MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

FRANSOUFER NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DE PARANAPUÃ – RIO DE JANEIRO

Nem nos sonhos mais mirabolantes de sua Mãe, nos seus planos mais fantasiosos ou nos seus projetos mais ambiciosos, nem com as respostas, geralmente favoráveis obtidas, quando pedia para sua comadre Antônia Curadora jogar cartas, preocupada com o futuro do seu primogênito, que desde pequeno mostrava tendências artísticas, desenhando com carvão, modelando a tabatinga retirada do fundo do riacho local onde sua mãe ia lavar a roupa da família. Na sua ignorância ela achava que essas atividades eram coisas de poetas e temia que o seu filho seguisse uma profissão diferente e desconhecida de tudo o que constituía o seu referencial de vida.
Nem mesmo quando adolescente, tendo a boa sorte de vir para São Luís e residir na casa de d. Sinhazinha Santos, exímia professora de piano de várias gerações de jovens da sociedade ludovicense, morada inteira revestida de azulejos e localizada na Rua Grande; estudar no Colégio Alberto Pinheiro, ao lado do Ateneu Teixeira Mendes, próximo do Liceu Maranhense e do Colégio Rosa Castro. Nem pelo privilégio de passar diariamente em frente ao imponente prédio da Biblioteca Pública, apreciar os bustos dos imortais maranhenses; caminhar pelas praças, avenidas, ruas, becos, subir e descer as ladeiras e escadarias cujos nomes homenageiam e reverenciam os homens ilustres que fizeram da capital do nosso Estado, a Atenas Brasileira. Nem quando, a pedido das senhoras da casa, ia aos Correios e aproveitava para contemplar a estátua de João Lisboa, na imobilidade do bronze, lendo o seu jornal, a de Benedito Leite, altaneiro, na pracinha que leva o seu nome e, quando o tempo e os afazeres permitiam admirar a herma de Odorico Mendes e um pouco adiante, no Largo dos Amores, a estátua imponente do nosso poeta maior, Gonçalves Dias, testemunhando o desaguamento do Rio Anil  na Baia de São Marcos, a lembrar-nos que pereceu no mar, voltando para a terra natal.
Nem mesmo quando começou a mostrar timidamente, no colégio, os seus primeiros desenhos coloridos com lápis, tão desejados na sua infância de menino pobre do interior; ele não almejava ganhar carrinhos, aviões, espingarda de chumbinho, nem quebra-cabeças que levam a criançada ao delírio e que seus pais não poderiam comprar-lhe. Ele só desejava um caderno de desenho com folhas presas por espiral e uma caixa de lápis de cor, daquelas grandes e de matizes diferentes, o que só conseguiu aos catorze anos, com o seu primeiro salário, como office-boy do Lord Hotel.
Nem quando foi aprimorar-se em Brasília, fazendo cursos de desenho e pintura, participando de gincanas, depois em exposições coletivas com outros jovens artistas, quando passou a assinar-se Fransoufer, pela junção das iniciais do seu prenome com os seus nomes Sousa e Ferreira; mais tarde em São Luís, dono de um estilo próprio, divulgando o folclore de sua região, homenageando seu santo protetor, São Francisco, inicialmente com uma paleta em tons pastéis e depois em cores vivas como o defensor dos animais deve ser lembrado.
Nem quando pintor já reconhecido, começou a fazer exposições individuais nas principais capitais do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, recebendo premiações em ouro, prata e bronze. Nem quando a sua atividade artística começou a ser divulgada na mídia, em documentários veiculados a nível nacional, reportagens, músicas carnavalescas de Escolas de Samba de São Luís e através de monografias e teses de dissertação do Curso de Letras das Universidades. Nem quando algumas obras suas foram exibidas em outdoors, espalhados nos quatro cantos da cidade, calendários, cartões natalinos, distribuídos às grandes empresas, capa de agenda de professores da rede pública e integrar como artista maranhense, capítulo de livros de Educação Artística, adotados em todo o Estado. Nem mesmo quando dez obras suas foram estampadas em dois milhões de cartões telefônicos, inundando o Rio de Janeiro.
Nem mesmo quando foi premiado em Bruxelas – menção honrosa, numa obra cujo tema é o bumba-meu- boi do Maranhão.
Nem mesmo quando demonstrou a versatilidade do seu talento ao ter os seus temas moldados na argila, formando escola – Cerâmica Jaburu -, ensinando meninos do seu povoado a arte de trabalhar com o barro que pisam desde que começaram a dar seus primeiros passos, dando-lhes a oportunidade que ele não tivera; os seus desenhos reproduzidos em redes confeccionadas em teares, por mulheres da sua gente; e nos tapetes tecidos por mulheres carentes, moradoras de várias invasões que cercam nossa cidade, trabalhos esses expostos e premiados aqui em São Luís e no Rio de Janeiro.
Nem mesmo quando foi condecorado com o Escudo de Prata, na década de 80, pelo Ministro de Minas e Energia, César Cals, na abertura da Semana do Meio Ambiente, pelos temas abordados em seus quadros, em reconhecimento à sua postura em defesa da Ecologia. Nem quando recebeu uma das críticas mais favoráveis feitas pelo romancistar conterrâneo, Josué Montello e publicada na Revista Manchete, nessa época a revista de maior circulação nacional; também, do escritor Marcos Vinícius Vilaça, ambos levados ao seu ateliê em Brasília, pelo Sen. José Sarney, ex-Presidente da República, também poeta, cronista e romancista e pintor diletante, todos os três, membros efetivos da Academia Brasileira de Letras.Outras excelentes críticas que o impulsionaram a seguir em frente, da artista plástica mineira Maristela Tristão, de Sidartha, pintor brasiliense e outros tantos críticos das cidades onde expôs e daqui de São Luís, críticas generosas do escritor, teatrólogo e crítico de arte, Ubiratan Teixeira, do poeta e cronista Ivan Sarney, do saudoso poeta, biógrafo e ensaísta Carlos Cunha, do escritor Cloves Sena, todos pertencentes à Academia Maranhense de Letras. Do seu grande mestre, sempre reverenciado, Nagy Lajos, notável artista desterrado em nossa cidade e do grande, e também saudoso amigo, Ambrósio Amorim que fez de sua arte um canto de paixão a São Luís.
