MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

terça-feira, 4 de dezembro de 2012



Inez, Zequinha chegou!*

Com essa inusitada participação, o promotor de justiça de Pinheiro, o Bel. Sarney de Araújo Costa, recém-empossado no cargo, sentado no batente da porta da frente da sua casa, comunicava aos seus conhecidos, parentes e amigos o nascimento do seu primogênito-José Ribamar Ferreira de Araújo Costa.
Não usou a surrada expressão "Kyola descansou" tão em uso naquele tempo, nem "Kyola teve neném". Numa tirada profética, o pai eufórico anunciava a chegada não só do seu filho, fruto do amor com a sua jovem e bonita esposa, mas daquela criança que 35 anos depois mudaria a história do Maranhão e seria o marco, o divisor de águas da história política do Brasil.
O dia era 24 de abril de 1930, manhã de uma 5ª feira chuvosa, mas que não impediu a jovem Inez de Castro de sair de casa para as aulas, no Grupo Escolar Odorico Mendes, inaugurado em 1927.

Na passagem pela casa do casal Sarney/Kyola, às 8:00h, soube que o filho que ambos esperavam com tanta ansiedade havia nascido, às 7:30h dessa manhã. Curiosa, Inez entrou no quarto onde a parturiente fatigada dormitava, descansando da longa noite. O parto foi demorado, traumático e a fez sofrer quase 24 horas.         

A um canto da pequena alcova, d. Rita Amélia, a Madona, mãe do pro­motor, ajudada pelas vizinhas e irmãs  Sofia e Nhazinha Castro, preparava o 1º banho do recém-nascido. Umbigo e placenta devidamente enterrados no quintal, acompanhado pelas orações de praxe, D. Sofia colocou numa bacia esmaltada um pouco de água morna cuja temperatura foi testada com o co­tovelo. Em seguida, foram recolhidas das 3 senhoras as joinhas que usavam: pequenos brincos, cordões com as respectivas medalhas, anéis e alianças e, após essas providências, deram ao recém-nascido o famoso "banho de ouro".

Inez assistia aos preparativos fascinada. Os olhos azuis de d. Sofia faiscavam, lançando chispas carregadas de  sortilégios e encantamentos, contrastando o mistério dos rituais com a simplidade do ambiente.

Após a cerimônia, enquanto mãe e filho descansavam, Madona con­tou às visítas todas as etapas do parto. As dores começaram às primeiras horas após o almoço do dia anterior. Madona, mulher experiente  que veio  de São Bento  para ajudar a no­ra, trouxe uma relativa tranquilidade, mas carecia da ajuda de uma par­teira traquejada, sendo-lhe recomendada Raimunda de Salu, competente, limpa e habilidosa,  pelo primo de promotor, o Sr. Chico Leite, cuja espo­sa Cici ja havia dado à luz a quase meia dúzia dos filhos de sua grande prole

À noite, com as dores insuportáveis sem encontrar uma posição confortável que lhe minorasse o sofrimento, já no limite de suas forças, sem conseguir iniciar os trabalhos do parto, fez com que o jovem promotor decidisse procurar o farmacêutico, seu vizinho José Alvim, na casa de quem ia todas as noites ouvir as notícias pelo rádio, o primeiro a chegar na cidade.

Zé Alvim, como era mais conhecido, era natural de Codó, estando ra­dicado em Pinheiro há mais de 30 anos. Exercia, escrupulosamente, o seu mister, manipulando poções, purgantes e outras mezinhas usadas pela população de toda a região, vendendo, também, fármacos industrializados pelos grandes Laboratórios Farmacêuticos de São Luís e de Belém. Na ausência de médicos, como do Dr Netto Guterres que sempre ia àquela cidade em visita aos seus parentes, Zé Alvim arriscava-se a clinicar, geralmente dando excelentes diagnósticos e até fazia pequenas intervenções cirúrgicas. Mas, parto, nao fazia parte de suas atribuições, mesmo porque àquela época somente as parteiras tinham acesso à cena do parto.

Sarney, no entanto, bacharel de Direito e homem evoluído não titubeou ao presenciar o sofrimento de sua jovem esposa.

Após confabular com Mundica de Salu e ser informado de que a parturiente não apresentava as contrações uterinas, Zé Alvim prescreveu e aplicou uma injeção de pituitrina que provocou as indispensáveis contrações, dilatando o canal do parto, facilitando, assim, as manobras da parteira.

