* Moema de Castro Alvim
“A verdade verdadeira é sempre inverossímil.
Para tornar a verdade verossímil é preciso acrescentar-lhe um pouco de
fantasia. É o que os homens sempre fizeram”. Fiodor Mikhailovitc Dostoievski
PARTE I
A
MISSA E A PROCISSÃO
31 de julho de 1958. Aproveito
para dar uma descansada depois do almoço onde foram servidos arroz de forno e
farofa, acompanhando galinha ao molho pardo, pernil assado e torta de miúdos de
galinha, rematando com a sobremesa constituída por queijo de São Bento e
goiabada. A manhã fora cheia de emoções,
quando, com o vestido novo costurado por Camélia fui à missa das 9:00h com as
amigas Niedja, Almerinda e Edméa. Missa cantada em latim e a pedido do maestro Giovanni
Pelela, então seminarista, solei o Benedictus. A igreja regurgitava de gente e
o meu nervosismo fora acentuado pelo cheiro acre do ambiente que rescendia a
incenso, misturado ao cheiro da estearina das velas e das flores.
Maria Alice, Delfina, Terezinha Durans, Almerinda,
Inácia e Terezinha Lima, Marlinda, Maria Teresa, Flory, Isabel Corrêa, Mª Helena Castro, Niedja, Edméa e eu, estreantes no coro, ao lado das tarimbadas
cantoras Maria Costa, Marica e Ana Tereza, Dilu, Cici e Nenem Amorim, Regina
Durans, Lisete Beckman, Juracy Correa, Odalva e as irmãs Bezerra; não fizemos
feio, pois apesar da grande experiência das veteranas, sabíamos pronunciar
melhor as palavras aprendidas nas aulas de latim com Pe. Sandro e de música com Frei José.
Entre as Missas das 8:00h e a solene das 9:00h, eram ministrados os sacramentos do Batismo e da Crisma e eram feitas, também, as Consagrações, por causa da gritaria da gurizada na hora da imersão da cabeça na pia de água benta.
Entre as Missas das 8:00h e a solene das 9:00h, eram ministrados os sacramentos do Batismo e da Crisma e eram feitas, também, as Consagrações, por causa da gritaria da gurizada na hora da imersão da cabeça na pia de água benta.
Após a Missa passamos pelo Cassino onde jogamos
pingue-pongue, dama, dominó e os rapazes exibiram suas tacadas no bilhar.
Enquanto isso, na Rua Grande os cavaleiros
davam um show de destreza: Artuzinho, Lauro Mineiro, Carimbo, ZéJoão e João de
Deus, foram os que mais se destacaram.
À tarde com os pés doloridos e cheios de calos
causados pelos sapatos novos confeccionados pelo sapateiro José Pedro Amengol,
decidi não acompanhar a procissão com a imagem de Santo Inácio. Esperaria na
porta de casa a passagem do cortejo.
Entretanto, às 16:00h, ao ouvir o pipocar dos
foguetes não pude conter a ansiedade. Pus outro vestido, feito especialmente
para a ocasião, calcei sapatos amaciados pelo uso e fui aguardar a passagem do
santo no canto de D. Evarinta, mãe de Pe. Newton, falecido há poucos anos.
Várias pessoas já estavam estrategicamente postadas, algumas sentadas na base
do obelisco, outras na calçada de João Ubaldo, dentre as quais Zeca Guterres,
General, Godi, Zelico, Zé Diniz, Francinê, Edésio Castro, Didi e Dedeco Soares,
Nhô Baralho, Doutor de Memeco, Zé Maria de Camilo, Ubaldo Pimenta, Cloves e
Enoque Moraes, seu Onofre, Ataliba, Malaquias, seu Atanásio, Parmenas Diniz e
outros. De lá se ouvia o coro das vozes masculinas graves entremeadas com as
agudas femininas entoando “Queremos Deus, homens ingratos”, passando já pela Cadeia
Pública onde os presidiários esticavam o pescoço para tentar ver alguma coisa,
pelas casas de Rubico, d. Dulce, Chico Silva d. Tatá, Dedeco Mendes, Orlico
Soares, d. Faninha Veloso, Levino Reis, seu Isidoro, Benício Pessoa, Mundica
Cerveira, na Rua Diogo dos Reis.