Entretanto, nenhuma dessas premiações em reconhecimento ao seu talento o fizeram tão desvanecido, como o convite formulado por um pequeno grupo de artistas plásticos, radicados no Rio, para fazer parte do quadro de membros da Academia de Letras e Artes de Paranapuã e tomar posse, como membro correspondente, na mui heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A grata surpresa se deveu ao fato de ser a cadeira patroneada por Flory Gama, um dos mais ilustres escultores brasileiros, nascido em solo maranhense, no município de Vargem Grande.
Com sede no Bairro da Tijuca, zona norte do Rio, referida Academia congrega escritores, poetas, pintores, escultores de reconhecido valor, de todos os estados brasileiros.
Fransoufer, entretanto nunca perdeu a modéstia, a timidez, nem a vaidade deturpou-lhe o caráter, fazendo esquecer-se das suas origens interioranas, do interior do Maranhão, que talvez, não o prestigie na medida do seu talento.
Nascido no povoado Mojó, distrito do município de Bequimão, localizado na Baixada Maranhense, palmilhada por tribos indígenas desde os albores do século XVIII, quando era denominado Santo Antônio e Almas, foi criado até os nove anos por seus pais, lavradores semi-alfabetizados, que praticavam uma lavoura de subsistência, baseada unicamente nos conhecimentos rudimentares adquiridos dos seus antepassados, ou seja, a queima indiscriminada da cobertura vegetal, preparando, assim, a terra para o plantio da mandioca com a qual é feita a farinha, base da alimentação do maranhense pobre do interior.
Como filho mais velho de uma prole de oito, acompanhava seus pais nesse labor, arrancando ervas daninhas nas leiras tão arduamente cultivadas. Além da mandioca plantavam feijão, macacheira, batata doce, jerimum e um pouco de milho para ração dos animais que criavam no terreiro de sua casinha.
Embora a terra costume ser generosa, quando manejada com descaso, cobra um preço razoável, esgotando os seus nutrientes, carecendo de um certo tempo para a recuperação dos minerais, necessários para o desenvolvimento das raízes da mandioca. Isso levava seus pais a mudarem constantemente os seus roçados, em busca de terras menos cansadas e, consequentemente mais férteis.
Durante esse período, Chiquinho como era chamado carinhosamente pelos familiares, não teve
oportunidade para alfabetizar-se, ocupado que estava, ora ajudando seus pais na roça, caçadas e pescarias, ora cuidando dos seus irmão mais novos que chegavam, regularmente, com intervalo de dois anos.
Aos nove anos começou a tardia e difícil tarefa de alfabetizar-se numa escolinha do povoado, distante alguns quilômetros de sua casa, por insistência de sua mãe que queria que o seu primogênito fosse bem sucedido na vida, temendo que se tornasse mais um roceiro analfabeto, curtido pelo sol inclemente da Baixada, tendo como única alternativa ser tocador de zabumba, como seu pai.
Essas suas origens rurais propiciaram-lhe um contato constante com a natureza e com os costumes regionais e suas poucas atividades culturais, que se resumiam às brincadeiras de bumba-meu-boi, no período junino,às festas do Divino, às raras festas religiosas, geralmente em homenagem ao padroeiro São Sebastião, com procissão, missas, ladainhas e quermesse; às pouquíssimas festas de batizado e casamento, às sessões de terecô e cura. Essas foram, provavelmente, as atividades decisivas para inspirar e fazer desabrochar a sua vocação, que não fora herdada, pois nunca soube de avós artistas, mas, certamente forjada naquele caldeirão cultural em que borbulham as crendices dos descendentes de escravos africanos, remanescentes nos vários quilombos instalados na região; as lendas deixadas pelos índios que habitaram aquele pedaço de chão, temperadas por laivos genéticos dos brancos descendentes de portugueses, provenientes de Alcântara e Guimarães e, mais tarde dos cearenses acossados pelas inúmeras secas no seu Estado.
Ainda garoto, começou a modelar as suas primeiras peças de cerâmica, usando a tabatinga retirada no fundo do rio usado por sua mãe para lavar a roupa da família. Essas peças, toscas reproduziam o cotidiano do menino, e eram postas para secar sobre as folhas das vitórias-régias e depois levadas orgulhosamente para enfeitar a sua casa.
Com a idade de dez anos fora trazido para São Luís por sua madrinha e tia Dionísia, irmã de sua mãe, abrindo-lhe novos horizontes.
Simples, modesto, generoso, solidário, compassivo, avesso a festas e bajulações, Fransoufer vive, exclusivamente, para a sua arte, confinado em seu ateliê no Sítio Leal e nos fins de semana visitando o seu velho pai, no Sítio Canaã, em Bequimão.

Um comentário:

  1. Parabéns ao Frasoufer pela honrosa indicação. Falta ainda aos maranhenses conhecer muito mais de sua obra. Sua história, que em princípio revela uma trajetória que a muitos parece comum, na verdade prova que pobreza não leva à marginalidade e que a integridade e a beleza interior podem ser encontradas em pessoas simples, que vencem pela determinação, talento e coragem de enfrentar todos os desafios.

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