MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

domingo, 6 de janeiro de 2013

MEU 70° ANIVERSÁRIO




Há pessoas que colecionam objetos, alguns de pouco valor, como chaveiros, canetas, canecas de cerveja; outras colecionam selos, livros, discos, revistas e há outras cujos objetos valorizam-se muito com o passar do tempo, como pinturas, esculturas, obras de arte, enfim.
Ao longo desses setenta anos passados, esforcei-me para conquistar e colecionar amigos, por onde passei: no Rio, em Belo Horizonte, Brasília e claro em Pinheiro onde nasci e vivi os primeiros dezesseis anos de vida e em São Luís onde graduei-me em Farmácia e voltei anos depois para trabalhar na Secretaria Estadual de Saúde e na Universidade Federal do Maranhão onde servi por 25 anos; no Laboratório Gaspar onde trabalhei durante dois anos para o meu colega de turma, compadre e amigo até hoje, Antônio Pinheiro Gaspar. Após a aposentadoria estabeleci-me como proprietária do sebo Papiros do Egito, onde mais faço conhecimentos do que vendas.
Tenho amigos dentre pessoas simples e até poderosas (bota poder nisso!), de todas as classes sociais, de todos os credos, etnias, idades, sexos, profissões, ocupações. Amigos antigos de quase 60 anos e amigos recentes; reais e virtuais, próximos e distantes. Alguns não vejo há 40, 50 anos, mas quando nos encontramos é como se nos tivéssemos visto no dia anterior e o papo flui espontâneo, como se o hiato não existisse.
                 Eu sou uma colecionadora de amigos. Na passagem do 70° aniversário natalício, o meu marido, Fransoufer, ofereceu-me um jantar para 100 convidados e que foi transformado num evento de Solidariedade aos adictos da Fazenda do Amor Misericordioso que se dedica, através do Pe. João Luiz Mancini a reabilitá-los das drogas e dar-lhes uma esperança de vida.
Para isso convoquei os amigos. Gostaria de convidar muito mais, mas o orçamento só chegava a 100. Além dos amigos, tenho muitos primos, filhos dos primos e até seus netos, todos de minha estima e consideração. Só deu para convidar um pequeno número de pessoas representativas dos vários grupos sociais, intelectuais aos quais pertenço e outros envolvidos com a causa em pauta (psiquiatras, psicólogos, terapeutas, sociólogos, assistentes sociais, enfermeiras, farmacêuticos, dentistas, membros de Pastorais da Sobriedade, das Comunidades Terapêuticas, empresários do ramo da Medicina e outros que já ajudam, há tempos, na manutenção da Fazenda).
E as doações foram levadas ao restaurante, outras levadas à minha casa e no meu sebo. Há dois dias que separamos, em caixas, as roupas de cama, toalhas de banho e rosto, camisetas, bermudas, cuecas, artigos de toalete, sandálias e cestas básicas. Já enchemos 12 caixas que serão recebidas com satisfação pelos residentes da Fazenda. O meu pedido encontrou eco no coração dos meus amigos e todos colaboraram com alegria e amor.
A surpresa da festa ficou por conta da chegada do meu filho o qual não via há vários meses, pois ele reside em Fortaleza, trabalhando num Centro de Recuperação de Dependentes Químicos. Ao descer do automóvel em frente ao Restaurante Maracangalha, ele acompanhado de dez amigos, suas esposas, noivas e namoradas, estavam me esperando e me recepcionaram com flores e outras homenagens.
Devo esclarecer que o meu filho, também, é um colecionador de amigos. Ele tem amigos recentes, pupilos, mas é fiel, leal aos companheiros da adolescência. E sei que todos o amam, assim como seus familiares, que sempre o trataram com distinção e solicitude.
Tenho problemas? Sim, como todo mundo. Momentos de desânimo, de desespero, de angustia? Sim, mas não esmoreço, não cultivo ódios, nem rancores, nem inimizades. Acreditem, mesmo levando uma vida sem glamour e aparentemente simples, sou felicíssima e sabem por que? Porque nunca ambicionei o que não podia obter; nunca tive inveja; nunca cobicei nada e nem desejei ter a vida que outras pessoas levam. Nunca competi, nem concorri sequer por cargos que ocupei. Questão de valores? Conformismo?
Muitas amigas me perguntam: “por que não viajas para o exterior, para conheceres outras culturas, na Europa, Estados Unidos e outros países dos outros continentes, para conhecer o berço da nossa civilização?”
Mas qual é mesmo o berço da civilização? Qual é mesmo a minha origem? Por que assumir culturas adventícias, se lá no âmago do meu ser, no inconsciente e culturas herdadas dos meus ancestrais africanos e indígenas, eu tenho a certeza de que nada em comum eu tenho com os nossos colonizadores europeus que impuseram os seus costumes, a sua religião, a sua língua, a sua história, os seus heróis, os seus valores? Eu não posso correr  atrás de raízes que não são as minhas.
