bonito sobrado ao lado de um  mais antigo do seu avô, situado  na esquina da Praça Pe. Newton Pereira (Praça da Matriz) com a Rua Diogo dos Reis. Essa rua, provavelmente aberta pelos primeiros povoadores, é uma das mais antigas da cidade e liga o Bairro da Matriz ao Centro. Já encontrei à minha espera toda a turma, que na ausência do tio ficara me dando assistência; também  Norinha e Orzinete, suas primas pelo lado materno, Agnaldo Reis e Maria Alzira, vizinhos. Lanche pronto, seguimos cantando alegremente pela rua Santo Inácio, passando pelas casas de d. Cotinha Pereira, tia do Pe. Newton; d. Alice Durans;  sr. José Costa; família Cardozo e Silva;  seu Adão Amorim, pai de muitos filhos dentre os quais as professoras Cici e Nenen; sr. Severino que fabricava  foguetes e balões, também com numerosa prole, dando à Igreja os padres Geraldo e Almir; d. Galiana responsável pelos festejos do Divino; Rafael Moraes que era tipógrafo do nosso Cidade de Pinheiro; Urbano, pescador; em direção à Faveira. Claro que não havia pedido permissão para  mamãe. Banhos em rios, lagos, açudes, tanques  e mais tarde praia eram vedados aos filhos de d. Inez, que perdera, em naufrágio, a irmã caçula de apenas 17 anos. Até hoje não sabemos nadar, embora dois irmãos tenham piscina em casa e eu já morei em condomínio fechado com bonita área de lazer e uma piscina quase olímpica. Também morei numa cobertura com piscina exclusiva, porém sequer molhei os pés em suas águas.

Cantando e rindo, contando graçolas chegamos à beira da Faveira, onde acampamos, isto é, estendemos as toalhas sobre o capim e pusemos  o nosso farnel : frango frito com farofa, frutas, sucos, colheres, pratos e copos. Após trocar de roupa as meninas caíram na água, brincando  entre si, mergulhando, dando baldes uma nas outras, enquanto eu ficara só apreciando. Num determinado momento, lembraram-se que  eu era a  convidada de honra, devendo portanto, entrar  nas águas da Faveira.  Não prestou. Protestando, troquei de roupa e fui devagarinho e com muito cuidado até a beiradinha da água. Trouxeram-me um tronco de bananeira no qual montei e, após algumas instruções jogaram-me naquele mundo de água. Ainda esforcei-me para manter-me à tona, equilibrada na montaria, batendo pernas e braços, respirando, tentando nadar, mas nada. Lembro-me apenas ter ficado no escuro, debaixo de toneladas de água. Com a ajuda de todos fui içada, aterrorizada, tossindo e expelindo água, com os olhos esbugalhado  de susto e medo. Essa foi a primeira e única vez que tentei entrar nas águas do Pericumã.
A Faveira é um dos pontos turísticos de Pinheiro, democratizando a população, nivelando ricos e pobres, pois todos  alimentam-se dos peixes criados em suas águas. Usada também,  para recreação em banhos, piqueniques e nas últimas décadas, com restaurantes e bares, instalados em suas margens.  No ponto mais largo deve chegar a uns 25 metros, porém é profundo, tendo tragado, em suas águas, muitos pescadores e jovens afoitos que apostavam a travessia nos  domingos e feriados. Seu nome deriva de várias árvores da família das Leguminosas, produtoras de favas ou vagens, encontradas em suas margens. Os moradores de Pinheiro dizem que a Faveira  é um braço do Rio Pericumã; na realidade é um dos muitos lagos que alimentam, com suas águas e peixes, aquele rio, tais como o Laguinho, Cafundoca, Lago Grande e outros.
De manhã cedinho, antes da reforma do Mercado Central e da proliferação de feiras criadas à medida  em que a cidade se desenvolvia, os chefes de família e o povo em geral,  com seus cofinhos e cestas, iam  para a beira da Faveira esperar a chegada dos pescadores com o produto de sua faina, comprando-os fresquinhos. O tio Paulo Castro comprava para toda a sua família, além das irmãs e cunhadas.
                                                                  
