MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

terça-feira, 22 de janeiro de 2013


 SOBRE AS MEMÓRIAS DE INEZ DE CASTRO
  Moema de Castro Alvim


Os registros biográficos despretensiosos de pessoas longevas, aparentemente comuns, costumam surpreender-nos pela riqueza e diversidade de informações que nos deixam entrever aspectos históricos e sócio-culturais e até mesmo econômicos de uma comunidade nos primórdios de sua formação, contribuindo para um melhor conhecimento e uma maior extensão a respeito da vida social dos primeiros moradores, revelando o que não poderia ser percebido através das fontes tradicionais da micro-história.
Construindo minuciosamente a biografia de Inez de Castro, utilizando um pequeno gravador, através do qual foram sendo registradas as reminiscências de nossa mãe, o mano José Paulo, traçando previamente um roteiro com muita dedicação e persistência, conseguiu recriar toda a  trajetória de sua vida, desde o seu nascimento, procedência dos seus pais, suas atividades ocupacionais e as dificuldades para criar com dignidade seus dez filhos; o bairro em que fora criada, próximo à Igreja Matriz e à Faveira, considerada um dos braços do Rio Pericumã, onde o primeiro núcleo urbano teria se estabelecido; também o aprendizado das primeiras letras, seus mestres, os métodos utilizados pelos professores leigos, até a instalação da primeira escola oficial.
Perlustrando a história de vida dessa mulher singular e extraordinária, tem-se a idéia da interação dos outros indivíduos do mesmo estrato sócio-econômico, em Pinheiro, cujos moradores estavam presenciando à transmutação de uma pequena povoação, outrora sesmaria de índios, em vila e depois em cidade que se tornaria, alguns anos depois, a mais importante da Região da Baixada.
Protagonista e testemunha, Inez participou de todo esse processo, ativamente, assistindo às grandes transformações que ocorreram na década de 1920, marco do desenvolvimento do pequeno burgo, pálido reflexo das mudanças que aconteciam no mundo, conseqüentes da Primeira Guerra Mundial. Surgido na Europa semi destruida, esse movimento revolucionário cultural fora criado por americanos expatriados, ricos, ociosos e sequiosos de usufruir o que o Velho Continente tinha ainda para oferecer e que, a partir dessa época, perdera a sua hegemonia econômica para os Estados Unidos, consolidada pela Grande Depressão de 1929.
As Artes como a Pintura, a Escultura, a Arquitetura e até a Música, a Poesia e a Literatura, literalmente foram recriadas por um grupo de intelectuais como Hemingway, James Joyce, Scott e Zelda Fitzgerald, Gertrude Stein, Picasso, Rodin, Braque, Rousseau, Apollinaire, Le Corbusier e muitos outros que influenciaram toda uma geração chamada, erroneamente de geração perdida. Essas idéias varreram todo o mundo, atingindo, também, o Brasil, culminando com a Semana de Arte Moderna, em 1922. Foi uma verdadeira revolução de valores, irradiando-se de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para todas as regiões brasileiras, libertando-as dos cânones rígidos impostos pela antiga Metrópole, mesmo após cem anos de sua independência política.
Os arautos dessas boas novas foram discípulos do maranhense Graça Aranha, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e diplomata, radicado durante anos em Paris. Dentre os seus seguidores destacam-se Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfati, Portinari, Manuel Bandeira, Menotti del Picchia, Di Cavalcante e muitos outros intelectuais que despertaram o gigante adormecido com as suas idéias arejadas e modernizadoras, seu modo de fazer literatura, poesia, escultura e pintura, dando ao Brasil uma outra feição, uma nova personalidade, oportunizando a criação da sua identidade cultural de autêntica brasilidade.
E os ecos dessas mudanças chegaram até Pinheiro, através de um jovem juiz, de origem piauiense, o Dr. Elisabeto Barbosa de Carvalho, sintonizado com essas transformações que se processavam em todo o Brasil. Com a colaboração de outros amigos, também sensíveis a essas mudanças, levaram à recém-criada cidade algumas dessas novidades; também para quebrar o clima de hostilidades, acirradas principalmente nos períodos eleitorais e que se refletiam no marasmo e atraso em que o pequeno burgo vivenciava.