A história da nossa família começou a ser tecida com a união do meu pai, descendente de africanos, com a minha mãe, descendente de índios. A partir daí que começa o meu interesse e dos meus irmãos para construir a nossa história, com as nossas aspirações simples, prosaicas, mas autênticas.
Sabem os meus sonhos, os meus desejos, os meus ícones, desde que comecei a valorizar o trabalho do meu pai? Conhecer os templos da Ciência, aqui no Brasil, onde homens abnegados, cientistas que pesquisaram, descobriram e identificaram os agentes etiológicos das doenças que continuam a dizimar milhões de brasileiros por ano; seus transmissores e as medidas preventivas para combatê-los e tratar os enfermos. E isso eu consegui: pisei solos sagrados, conheci laboratórios, bibliotecas freqüentadas pelos cientistas mais famosos do Brasil: Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e seu filho Evandro Chagas, Adolfo Lutz, Belisário Penna, Helion Póvoa, José Pelegrino, Frederico Simões Barbosa, Vladimir Lobato Paraense, Otto Bier, Jayme Neves, Amílcar Viana, Aluísio Prata, Eduardo Alencar, Zigman Brenner, Ricardo Veronesi, Manuel Abreu, Samuel Pessoa, o casal Deane, e muitos outros sábios, grandes expoentes da Pesquisa em Parasitologia no Brasil. Alguns conheci pessoalmente e cheguei a trabalhar em seus laboratórios, a manusear os seus livros, no Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, no Instituto Adolpho Lutz em São Paulo, no Instituto Renée Rachou, em Belo Horizonte e durante dois anos estagiei no Centro Internacional de Identificação de Caramujos, em Brasília.
Amigos, agradeço a presença de todos vocês  que vieram nesta noite trazer-me o seu abraço de parabéns e, principalmente porque atenderam ao meu apelo para ajudar a Fazenda do Amor Misericordioso que ajuda dependentes químicos a lutar contra a compulsão pelas drogas ilícitas e pelo alcoolismo. Referida instituição fora pensada em 2003, face à difícil e trágica realidade da adicção química, à dor de centenas de famílias envolvidas como co-dependentes, iniciando-se com um pequeno grupo de pessoas que se dispunham a oferecer apoio aos que acorriam em busca de ajuda. Em 2005, com a organização da Pastoral da Sobriedade e a colaboração de entidades estrangeiras italianas e alemães, a Diocese de Pinheiro adquirira, no povoado de Ponta de Santana, um pequeno sítio onde fora instalada um Centro, sob a coordenação do Pe. João Luiz Mancini, para acolher e propiciar um programa de recuperação aos adictos.
O Programa se desenvolve através da profunda espiritualidade à luz da Palavra de Deus, pela laborterapia rural que também auxilia na desintoxicação, assistência psicológica, atividades educacionais, culturais, esportivas e grupos de mútua ajuda. O período de permanência na Fazenda é de nove meses, onde é oferecida uma educação integral para uma vida a ser vivida na sobriedade.  É a gestação de uma nova vida! São 50 os internos. O tratamento é gratuito, pois poucas famílias têm condições para ajudar financeiramente a manutenção da Fazenda. O Programa também propicia aos familiares, acompanhamento e orientação, através de reuniões semanais e visitas familiares feitas pelos membros da Pastoral da Sobriedade, além de um trabalho de prevenção com palestras, visitas programadas à instituição com apresentação de testemunhos dados pelos internos.
Amigos, geralmente na data do nosso aniversário natalício, damos uma paradinha no corre-corre diário, para fazermos uma reflexão que nos leve a ter consciência do tempo em que tecemos a nossa história e nos construímos. Na consciência do fluir da nossa temporalidade, na certeza da nossa finitude, nos questionamos sobre o nosso viver, suas verdades e mentiras, as alegrias e as tristezas, os erros e os acertos, nossas boas e más ações. E esta possibilidade se torna mais freqüente quando atingimos a meia-idade. Quando ultrapassamos os 70 anos, como é o meu caso, passamos a buscar o sentido da vida, questionando-nos se a nossa caminhada existencial fora útil ou inócua, exitosa ou um fracasso. Fazemos um balanço do que recebemos e, principalmente do que demos; se nos capacitamos para a tarefa fundamental de amar e de servir, uma vez que só nos pertence o que ofertamos.Enfim, estamos aqui de passagem e o único passaporte que levaremos é o das nossas ofertas, das nossas doações.
No inventário deste ano constatei que fui bem aquinhoada ao longo de toda a minha vida, pois mais recebi do que dei: sou de um lar harmonioso, de uma família unida e amorosa; tive um pai exemplar e ainda tenho uma mãe maravilhosa; filho, neto e marido que me amam; irmãos, cunhados, sobrinhos inexcedíveis e colegas que me consideram e me estimam. Realizei-me profissionalmente, pois tive o privilégio de trabalhar com ensino e pesquisa que me apaixonaram. Após a aposentadoria optei pela companhia instrutiva e silenciosa de milhares de livros, parceiros desde a infância.
