MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

quinta-feira, 22 de maio de 2014

GUARANÁ – O ELIXIR DA LONGA VIDA

    
                              INDRODUÇÃO
Índios foi a denominação dada por Cristóvão Colombo para os habitantes das terras recém-descobertas, quando chegou às ilhas Guanaány (São Salvador), em 1942, pensando ter chegado às Índias.
Durante mais de 500 anos de convivência, os índios vem nos dando  grandes lições de vida, retirando da natureza materiais que necessitam para sua sobrevivência: palhas para suas moradias, esteiras, cestos e cofos para transportar e guardar alimentos; madeira para estacas das palafitas e suas armas rústicas como arcos e flechas, tacapes;  alimentação obtida com a caça e a pesca; cerâmica para fabricar os utensílios essenciais (potes, panelas, pratos, urnas mortuárias); fibras para tecer redes de dormir e de pesca, cordas, esteiras;  além do cultivo  de produtos agrícolas como a mandioca, batata, inhame, amendoim, cará, castanha, banana, cacau, guaraná, preservando, ou invés de destruir o meio ambiente. Também uma grande variedade de remédios obtidos da flora silvestre (salsaparrilha, quina, óleos de copaíba, de rícino, de andiroba) e outros alimentos naturais que a floresta fornece, como palmito, tubérculos e frutas; o látex que abriu os horizontes para produção de artigos  de borracha, enfim,  as chamadas drogas do sertão que atraíram os primeiros exploradores estrangeiros, iniciando o ciclo do extrativismo.
O desmatamento  contínuo e a consequente degradação  ambiental das florestas equatoriais da América Latina, têm levado à procura de sistemas de manejos de recursos naturais que sejam ecologicamente sustentáveis e economicamente viáveis. Pesquisas recentes sugerem que sistemas de manejos nativos podem servir como alternativa às práticas baseadas principalmente nos modelos introduzidos dos ecossistemas e culturas não tropicais.
Afirma-se, também que a combinação das práticas desenvolvidas por grupos locais e adaptadas a ecossistemas específicos, além de suprir produtos básicos de subsistência á população, causam poucos distúrbios aos ecossistemas. Consequentemente, as práticas tradicionais de manejo de recursos são vistas como um modelo alternativo de uso da terra para amenizar o atual desmatamento desenfreado, recuperar áreas degradadas e incrementar e agregar o valor das matas tropicais.
Na Amazônia já existe um volume razoável de informações no que diz respeito às práticas nativas de manejo., a maioria deles baseado nos estudos de grupos indígenas. Esses estudos oferecem conhecimentos importantes sobre as diversas práticas de manejos, requerimento para subsistência e viabilidades ecológicas. Entretanto se os conhecimentos dos  sistemas nativos vão contribuir para melhorar as condições econômicas dos povos das florestas, que estão rapidamente integrando a economia de mercado,  soluções devem ser tomadas com urgência para descobrir os potenciais e limitações da adoção de práticas nativas de manejo de recursos naturais para  um desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Desde o Período Colonial a Amazônia fora espoliada em seus recursos florestais,  pelos europeus para exploração das chamadas DROGAS DO SERTÃO: essências, óleos de procedência vegetal como copaíba, andiroba e rícino para obtenção de azeite, cera, sabão; ervas usadas como remédios e outros produtos naturais como salsaparrilha, quina, cravo, canela, anil, corte  das árvores para madeira.
 Os primeiros europeus a adentrar a região foram os missionários Capuchinhos e Jesuítas  que reuniram os povos nativos em missões para aproveitar a sua mão-de-obra. Mais tarde o rei D. José com a colaboração do futuro Marquês de Pombal, criou a Companhia do Grão-Pará e do Maranhão (1755-1778), para promover o desenvolvimento agrícola no Baixo Amazonas e as oportunidades de comercialização criadas pela incorporação da região no mercado da economia.
Antes,  nessa  região fora praticado o extrativismo por franceses, holandeses, ingleses e irlandeses, além dos portugueses, ilhéus e mestiços.
Até 1975, eram explorados  de maneira predatória a resina da seringueira, essências, o açaí, o guaraná, o cupuaçu, o cacau, a sapucaia, a castanha, óleos vegetais, a caça de  animais silvestres e os peixes dos seus inumeráveis rios. A partir dessa época começou a difundir-se a noção de exploração sustentável, para evitar o esgotamento de suas potencialidades.