Seu Juca,
portava solenemente o crucifixo à frente das duas alas formadas por crianças,
organizadas por Zé Pereira e Juracy Correa, seguidas pelos jovens e adultos, pelas
moças e senhoras, geralmente com a cabeça coberta por véu, terço na mão, ora
cantando acompanhando Frei José, ora rezando o terço puxado pelo vigário Pe.
Fernando Meloselli. No meio, as crianças orientadas por Lenir Soares, envergavam
orgulhosamente as vestes de anjo nas cores branco, azul e rosa, com suas asas
enfeitadas com arminho, e grinaldas de flores delicadas e salpicadas de orvalho
feitas por Raquel Lima. Seguiam-nas as
Irmandades das Goretti formada por adolescentes com as suas fitas amarelas, os
Cruzados com suas faixas pretas, bordadas com a cruz, as moças Filhas de Maria,
vestidas de branco com suas fitas azuis e as senhoras comandadas por Doninha
Pereira e Mundiquinha Durans, todas de branco, com as fitas vermelhas Zeladoras do
Sagrado Coração. Fechando esse contingente central os senhores pertencentes à
Congregação Vicentina, tendo à frente Zé Mota e Zé Augusto Lopes, Antonio Mota,Ubaldino
Luz, seu Malta, Zorobabel, Severino Silva, os irmãos Cardoso, Napoleão, Mário e
Agostinho, Sabino, Orzete e outros.
Finalmente, o andor ricamente ornamentado com
flores de papel confeccionadas primorosamente por Zunga. A imagem, em tamanho
natural, com as vestes pretas características dos jesuítas, fora trazida de São
Luiz, em 1949, talvez da Igreja de São Pantaleão, pelo Pe. Newton. Carregando o
andor revezavam-se dezenas de senhores, contritos, ciosos da sua
responsabilidade de acompanhar o santo Padroeiro pelas ruas da cidade. Em vida,
Inácio de Loyola, fidalgo nascido na Espanha com o nome de Iñigo Lopez de
Loyola, fora soldado que nunca fugira ao bom combate para divulgar a palavra de
Deus, fundando para essa missão, a Companhia de Jesus cujos membros conhecidos
por Jesuitas, espalharam-se catequizando e pregando o Evangelho em quase todos
os continentes.
Todos os homens válidos da cidade, geralmente
identificados com a trajetória de vida do santo guerreiro, vindos dos diversos
bairros (Faveira, Matriz, Baixinha, Matadouro, Centro, Aeroporto,Campinho,
Sete, Alcântara, Enseada) dos povoados próximos, principalmente de Pacas,
Pimenta, Gama, Ponta de Santana, Bom Viver, Ponta Branca, São Luis, Engenho
Queimado e até dos municípios vizinhos vieram prestar-lhes suas homenagens.
Lembro-me de Antônio Durans, Henrique Schalcher, seu Gentil Frazão, Cravinato
Nogueira, Cosme Duarte, Urbano, Mestre Jambo, Floriano Beckman, Sabino, os
irmãos Corrêa Gregório, Alberto, Claudionor e Raimundo Socó, Chiquinho,
Lourival e Ernildo Gomes, Manoel Jansen, Antônio Trindade, Gatinho, Maramaldo,
Edmilson Cordeiro, Pacheco, João Campos, Pedro Almeida, Dr. Arruda, Dr.