Datam desse período a fundação do jornal “Cidade de Pinheiro”, ainda hoje em circulação, inauguração de clubes sociais e esportivos com a formação dos primeiros times de futebol, de teatros com encenação de peças e outras atividades culturais; maior incremento das festas religiosas e profanas, como o carnaval, as quadrilhas juninas; construção do Mercado Central, do Matadouro; reconstrução da Igreja Matriz, substituindo o antigo templo por um com duas torres; a transferência do cemitério do adro da Igreja dos Remédios (atual Praça de São Benedito)para um espaço mais amplo  com capacidade para um maior número de túmulos, com a construção de um cemitério com áreas delimitadas por calçadas de cimento, com capela,  frontal de alvenaria trabalhado e totalmente murado - o Cemitério Santo Inácio, ainda hoje em atividade. Também ocorreu a instalação do Instituto Pinheirense e da Escola Normal que infelizmente só funcionou um semestre e, em 1927, do Grupo Escolar “Odorico Mendes”, dirigido por professoras normalistas além da formação da Biblioteca Popular. Outras importantes aquisições da recém cidade foram: a Companhia Agrícola Industrial, o Campo de Sementes, o Centro Agrícola Santo Inácio de Pinheiro e uma pequena empresa de transporte terrestre com a chegada do primeiro caminhão. No campo social, deu-se a reativação da Sociedade Beneficente, a criação da Sociedade Mortuária e o Centro Artístico Operário e Eleitoral.
Inez presenciou tudo, participou de tudo, informando-se de tudo, inclusive quando o terror e a insegurança apossaram-se dos habitantes do município, por ocasião de uma bárbara chacina que maculou de sangue o solo pinheirense. O seu pai, Capitão Francisco Castro era o delegado na época e por essa fonte ela soube dos pormenores. Vivendo à frente do seu tempo, Inez, loquaz, desinibida, comunicativa, articulada, expressando-se bem, atuava em comédias, cantava no coro da igreja e participava de todos os festejos religiosos, inaugurações, bailes, piqueniques, sobressaindo-se dentre as irmãs, conquistando amizades, admiradores e cortejadores.
As suas reminiscências põem em relevo as peculiaridades da incipiente cidade, da sua comunidade formada por pessoas procedentes dos municípios vizinhos, das fazendas e sítios, instalados nas proximidades desde o período colonial; também o seu cotidiano em sua dinamicidade, contradições, pequenas intrigas e boatos, existentes até hoje. Após a década de 1920 quando a Vila de Pinheiro fora elevada à Cidade, fomentando a sua pecuária, lavoura, principalmente de arroz e algodão, incrementando seus engenhos, aumentando o extrativismo, de óleos vegetais como copaíba, rícino (carrapato), andiroba, gergelim e, de modo especial, de babaçu para aproveitamento no uso doméstico e exportação das amêndoas, tornou-se o Centro mais promissor da região, suscitando o interesse dos primeiros comerciantes dentre os quais José Paulo Alvim, que chegara ainda na década de 1910, instalando a sua farmácia, e que viria a desposar Inez em 1939. Também outros comerciantes, empresários, pequenos industriais, pároco, profissionais liberais como juiz, promotor público, coletor, fiscal, advogados, guarda-livros, professores, enfim dos primeiros funcionários públicos.
Com a abertura da Rua Nova e de outras ruas, a cidade se expandiu. Semanalmente chegavam vapores trazendo comerciantes, artesãos especializados, empresários, atraídos pelo franco progresso do
 Município. Vieram nessa época os primeiros estrangeiros, representados pelos portugueses das famílias Paiva, Gonçalves, Campos, Santos, Fernandes, Guimarães, Oliveira e outros, assim como sírio-libaneses das famílias Nagem, Aboud, Felix, Amate.
A chegada da iluminação elétrica, fora a pedra de toque para a instalação das primeiras máquinas de pilar arroz, engenhos movidos a eletricidade para fabricação de açúcar, melado e aguardente. Nas residências das pessoas de maior poder aquisitivo, as lamparinas e candeeiros foram substituidos pelas lâmpadas incandescentes.