E o que dei em troca de tantas dádivas? Como retribuir tantas benesses, algumas recebidas, talvez imerecidamente?
Esta iniciativa que vocês estão me ajudando a concretizar, talvez seja um pequeno e tímido passo para o início dessa retribuição, ajudando-me a crescer como pessoa, para tornar-me digna da sua amizade.
Falamos, comentamos, discutimos, postamos na Internet, às vezes sabemos até dados estatísticos, coeficientes, previsões sobre calamidades e epidemias que nos assolam, assim como sobre catástrofes ocorridas em regiões longínquas, das quais não sabemos nem pronunciar-lhes o nome, mas quando o assunto é tóxico, saimos pela tangente, desconversamos e o que sabemos é só o que os meios de comunicação nos servem desde o café da manhã.
Quantos de nós, aqui presentes, com exceção dos especialistas da área, sabemos a extensão desse flagelo que está abalando os alicerces da nossa civilização, que esgarça o nosso tecido social, que degrada física e moralmente toda uma geração de jovens, sabotando-lhes seu futuro, roubando-lhes seus sonhos e esperanças, minando-lhes a sua confiança, abreviando-lhes a sua vida? Quantos de nós, leigos, estamos aptos para avaliar a extensão dos danos mentais e a dependência química causadas pelas drogas – a toxicofilia?
Há algum tempo lemos em matéria de capa da revista Veja, uma das mais conceituadas do país, reportagem sobre drogas, alertando que a questão não é saber se um jovem vai experimentá-las, mas quando o fará.
Dos festivais de rock aos combatentes de guerras, dos guetos periféricos a certas seitas religiosas; dos morros, das favelas, das invasões às portas das escolas e universidades, aos estacionamentos de shoppings, às boates, aos barzinhos, às micaretas, às raves, enfim, nas baladas freqüentadas por nossos filhos, elas estão à espreita a rondá-los, assediando-os sorrateiramente, insidiosamente, insistentemente.
Somente quando elas adentram nossos lares, desestruturando as nossas famílias, solapando as nossas economias, tornando-nos coniventes e cúmplices, pelas tentativas equivocadas para protegê-los, pela vergonha, desinformação e adiamento na procura de ajuda profissional é que despertamos para o problema.
E o que fazemos? Recolhemo-nos em nossa concha de culpa e auto-comiseração, apavorados, desarvorados, impotentes, com receio que os nossos vizinhos, parentes e amigos descubram. Ficamos mais preocupados com o preconceito, a discriminação do que com o horror vivido pelos nossos filhos que, escravizados pelo vício, não conseguem sozinhos encontrar o caminho de volta, pois em muitos casos é um caminho sem retorno, um túnel sem saída.
Não os estigmatizemos como drogados e viciados; não os tipifiquemos como marginais e delinqüentes; não os rotulemos como maconheiros, diambeiros, vadios, degenerados e outros epítetos, pois difundir o preconceito, atrelado à ignorância, dificultará a implantação das medidas de prevenção, retardando, outrossim, a busca pelo tratamento.
Considerada doença pela OMS perfeitamente controlável, causa perplexidade a indiferença, negligência, incompetência e descompromisso das sociedades e dos governos, frente a um problema de tal dimensão, de tanta gravidade, de tantas conseqüências.
Se as drogas se tornaram onipresentes, passaram sim, a ser problema de Saúde Pública, afetando não só os adictos e seus familiares, mas os usuários e toda a sociedade que tem se mostrado omissa, indiferente, egoísta, injusta.
Façamos nossas as palavras do Papa João Paulo II: a droga é um mal e como todo mal deverá ser combatido.
E essa guerra não pode ser perdida! Todas as frentes educacionais, terapêuticas, bem como todas as associações religiosas, filantrópicas deverão unir-se para combater essa pandemia que está levando a humanidade ao holocausto, à auto-destruição.
Finalizando, conclamo os amigos presentes a tomarem parte nessa cruzada contra as drogas, não com contatos físicos com os dependentes ou com os seus familiares, mas ajudando-os anonimamente, através das Pastorais da Sobriedade ligadas às Comunidades Terapêuticas que os reabilitam como seres humanos e sociais que são, resgatando-lhes a auto-estima, a sua dignidade e respeito como cidadãos, pela reinserção social, com a reintegração no mercado de trabalho.
Lembremo-nos que a guerra para os já atingidos, mesmo reabilitados não termina. As suas batalhas contra a compulsão são diárias, sofridas, dolorosas, lutando para vencerem um dia de cada vez, durante toda a sua vida.
Obrigada pela presença e solidariedade de todos vocês. por hoje!


















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