MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

terça-feira, 18 de junho de 2013

SANTO INÁCIO: de LOIOLA a PINHEIRO

                                   INTRODUÇÃO

O destino de um indivíduo começa a delinear-se antes mesmo do seu nascimento, por fatores que independem da sua vontade, da sua escolha: a família, o local e a época do seu nascimento, o lugar em que se deu a sua formação, os costumes da sociedade da época.
Através de todas as informações levantadas, procurou-se ir além  da trajetória de vida de Santo Inácio, para conhecer a sua personalidade, a sua interação no contexto da  sociedade vigente, do temperamento ardoroso e combativo do povo basco, dos valores que lhe foram incutidos, moldando-lhe o caráter, o orgulho de casta, não só em relação ao ambiente familiar mas pela  compreensão da hierarquia  social, na transição do sistema feudal para o Renascimento.
 A sua juventude transcorreu no fim da Idade Média, com a desfeudalização, sistema em que havia senhores, cujos requisitos de nobreza, vassalagem, cavalheirismo, foram pouco a pouco sendo substituídos, em face das mudanças de paradigmas e de transformações das estruturas medievais arcaicas, despertando a consciência dos direitos individuais e de um sentimento interior de afirmação pessoal, de seus valores  e de seus pontos de vista. Havia um grande desejo de reformar, adaptando as velhas instituições, já em crise, aos novos tempos, pelas descobertas de novas terras, ampliando as fronteiras do mundo conhecido, impulsionada pela invenção da imprensa que possibilitou a difusão da cultura, até então restrita às cortes e aos mosteiros.
Os espíritos lúcidos presenciavam o fim de uma época e o nascimento de outra. O ímpeto de derrubada das estruturas tornou-se verdadeira obsessão, saindo dos claustros dos mosteiros e das Universidades e chegando ao campo: os camponeses do sul da Alemanha se uniram a pequenos proprietários de terras para exigir reformas econômicas e religiosas, chocando os vizinhos  ricos com as suas reivindicações, inclusive o direito de indicar seus párocos, diminuir o dízimo, em grãos, à Igreja, reduzir o aluguel pago aos proprietários das terras e outras exigências.
A Reforma Protestante desencadeada pelo ex-monge agostiniano, Martinho Lutero, implodiu a Cristandade, a partir da Alemanha, irradiando-se para toda a Europa, exceto na Península Ibérica, ainda mergulhada nas trevas da Idade Média, onde não prosperaram essas ideias reformistas; também na França, onde o Cristianismo estava entrincheirado,  mais no meio do povo do que dos governantes.
Antes de Lutero outros indivíduos já difundiam ideias heréticas como John Wycliff, teólogo inglês, nascido em Yorkshire no ano de 1320, estudioso, fluente  em latim e inglês e muito conceituado em Oxford e que liderou uma corrente anti-papal e anti-clerical, influenciando toda uma geração, com seus manuscritos, pois não havia gráfica nessa época. Mais tarde, Jan Huss, reformador tcheco, nascido em 1369, reitor da Universidade de Praga, adepto das doutrinas de Wyccliff. Excomungado em 1412, foi queimado vivo, por ordem do Concílio de Constance, três anos depois. Também Ulrich Zwingler, ou Zuinglio, humanista, suíço, nascido em 1484, cura de Glarus, onde continuou os estudos de hebraico, grego e latim. Influenciado pelas ideias de Erasmo, a partir de 1516, formulou teses doutrinárias reformadoras, rejeitando o magistério de Roma e incentivando o uso do idioma alemão nas práticas religiosas, permitindo o acesso aos populares. Morreu em 1531, em batalha, para fazer valer suas ideias.   
 Porém o mais importante de todos foi Lutero, nascido em Eisleben em 1483, filho de um trabalhador de minas de cobre. Mestre em Filosofia pela Universidade de Erfust, monge agostiniano, sacerdote e doutor em teologia, discordou das diretrizes e normas emanadas de Roma, protestando através de documento publicado em 1517, constando de noventa e nove teses que marcaram o início da Reforma. Entre os convertidos ao luteranismo havia numerosos gráficos, expoentes de um ofício recentemente chegado da China, disponibilizando as novas prensas que espalharam a mensagem de Lutero. Em três de janeiro de 1521, Lutero foi formalmente  excomungado pelo Papa Leão X e banido do Império, refugiando-se em Wartburg onde traduziu a Biblia para o alemão. Em 1528, já desligado da Igreja, casou-se. Com a colaboração de Melanchthon elaborou dois documentos,em alemão, nos quais se acha resumida a profissão de fé das igrejas luteranas.