          
IIOS PEIXES

Aqui no Maranhão o primeiro estudioso a descrever e desenhar os nossos peixes foi Frei Cristóvão de Lisboa (1624-1631): jeju, acará, traira, bagre, jandiá, piau e outros conhecidos à época por outros nomes. Os capuchinhos Yves dÉvreux e Claude dÁbbeville, que estiveram  aqui na Ilha com a esquadra de Daniel de La Touche, entre 1612-1615, falam sobre os nossos peixes e como os índios preparavam-nos. A maioria dos peixes é conhecida, até hoje, pela nomenclatura tupi, com base em seu aspecto exterior e local de nidificação e criação.
Nos dias atuais os peixes mais comuns são: traira, jeju, cabeça gorda, piaba, acará, jandiá, cascudo  e piranha. Numa boa pescaria consegue-se obter pirapemas, usando os currais de pesca, pois são espécies da água salgada que procuram os igarapés para fazerem a postura. Os surubins, mais raros, são os preferidos assim como os curimatás, que chegam a medir  50cm, e que podem, também ser encontradas em água doce
Os peixes maiores, em décadas anteriores, eram vendidos em cambadas, de dúzia ou meia-dúzia; os menores, em pratadas. Além dessas vendas na beira do rio, muitos pescadores vendiam em domicílio.
Os bagres, fisgados com anzóis, à noite, atendiam encomendas feitas pelo pessoal de maior poder aquisitivo, para as famosas ceias de bagres. Antes desdenhados, chamados de anojados,  passaram a integrar, a partir da década de 1960, o cardápio pinheirense, até em dias de festas. Esse costume fora instituído por Nhô  Di e Edésio Castro, mais tarde estendido a dr. Arruda, Ubaldo Pimenta, ZéMaria Gonçalves, João Campos, Evilásio e os bancários recém-chegados na cidade, principalmente Luciano Chaves,  para trabalhar nas agências do Banco do Brasil e do Banco do Maranhão, instalados por volta de 1963.
Na cidade de Pinheiro, 90% do pescado consumido é retirado das águas do Pericumã. Os restantes 10%  são provenientes de tanques e açudes, do Lago Turí (bacia do Rio Turiaçu) e de Cururupu; estes de água salgada, que fornecem, também os crustáceos vendidos em mercados e feiras.                                           
                     III - ISCAS E TIPOS DE PESCARIA

Para a captura de peixes, os pescadores usam, ainda, os métodos primitivos dos índios:  tarrafas, anzóis, caniços, tapagens ou currais, puçás ou socós. As tapagens são proibidas na época da piracema, pois prejudicam a reprodução. As iscas usadas nos anzóis variam de uma espécie pra outra. As mais comuns são: minhocas, bichos de coco (larvas de insetos encontradas em tucuns),pedaços de peixes sem grande valor econômico.  Alguns pescadores usam bolotas de angu, cupinzeiros e até insetos.
Atualmente os peixes ficaram escassos, após a introdução de espécies alienígenas como as tilápias, importadas do continente africano, como fonte de proteínas; reproduzem-se, no entanto,  em proporção geométrica em relação às demais espécies; por sua grande voracidade destroem o plâncton, competindo biologicamente com as espécies nativas, deslocando-as. Também o tambaqui trazido da Amazônia, para criação em tanques e lagos e servir de alimentação à população carente, é responsável pela redução do nosso pescado. Não se reproduzem em cativeiro, sendo os alevinos conseguidos em laboratório. Alguns espécimes chegam a pesar entre 10-12kg  e se alimentam dos peixes menores.  Criados em ambientes fechados, na época das grandes chuvas, há o extravasamento das águas levando-os  para os rios, lagos naturais e campos, milhares de  predadoras das espécies nativas.


                 IVMODOS DE PREPARAR OS PEIXES

Os peixes consumidos pela população eram preparados  da mesma maneira, dependendo da espécie: bagrinho,  jandiá, acará, cabeça-gorda, cascudo, piranha,  cozidos  com arroz e farinha seca, pura ou em pirão; jeju e traira podiam ser cozidos, fritos no azeite de coco, à escabeche, moqueados, assados na brasa, assim como o surubim e a pirapema. As piabas, excelentes quando cozidas, podem ser fritas ou assadas no espeto, servindo  como tira-gosto. A traira ou tarira tem o seu valor duplicado quando dessecada,  tornando-se mais fácil de ser transportada. É a famosa jabiraca que ultimamente alcança preços superiores aos do bacalhau de terceira. Presta-se para variados pratos, desfiada para tortas, moquecas; assada para acompanhar juçara saboreada com farinha seca ou dágua; ou frita acompanhada  por escaldado, tiquara ou chibé.
Os temperos indispensáveis para os peixes cozidos são: cebolinha, cheiro verde ou coentro, salsinha, limão, sal e pimenta de cheiro.
                              