Enquanto não houve o coroamento o pai nao sossegou, querendo a todo custo entrar no quarto.

Zé Alvim  o continha com dificuldade, mas não o impediu de assistir ao nascimento do filho pelo buraco da fechadura.

Chegava, desse modo traumático, ao mundo, José Ribamar, nome mudado pela mãe no auge do sofrimento, entre os gemidos e dores  que lhe dilaceravam o ventre, em promessa ao taumaturgo se fossem salvas a vida do seu filho e a sua. O nome previamente escolhido, no caso de ser homem, e isso Madona tinha quase certeza, era José Adriano, para homenagear o avô paterno. Mas, quanto orgulho e alegria José daria mais tarde à sua mãe, compensando-lhe os sofrimentos da chegada.

Até hoje é assunto de discussão o local de nascimento de José Sarney. José Alvim e aquela mesma moçoila, Inez de Castro, a primeira visita que recebeu o recém-nascido, são os meus pais. Eles só viriam a casar-se nove anos depois. José Alvim já    faleceu há 60 anos, no entanto a minha mãe, do alto dos seus 99 anos continua lúcida, saudável e com a memória afiada.

Li, em algum dos livros à venda no Papiros do Egito, que o homem (e mulher) pertence a um lugar 100 anos antes do seu nascimento. Respeitando essa assertiva José Sarney é metade pernambucano, pelo lado materno e me­tade sambentuense origem dos seus antepassados pelo lado paterno.

O certo mesmo é que José Sarney, cidadão do mundo, o maior e último estadista da República, foi gerado em São Bento, nascido em Pinheiro e acompanhando o pai e sua família perambulou pelo interior em comarcas que iam do litoral ao sertão: São Bento, Cajapió, Codó, Caxias, Icatú, Balsas. O que seria perseguição do Estado Novo ao promotor, possibilitou grande aprendizado ao seu filho José, ao percorrer quase todo o estado e anos depois, ao ser eleito Governador do Maranhão, conhecê-lo como a palma da mão, pelo fato de na infân­cia e juventude tê-lo palmilhado com a planta dos pés.

Voltando aos seus primeiros anos de vida, Zequinha teve uma infância saudável e cercada de carinhos dos pais, avós e vizinhos. Alegre, curioso, prestava atenção a todos e em tudo que o rodeava. Quando começou a engatinhar era levado para casa de D. Sofia, pois o piso de sua mo­desta casa era de tijolos irregulares que o feriam, impedindo-o de locomover-se. Quem ia buscá-lo era o garoto Lourival, com 8 a 9 anos, so­brinho e filho de criação de D. Sofia. Atualmente, Lourival, respeitável cidadão e artista plástico, é confrade de José Sarney na nossa Academia de Letras, Artes e Ciências.

A casa se tornou pequena, com o nascimento do 2º filho Evandro, este sim, nascido em São Bento e, também com a freqüente visita dos avós e parentes; então o Dr. Sarney procurou uma casa maior e mais confortável. A nova residência ficava na Praça do Mercado, inaugurado há pouco tempo e que pertencia ao Sr. Raimundo Pimenta, prefeito municipal.

Para Zequinha com três anos e Evandro com quase dois, chegara a hora de comprar-lhes uma montaria para irem se familiarizando com os costumes da Baixada.  A escolha foi um carneirinho que Lourival e Godí, cunhado do Sr. Pimenta manti­nham lavado com água anilada. À tardinha, com o sol frio, Godí e Lourival ensinavam os dois filhos do promotor a montar e a perder o medo do carneiro.

Em 19 de março de 1934, dia de São José, antes de completar quatro anos o promotor Sarney e toda a sua família voltaram para São Bento.

José, só retornaria a Pinheiro, 24 anos depois, com o nome de José Sarney e na condição de candidato a Deputado Federal. O primo Chico Leite levou-o à casa dos seus parentes e amigos que o seu pai fizera na década de 30.

Estavam lançados os dados e aos fados foram entregues o destino daquele que se tornaria o cidadão mais notável do Maranhão e um dos mais hábeis políticos de todos os tempos.
*Moema de Castro Alvim é livreiro e membro da APLAC

Um comentário:

  1. Amei os detalhes desta história, quase contos de fadas!!!!

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