                            O  GUARANÁ
Seu nome deriva do tupi wara’ná que significa o início de todo conhecimento; outros dizem ser wara na ou frutos de olhos de gente. Cientificamente seu nome é Paulinia cupana, pertence à família das Sapindáce, chamado vulgarmente cupuna, waraná e uramá, naraná, uarana, guaranauva, guaranaina ou guaranazeiro. Nativo na floresta amazônica é, também encontrado, em estado silvestre no Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela. É cultivado em Maués no Amazonas e também na Bahia e Minas Gerais.
A designação Paulinia, é atribuída a Lineu para homenagear o médico e botânico alemão  Simon Pauli. Os índios da Nação Saterê-mawé tem lenda sobre a origem da planta e que será transcrita no final do texto.
                 CARACTERÍSTICAS  BOTÂNICAS

É um cipó lenhoso, de cor escura, trepador, podendo atingir até 10m de comprimento, com folhas trifoliadas ou com cinco folíolos; flores pequenas, branco ou amarelo-claro, hermafroditas.  Após a floração produz cachos  longos que chegam a ter 25  cm de comprimento; os frutos, tipo cápsulas de folhas invertidas com cerca de 2 a 2,5 cm de diâmetro, de cor avermelhada e alaranjada. Quando amadurecem 2 a 3 meses depois, abrem-se parcialmente deixando à vista uma a três  sementes esféricas, negras e brilhantes, em parte envoltas numa película branca, ou arilo, assemelhando-se com olhos. Formam cachos de até 50 unidades
Na natureza é encontrada como cipó, usando galhos de árvores como apoio; cultivadas tem o porte de arbusto, em moitas com 2 a 3 m de altura.
Na Bahia a  reprodução é feita por meio de sementes, enquanto na Amazônia são usados os processos de estaquia e enxertia.
Originária da Amazônia Brasileira, no médio Amazonas entre os rios Madeira e Tapajós, no território ancestral dos Saterê-Mawê, seus  primeiros cultivadores, pioneiros no processo de conservação para preservação das qualidades excepcionais do fruto, mais tarde desenvolvidas pelas comunidades caboclas. O processo consiste na torrefação lenta, em fornos de argila que permite a desidratação das sementes, sem oxidá-las. A torrefação demora umas 8 horas. Após esse  processo as sementes liberam nos grãos que são triturados com água para se obter uma pasta. Depois é amassada e rolada em forma de bastões que ficam em fumeiro por alguns meses. Durante o ano esses bastões são ralados, usando língua de pirarucu e depois misturados com água para obter-se a bebida.
As principais doenças atingidas pelos guaranazeiros são a antracnose e a fusariose que chegam a causar perdas de 100% da produção.

 VALOR  NUTRITIVO  E PROPRIEDADES  FARMACOLÓGICAS

 Nas plantas as xantinas são ligadas a açúcares, aos fenóis e taninos e são liberadas ou desconectadas durante o processo de torrefação, como no caso do guaraná, do café e do chocolate. É rico em substâncias funcionais como a cafeína dentre outras. Cada grão contém 4 a 8 gramas de cafeína, seu principal princípio ativo. Além dela encontram-se em sua composição outros alcaloides, terpenos, resinas, taninos, flavonoides, saponinas, amido e vitaminas. Citando as principais: adenina, alantoina, alfa-copaeno, anetole, carvacrol, cariofileno, catequinas, ácido catechu-tânico, colina, dimetilbenzeno, dimetilpropilfenol, estragol, glicose, guanina, hipoxantina, limoneno, mucilagem, ácido nicotínico, proantocianidinas, proteínas, resinas, ácido salicílico, amido, sacarose, ácido tânico, tanino, teobromina, teofilina, timbonina e xantina.
Também apresenta  sais minerais como o cálcio, fósforo, ferro, potássio e vitamina A e tiamina.