                                                                  
                                                     

                                         V -  O  RIO PERICUMÃ


É o rio mais importante da Baixada Maranhense. As suas nascentes foram localizadas num complexo de pequenos lagos e na Lagoa Burigiativa, no município de Pedro do Rosário. Após percorrer uma extensão entre 110 e 115 km, deságua na Baia de Cumã, em frente à cidade de Guimarães. Sua bacia ocupa uma área de 4.500 Km2, que drena 3.888,55km2, abrangendo  os municípios de Pedro do Rosário, Pinheiro, Perimirim. Outros municípios como São Vicente Férrer, Olinda Nova, Matinha, Presidente Sarney, Viana, são influenciados, à montante, por suas águas represadas pela Barragem do Pericumã e à jusante, os municípios de Mirinzal, Central do Maranhão, Bequimão e Guimarães. Referida barragem fora construída pelo DNOS, para minimizar a penetração de água salina, tentada no passado, por tapagens de pindoba, feitas anualmente. Também para facilitar a navegação, propiciando, outrossim, a viabilidade de projetos de irrigação e de psicultura, nas margens ribeirinhas.
A Baixada estende-se por 20.000km2 nos baixos cursos dos rios Pindaré e Mearim e médios e baixos cursos do Aurá e Pericumã. Essa região apresenta um expressivo conjunto de lagos e lagoas, formando a maior bacia lacustre da Região Nordeste. Nesse bioma com ecossistemas diversificados das regiões de campos, matas, cerrados e litoral, forma-se um ecótopo ideal para refúgio de aves  aquáticas que interagem  com os peixes e a flora aquática. De primordial importância para as aves residentes  como garças, jaburu, carão, anu, jacu, mutum, marreca, socó, pirulico, biguá, paturi; também as migratórias como jaçanãs, maçaricos e japeçocas. Também são encontrados jacarés, capiningas, capivaras, lontras, cobras, cangaparas.
Nas regiões próximas aos igarapés são encontrados crustáceos como caranguejos, siris, camarão; também sururu, sarnambi e ostra do mangue, do grupo dos moluscos e outras formas de vida, nocivas, como os caramujos transmissores da esquistossomose.
Na época das grandes chuvas, nos primeiros meses do ano,  as águas dos lagos, rios, riachos extravasam e inundam  os campos, oportunizando um ambiente lêntico, onde se desenvolvem  plantas como o mururu, aguapé, algodão  da água, mata-pasto, jeniparana, aninga.Atualmente essa região  constitui uma Área de Proteção Ambiental, protegida por lei, sendo proibida a caça de pernaltas e palmípedes e a pesca no período da piracema.
O Rio Pericumã teve uma grande importância sócio-econômica e cultural, pois foi através dele que chegaram os primeiros povoadores de Pinheiro. Possivelmente os franceses foram os primeiros a navegá-lo, a caminho das aldeias de Cumã e Tapuitapera, na busca de uma rota mais adequada, que os levasse à floresta amazônica, o que lhes daria acesso às minas de prata do Peru, descobertas pelos espanhóis.
O progresso chegou a Pinheiro através dessa via líquida por onde entravam mercadorias  e saiam os peixes, aves aquáticas, peles de animais, farinha de mandioca e outros produtos agrícolas usados como moeda, desde a época do escambo, no fim do período colonial e por toda a monarquia.
No período republicano, chegaram os primeiros estrangeiros: descendentes de sírio-libaneses e portugueses, assim como as primeiras autoridades: juízes, sacerdotes, coletores de imposto, fiscais; também  o prelo para editar o jornal “Cidade de Pinheiro” e o motor que durante muito tempo forneceu energia à nossa cidade.

Este texto não tem a pretensão de ser um trabalho de pesquisa, sequer suprir a falta de informações sobre o tema. Não há qualquer interesse de ordem científica, geo-econômica, nem sobre técnicas de pescaria e modos de preparar  peixes. Trata-se, tão-somente de uma crônica saudosista quando o pescado era farto, suprindo o déficit proteico daquela população, antes da poluição das águas do Pericumã  e da invasão desenfreada dos campos que circundam a cidade de Pinheiro, aterrando-os e causando desequilíbrios ecológicos, de grande repercussão, como redução da fauna ictiológica e mortandade de peixes.