A cidade crescia a olhos vistos, despertando o interesse de uma grande Companhia Francesa que instalou na chapada uma usina para beneficiamento do babaçu.
Os carpinteiros, ferreiros, pedreiros e mestres de obras aprendiam novas técnicas de construção, os beirais das casas antigas foram substituídas por modernas platibandas, plantaram-se mudas de palmeira imperial na praça da Matriz e as primeiras  figueiras em todas as praças e avenidas que constituem até os dias atuais o arcabouço da cidade. Data, também dessa década o início dos processos eletivos, quando os moradores domiciliados no município foram alistados, tornando-se aptos para votarem no primeiro prefeito e vereadores.
Era o desenvolvimento tão esperado pelos pinheirenses: tudo se transformava e Inez atenta, participava de tudo, talvez esperando, no subconsciente, estar ainda viva e lúcida, quase um século depois, para fazer este resgate histórico, como porta-voz dos acontecimentos do século XX, dando o seu depoimento e testemunho do processo de formação e desenvolvimento de nossa cidade.
Aos 100 anos, Inez, sempre de bem com a vida, que a dotou de excelente saúde e invejável constituição, continua vaidosa, mantendo os cabelos impecavelmente pintados, usando as suas preciosas bijuterias presenteadas por seus filhos, noras, genros, netos e amigos, em substituição às suas antigas jóias; fã de futebol, não perde uma partida televisionada do  time de sua torcida – o Flamengo – e, principalmente dos jogos das Copas. Lê bastante romances, jornais e as revistas Veja e Isto É, mantendo-se informada principalmente nos assuntos políticos.
Casou-se duas vezes com homens inteligentes e excepcionais, derrubando tabus e preconceitos. O primeiro esposo, foi o farmacêutico prático José Paulo Alvim, nosso pai, codoense, ainda solteirão aos 50 anos, benquisto e respeitado na cidade e circunvizinhanças onde se tornou referência na arte de manipular e cuidar da saúde dos pinheirenses, na ausência de médicos.
Quatros anos após a morte do seu companheiro de treze anos que lhe deixou três filhos, Aymoré e Moema, adolescentes, e José Paulo ainda criança, e uma farmácia bem montada para administrar e educar seus filhos, desposou um jovem poeta, Abílio da Silva Loureiro, natural de Balsas (MA), mas criado em Teresina. Orador vibrante, poeta e declamador que inscrito o seu nome nos anais de duas academias de letras que ajudou a fundar, tornando-se, após a sua morte, patrono de uma delas. Cidadão pinheirense foi, também, professor do Colégio Pinheirense e da Escola Comercial da ACREP e edil na Câmara Municipal de Pinheiro. Nomeia a Biblioteca do CAIC, para a qual contribuiu com dezenas de livros.
Com Abílio, Inez concebeu aos 47 anos, o seu filho caçula, Cleuber Cláudio, adotando, nessa mesma época, a sua filha Tatiana Gizeuda.
Inez viveu, cantou, encantou, dançou, amou, sofreu, chorou a perda de quase todos os seus entes queridos, casou duas vezes, enviuvou de ambos os maridos, mas não se deixou abater, nunca desanimou nem perdeu a alegria de viver. Decidida e dedicada trabalhou como comerciante durante 75 anos, interrompidos pela violência e impunidade que dominam todo o País.
Reconhecida pela cidade que ela ama e que a considera, foi homenageada pela Câmara Municipal como a comerciante em atividade, mais antiga de Pinheiro e no 150@ aniversário da cidade foi uma das cidadãs condecoradas pelo Prefeito Municipal Filuca Mendes, com a Comenda do Sesquicentenário Nessas mesmas comemorações foi representada em carro alegórico no desfile temático, que percorreu as principais ruas.
Por sua trajetória de mulher batalhadora, sempre pautada na decência e na integridade de caráter, por seu amor, desvelo, abnegação, acompanhando com dedicação a nossa educação, com pulso firme mas com muito carinho e por ser a nossa mãe é que orgulhosamente lhe prestamos esta homenagem, como preito da nossa gratidão: LONGA VIDA, MAMÃE, Salve! Viva, Inez dos Reis Castro.
          São Luis, 21 de janeiro de 2013
                                                                 

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