         EMPREGOS  EM  MEDICINA  POPULAR
 
Tônico, adstringente, febrífugo, diurético, serve para eliminar o cansaço físico e mental. Combate a hipertensão, pois ajuda a dilatar os vasos sanguíneos, expandindo-os e permitindo um melhor fluxo do sangue juntamente com nutrientes, mantendo a pressão arterial. Talvez por isso  se atribua a ele a função afrodisíaca. Mantém os níveis de glicose no sangue, diminui o apetite e aumenta a quantidade de calorias gastas, obrigando o organismo a queimar suas reservas de gorduras, promovendo  a sensação de saciedade, aumento  do efeito termogênico suave, e consequente emagrecimento. Evita  a formação de coágulos sanguíneos e dissolve os já formados. Potencializa os anticoagulantes, podendo suscitar efeitos contrários como dor de cabeça, se for utilizado como inibidor da MAO. Alivia as dores de cabeça, enxaquecas, sendo também, usado em nevralgias, lumbagos e reumatismo. Empregado em casos de perturbação gastrointestinal como flatulência, dispepsia, diarreia, prisão de ventre, ajudando a eliminar as toxinas que causam fermentação; combate as salmoneloses e a Escherichia coli.
Estimulante, aumenta a resistência nos esforços mentais e musculares e diminui a fadiga motora e psíquica. Por meio das  xantinas que possui, principalmente a cafeína e teobromina, o guaraná produz com mais rapidez a clareza de pensamentos. Em excesso produz insônia, irritabilidade, taquicardia, azia e dependência física. Aumenta a memória, graças a um óleo essencial encontrado nos grãos.
O guaraná, devido aos elevadores teores de cafeína, o dobro da encontrada no café é antioxidante, renovando as células do corpo, evitando o desenvolvimento acentuado de rugas e sinais de expressão.
Em pó deve ser usado  1 colher de café para 1 copo de suco de frutas, antes do trabalho ou para ir a baladas. Também é fabricado sob a forma de xarope, barras, pós e refrigerantes.
Contraindicado  na gravidez, lactação, hipertensão, problemas cardíacos, diabetes, úlceras, epilepsia.

                            HISTÓRICO
O botânico alemão Theodore von Martius realizou  as  primeiras análises químicas das sementes do guaraná, nos anos Setecentos. Conseguiu isolar uma substância amarga, cristalina com função fisiológica notável, batizando-a de guaranina, que é a cafeína ligada a um tanino ou a um fenol.
 Segundo alguns estudiosos foi o padre alemão Batentorf o primeiro civilizado a provar o guaraná dos índios da Mundurucânia, entre os rios Tapajós e Madeira. Chegara à aldeia, fatigado, febril e faminto devido à longa caminhada através da floresta inóspita. Os índios Mawé prepararam uma beberagem com o guaraná e segundo suas palavras: “Foi como se tivesse tomado o elixir da eterna juventude pois a recuperação foi rápida”.   Segundo alguns naturalistas, o Guaraná é uma planta, dos muitos tesouros etno-botânicos mantidos ciosamente pelos índios.