 Desidério Erasmo foi um dos criadores das mais perniciosas ideias heréticas. Nascido em Roterdã, monge agostiniano dotado de grande energia mental e vasta cultura. Professor na Universidade de Oxford, escrevia fluentemente em latim, dominando mais tarde o grego, que lhe permitiu o acesso à  versão nesse idioma, de seções do Novo Testamento. Em 1516 publicou a Bíblia Vulgata, um dos livros mais influentes da época.
 Em 1525 foi a vez de William Tyndale, um industrial no setor de vestuário na Inglaterra traduzindo para o inglês o Novo Testamento, usando a linguagem popular, tornando-a uma das glórias da língua inglesa.
João Calvino surgiu uma geração depois de Lutero; reformador francês nasceu em Picardia, ao norte de Paris, em 1509.  Verdadeira enciclopédia ambulante em questões relativas à vida cristã, grande contestador, foi partidário da Reforma na França e na Suiça,  onde organizou uma república teocrática. Essencialmente teocêntrica, distingue-se das demais doutrinas protestantes pelo dogma da predestinação e da graça irresistível, retorno à simplicidade cristã primitiva, reduzindo os sacramentos ao Batismo e à Eucaristia. Após a morte de Lutero, em 1546, ele se tornou o líder do protestantismo, expandindo o calvinismo pela França, Suiça, Holanda, Inglaterra e Escócia. Os calvinistas eram chamados huguenotes pelos católicos franceses. Foi do calvinismo que saíram as seitas dos puritanos e a maior parte das igrejas presbiterianas, não conformistas, que o levaram para a América do Norte.
Também o papel da Igreja, a disciplina e os abusos  de grandes autoridades eclesiásticas, a intransigência e paradoxo da desconfiança inquisitorial, mais exacerbada na Espanha a partir de 1478, onde a Inquisição perdeu o caráter essencialmente de tribunal eclesiástico, com o objetivo de suprimir as heresias e o sincretismo de alguns grupos religiosos, para transformar-se e numa caça às bruxas e assim obter vantagens econômicas, promovendo  perseguições políticas e concorrendo para que essas ideias fossem aceitas por grande parte dos países da Europa.
A Reforma desencadeada enfraqueceu a unidade da Igreja pela difusão dessas ideias reformadoras que irromperam  no seio do catolicismo, provocando  a maior dissidência, e perturbando a ordem espiritual e a pregação do Evangelho. A política fomentava desordens nos grandes países, dividindo-os para  enfraquecê-los.
Além dessas ideias reformadoras que punham a descoberto as questões controversas da  Igreja, os católicos sofreram um novo revés com a queda de Constantinopla, um dos mais importantes bastiões do Cristianismo, tomada em 1453 pelos muçulmanos,  e que constituiu um marco do risco que corriam o papa e o seu domínio ocidental.
Em outros corações, entretanto, essas ideias despertaram a imperiosa necessidade de proteger a Igreja Católica pelo combate às heresias, irradiar a fé entre os gentios e incrédulos e reconquistar fieis que haviam se bandeado para as hostes protestantes.
              Foi nesse período em que se cruzavam todas as grandes questões da época, a centralização estatal, as aspirações imaginárias da cristandade pela erradicação das heresias e oposição e alteridade em relação aos infiéis muçulmanos, que Iñigo cresceu e amadureceu, reforçando os traços mais marcantes de sua personalidade. Foi nessa convergência de muitas práticas e realizações, de intertextualidades diversas, de dissenções e lutas, que se deu a sua conversão,  reafirmando a verdade irrefutável que os caminhos para chegar-se a Deus, são as vezes tortuosos e seus desígnios inescrutáveis.
             Toda a Península Ibérica de onde Iñigo provinha estava ainda impregnada pelo espírito da Idade Média, refletindo-se no apego ao dogma e à autoridade, a tradição escolástica da literatura, o desinteresse quase total pela ciência. Além dos Pirineus  as luzes  do novo século não haviam penetrado, causando impacto as mentalidades audaciosas, que ainda se mantinham nas trevas, principalmente em  Portugal.
A conversão de Iñigo se deveu a um acidente sofrido nos campos de batalha, interrompendo e soterrando suas aspirações de glórias militares, mudando as suas concepções de vida, descortinando outras maneiras de servir não a um senhor, nem a uma causa menos nobre, mas a Deus, encarando  suas crença como uma missão, desencadeando uma cruzada militar contra os protestantes.

Um comentário:

  1. É incrível as mutações dos costumes e o passado às vezes se confunde com o presente. Sempre a há a inconformação e o desejo de mudanças. A ambição, o imperialismo dos interesses e a crueldade dos mandantes parece eternos. Hoje e ontem lutam e muitas lutas são inglórias visam apenas interesses. Estava fazendo este comentário empolgado com a bela descrição. Pena não ter eu a competência necessária.

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