Guerreiro, os irmãos Gonçalves Zé Maria, Raimundo e Américo, os Paiva, Maneco,
Afonso e Luiz, Antonio Carlos Guterres, Abílio Loureiro, Pedro e Inácio do
Rosário, Inácio de seu Onofre, Domingos Tabuleiro, Joaquim Lima, Valdinar Sessenta, Bitola, Sergipano, Raimundo Pinheiro, Antônio Pessoa, Rui e Jaime
Marques, Teixeira, Capitão, Florêncio, Almir Matos, Argemiro Martins, Baril e
Esmeraldo, Fradiquinho, Zé João e João de Deus, Carimbo, Lauro Mineiro,
Leopoldo Veloso, Zé Miranda, Pera, Mestre Gálio, Simeão Sá, Marinheiro e Zé Pedro,
Alvino Soares,Camilo Soares, Real, Antenorzinho, Zé Verdura, Arimatéia,
Boaventura Moraes, Pedrainho, Juquinha, Paulo Bebeu, Januário de Experidião,
Paulo e Inácio Castro, Dico Aroucha, Franco Castro, Elisabeto e Zé Costa, Celso
Peixoto, Seu Cunha, Barnabé Sousa, Odin Leite, Tinche e Raimundinho, Dico Araujo, os irmãos Abreu Gigi e Ozório, Virgílio Diniz, Carrinho Pereira,
Nezinho Soares, os irmãos Ary e Edmar, Zé Veloso, Odilon Soares, Wilson
Marinho, Dico de Maroca, seu Tibúrcio,Waldir França, Edgar
Cordeiro, Honório Ribeiro, Durval Martins, Raimundo Figurino, Raimundo de Lulu,
Ciloca Beckman, dr. Bento, Dico Aroucha, Celso Peixoto,Teixeira, Deusdeti,
Júlio Cesar, Ribamar e Palmerinho, Aymoré, Jurandy, Erasmo, Danulo, Jerônimo e Wilson Peixoto, Caetano Gato, Severiano, Ribamar
Ferreira e vários alunos do Ginásio Pinheirense e dos Colégios de São Luis. Do
interior, vindos de suas fazendas: Zé Grande, Pantim, Santico Guterres, Coló
Leite, Tarquinio Souza, Ludgero Dias, Sizidino, Lauro Sodré, Simplício Câmara,
Pedro Padre e filhos,além dos que chegavam de todos os cantos como Aurélio
Corrêa, do Rio; José João Pereira, Evilásio, João Sessenta, João Amorim, Dr. Orlando Leite,
Dr. Costa Rodrigues, Dr. Antenor Abreu, Dr. Estrela, de São Luis: Pedro Seguins
de Bacabal; Dr. Zequinha Gomes, de Uberaba, Dr. Zequinha Abreu, de Belém, e outros mais de vários lugares, como o Cel.
Paiva e Zé Sousa. De Queimadas vinham os Weba e os Lobato; Antonio de Jovino de
Ponta Branca, Zé Grande, Alexandre Guimarães, da Chapada; Benedito Bittencourt,
de São João de Côrtes; Raimundo Bittencourt, do Engenho Queimado; Abílio
Fernandes, Zequinha Guterres e Antenor Viegas, do Gama; de Pacas, Zerivan, Epaminondas
e Gabriel; Ademar Peixoto do Pericumã, Carlos Pessoa, do Oiteiro de São Carlos,
José Barros, os Castro de Santa Estela.
Os mais idosos ou católicos pouco praticantes esperaram
em suas portas, janelas, terraços, como seu Américo, Antônio e Fradique
Gonçalves e familiares, Ulisses Durans, André Pimenta,Chico Leite, Almir
Soares, Edésio Alves,Carrinho Pimenta, Juca Marques, Deocleciano Moraes,
Waldenor Moraes. Também os que estavam com visitantes, hospedados em suas casas,
como Jeco Gomes, os Gonçalves, os Paiva, João Moreira, Zé Santos, Dr.
Elisabeto, Artur Sá, seu Josias Abreu.
A cidade praticamente dobrava a sua população,
pois a festa de Santo Inácio coincidia com o fim das férias e muitos pais
vinham dos povoados trazendo de volta os seus filhos e também para as compras
para os seus pequenos comércios, prestação de contas junto aos seus aviadores,
consultas médicas. Quem não tinha parentes com quem hospedar-se ia para as
pensões existentes na cidade como a de d. Loló Guterres, d. Carmen Lobato, seu
Nobre e d. Joana Coruja.