VALOR  COMERCIAL - INDUSTRIALIZAÇÃO
Pode ser encontrado para comercializar sob a forma de ramas, bastões só das sementes. Também xarope,  em pó, cápsulas, pasta para pasteis; entretanto 70% da produção brasileira é destinada aos fabricantes de guaraná.
O processo de industrialização no Brasil, começou somente em 1905 por Luiz Pereira Barreto, médico de Resende (RJ) que publicou um trabalho  que dá em análise preliminar 2,7 a 3,5 % de tanino e cafeína nas amêndoas e 2,7 a 3,0 na casca. Em 1906 foi lançado pela F. Diefenthaller, uma fábrica de refrigerantes, em Santa Maria (RS), seguida pela Cyrilla, em 1921 que produz o Guaraná Champanhe, marca genuinamente brasileira, líder absoluto no segmento guaraná com 37% de participação no mercado brasileiro. É distribuído em mais de  1milhão de postos em todo o país.
O Guaraná Antarctica, é o de maior aceitação no Brasil, pertence a AmBev, desde o ano 2000, quando foi criada. A sua fórmula foi desenvolvida pelo químico industrial Pedro Batista de Andrade, sendo os frutos procedentes de Maués.
Até 1962 o extrato era produzido somente em São Paulo, depois , começou a ser extraído em Maués.
Inicialmente o refrigerante era comercializado em garrafas de vidro, mas a partir de 1981 passou a ser encontrado em latas de folhas de flandres
Atualmente é vendido em embalagens Pet de 600ml, 1l,1,5l,2,5l, e 3,30l ou garrafas de vidro de 290 e de 350ml.
Um litro de refrigerante contém  apenas 0,02 g de guaraná.
Na Sérvia e em outros países do Leste Europeu fabrica-se uma bebida energética comercializada com este nome, mas ao invés do sabor doce de refresco tem sabor amargo e efeito cardioacelerador.
Portugal produz guaraná desde o final da década de 1990 com polpa  importada do Brasil.
A Amazônia já foi o maior exportador de guaraná, substituído por Taperoá, na  Costa do Dendê, na Bahia, com uma produção de 2.540 t contra 1080t da Amazônia.
Nas últimas décadas, a EMBRAPA desenvolveu duas variedades, através de técnicas de melhoramento genético, elevando a 40% a produtividade na Amazônia, além de tornar mais resistente a fungos e à antracnose. As variedades são: BRS Saterê e BRS Marabitanos.
Na fábrica da Antarctica estão sendo feitas pesquisas sobre o tipo de solo mais adequado, culturas paralelas e técnicas de combate às pragas sem agredir o meio ambiente.
A Fazenda Santa Helena foi implantada em 1971 com a preocupação de garantir melhor qualidade e repassar a tecnologia e os conhecimentos desenvolvidos no local para os demais fornecedores.
Esse é um trabalho pioneiro, utilizando no cultivo armações de madeira e arame, como as parreiras; encontradas  na natureza, no meio da floresta, agarrando-se nas árvores.
A comercialização de cada safra é feita com um ano de antecedência, pela  grande demanda do produto. Durante muito tempo, os índios Mawé-Sataré sustentaram uma produção incipiente; atualmente fora aumentada com os guaranazais implantados no município de Maués, onde tem o seu indigenato, dando, também emprego para milhares de famílias.
Outras marcas de refrigerantes à base de guaraná são: Brahma e Barés, e algumas menores, como Psiu, Taí.
Mas apesar de todas as qualidades reconhecidas mundialmente, as propriedades terapêuticas do guaraná ainda não são totalmente conhecidas.
 CURIOSIDADES  E    LENDAS  SOBRE  O  GUARANÁ
Quem visita os índios Maués, terá de participar  de uma “Sessão de çapó”: o guaraná é servido numa cuia e passa de boca em boca entre os presentes e tem grande significado religioso e social. Essa prática tem raízes nos tempos mitológicos da criação do mundo. Eis a  lenda:;
Onhiamuáçabê era uma jovem de estranhos poderes e tomava conta de Noçoquém, uma floresta encantada. Um dia, porém a moça foi seduzida por uma “cobrinha” e teve um filho, sendo por isso expulsa da floresta, pelos irmãos. O menino, ignorando  o perigo se alimentava de frutos de Noçoquém até que foi descoberto e eliminado pelos guerreiros dos tios. Onhiámuáçabê aos prantos   sepultou o filho e invocou as forças da natureza para  transformá-lo; dos olhos nasceu o guaraná e do corpo, alguns animais e também uma criança que deu origem aos índios Mawé. Então a moça profetizou:
- Tu, meu filho serás a maior força da natureza: quem provar de teus olhos (o guaraná) terá proteção, saúde e longa vida.
Essa é uma das formas (há outras lendas) que os índios Mawé encontraram para justificar a semelhança desse fruto com o olho humano.
Uma outra lenda mais difundida, envolve um casal de índios da tribo Mawé que não conseguia ter filhos. A esposa aflita, aconselhado pelo pajé recorreu a Tupã. Meses depois a índia pariu um menino que crescia saudável, bonito, criativo, prestativo e por essas qualidades amado por toda a tribo. A fama do curumim crescia despertando a inveja de Jurupari, um espírito do mal. Sempre acompanhando o menino, de maneira invisível quando ele ia à floresta.  Certo dia o curumim foi atraído para a parte mais interna da mata onde foi picado mortalmente por Jurupari que havia se transformado numa serpente. A morte deu-se quase instantaneamente. Preocupada com a demora do filho, a mãe pediu a ajuda de toda a tribo que saiu a procurar o pequeno. Quando o corpinho foi encontrado a mãe desesperou-se e toda a tribo ficou consternada. Nesse momento começou a relampejar e a cair um grande temporal com trovões e raios. Os índios disseram  ser o lamento de Tupã que enviou à mãe uma mensagem para arrancar os olhos do filho morto e enterrá-los separados do corpo. Algum tempo depois no local onde os olhos foram enterrados, brotou uma linda plantinha – o guaraná – com frutos vermelhos que na parte interna pareciam os olhos do infeliz curumim.
Há, no município de Maués, na época da safra a Festa do Guaraná, atraindo não só os  colhedores, mas cultivadores e até compradores. Não só dos bastões e xaropes , mas do artesanato, representando figuras zoomorfas e fitomorfas, confeccionados com a pasta do guaraná.



3 comentários:

  1. Aprendi muito amiga. Você como sempre impecável como pesquisadora e escritora. Parabéns!

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  2. Adorei, amiga! Muito obrigada, por nos brindar com tuas pesquisas.

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  3. Que lição! Vou ter que reler esse texto mais vezes, pra aprender um pouco mais sobre os nossos valores naturais.
    Obrigado, Dra. Moema...

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