Atrás do andor, os músicos integrantes de
vários conjuntos, irmanados nesse dia em louvor ao santo Padroeiro, formando
uma só orquestra: Julio Araujo no baixo tuba, Ernane Leite no saxofone,
Chiquinho de Gino, Filipinho Pessoa e seu filho João, os irmãos Soares,
Parmenas, Lourenço e Arlindo; Gaudêncio Pequapá, Luis de Iria e Solon Bastos.
Fechando o cortejo, distanciadas iam as
prostitutas comandadas por Isabel, recatadas, balbuciando as suas orações.
Desviando-se dos buracos, pois nesse tempo as
ruas ainda não eram asfaltadas, a procissão subiu a Rua Grande, passando pelo
sobrado dos Padres, Patronato São Tarcísio, pela então Praça General Dutra,
hoje José Sarney, convento das freiras, Praça do Centenário, dobrando na
esquina onde ficava a loja de Saninho. De longe ouvia-se: “Zombam da fé os
insensatos, erguem-se em vão contra o Senhor. Da nossa fé, ó Virgem, o brado
abençoai. Queremos Deus que é nosso Rei. Queremos Deus que é nosso Pai”. Por
onde passava, a procissão ia engrossando com o número de pessoas que a ela se
incorporavam.
Serpenteando para livrar-se dos buracos e fojos,
escondidos pelo capim não aparado, o cortejo passou na Praça do Cemitério, onde o Pe. Fernando fez uma parada estratégica, orando pelos mortos, rente ao Estádio Costa Rodrigues, Praça de São Benedito, pegou a Rua Floriano
Peixoto, passando pela casa de Mundico Melo, Abílio Costa Ferreira, Manico
Abreu e Dr. Helio Costa, o Cinema dos Gonçalves, o Cassino Pinheirense, contornou
a Baixinha, dividindo-a ao passar pelo centenário angelinzeiro, seguiu passando pela casa de Antenor Corrêa e desceu pela Benjamin
Constant. Na altura da casa de Fausta Reis, seu Severino e ZéPereira deixaram a
procissão, nessas alturas uma multidão informe, sem a formação original, pois todos
queriam chegar à frente dos demais para assegurar um bom lugar nos bancos da
Matriz. A chegada da procissão foi saudada pelo toque festivo do sino tocado
por ZéPereira e por uma salva de foguetes disparados por Severino.
Na praça, já esperavam pela volta do santo, seu
Beco, Galdino Pimenta, Carrinho Corrêa, seu Adão,Pituca Gato, Pedro Sapo, recordando
festas antigas, ainda com a imagem pequena de Santo Inácio e falando da falta
que faziam os pinheirenses que já estavam num plano superior como Padre Newton, Saladino,
Alberico e Pedro Durans, Mestre André, Seu Candinho, Experidião, Januca,Alcides
Reis, Luiz Santeiro e outros que haviam se mudado para São Luis, como Celsa
Castro, Baião, João Sessenta, Mário Castro, Laurindo Pereira, Erotildes e Maria
Costa, Benedito Durans, Zuila Corrêa, esta para o Rio de Janeiro. Também
ficaram várias senhoras sem condições para longas caminhadas e muitos moleques
rodeando e provocando o boizinho amarrado no flamboyant, em frente à casa de
Experidião e que seria a última e mais preciosa prenda do leilão. Nesse ano, o
doador foi Pantim Guterres em pagamento pelo aumento do plantel do seu gado,
por graça obtida através de Santo Inácio.
Após a chegada à Matriz houve a Bênção do
Santíssimo da qual participaram os mais idosos, pois os jovens já estavam na
Praça Pe. Newton em frente à Matriz e onde se realizaria o melhor dos festejos:
o Arraial ou Largo que será rememorado na segunda parte destas nossas
reminiscências.
Para quem viveu muitos momentos destes descritos com luxo de detalhes pela amiga Moema, é impossível não ficar emocionada! Parabéns querida, por resgatar de forma tão minuciosa e elegante muito da nossa história!
ResponderExcluirNão sou dessa época, mais lendo aqui, parece que tô escutando minha vó contado como eram as coisas na época dela, parabéns pelo trabalho,e lindo��������
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