PRIMÓRDIOS
DA ARTE DE CURAR
NO MARANHÃO
Até algumas décadas atrás a História era circunscrita a um campo bem
homogêneo, único, indiviso. Atualmente o campo historiográfico se divide em
várias modalidades, fazendo com que os historiadores se organizem em espaços do
saber, dividindo-os em campos, estes em domínios que são áreas de concentração
em torno de certas temáticas e objetivos possíveis, usando para isso as mais
diversas técnicas de abordagem.
Para o historiador atual não existe a exigência de um curso formal de
História, desde que ele seja capacitado para aprofundar-se em algum campo que
ele domine, produzindo excelentes e autênticos textos historiográficos.
Atrelada durante muito tempo à História das Ciências, a Medicina de
alguns anos para cá, graças à dedicação
de vários grupos de médicos, os quais, sem perder de vista o conhecimento mais
geral da Medicina, desdobraram-na em vários domínios, entrelaçados, abrindo
espaço para várias especialidades dentro do saber histórico. Inicialmente só a
História das Doenças, da Clínica, hoje uma profusão de domínios, dimensões,
criando uma rede de modalidades, possivelmente exigidos pela necessidade de
elaborar teses e orientar monografias imprescindíveis para o bom desempenho de
pesquisadores e mestres.
Assim surgiram grupos de médicos especializados, sequiosos em
aprofundarem e organizarem seus conhecimentos nos domínios das epidemias que
grassavam no Brasil Colonial, as portas de entrada dessas doenças, as primeiras
campanhas de vacinação, abertura dos primeiros hospitais, médicos pioneiros nos
mais diversos campos da Medicina, o estudo das chamadas doenças tropicais, as
primeiras técnicas cirúrgicas empregadas, origem de certas doenças como a
esquistossomose, as filarioses, a bouba, o calazar, a hanseníase, a febre
amarela, a tuberculose, a sífilis, as micoses e uma gama grande de viroses.
Aqui no Maranhão essa iniciativa partiu do Prof. Aymoré de Castro Alvim,
ao fundar a Sociedade Maranhense de História da Medicina, que aglutina médicos
especializados em suas áreas de atuação, interessados em preencher essa lacuna,
em relação ao nosso Estado. Pesquisando as poucas fontes a que teve acesso, o
Prof. Aymoré procurou determinar a época em que a Medicina, como ciência, começou
a ser exercida entre nós, concluindo sem sombra de dúvidas, que o primeiro
médico a pisar o território maranhense fora o Dr. Thomas de Lastre, francês,
que acompanhava a expedição comandada por Daniel de La Touche, em 1612. Filho
de médico e formado pela Universidade de Paris, o Dr. De Lastre trocou
correspondência com o seu pai, porém não deixou registros de doenças entre
nossos aborígenes, provavelmente por ser médico-cirurgião, adestrado aos
tratamentos de traumas de soldados nos campos de batalha – um cirurgião
militar. Por essa época, a Medicina na França, embora exercida por médicos de
campo, freiras católicas e cirurgiões barbeiros, dera um grande salto, graças
às técnicas introduzidas por Ambroise Paré, cirurgião-barbeiro, considerado o
Pai da Medicina Francesa. Na verdade não era formado em Medicina, porém
introduziu técnicas que tiveram grande êxito, tanto na Cirurgia como na
Clínica. Pelos seus conhecimentos e dedicação foi médico de três soberanos:
Henrique II, Francisco II e Charles IX. A ele se atribui a primeira cirurgia de
hérnia estrangulada.
Após a expulsão dos invasores franceses, em quase dois séculos de
colonização e povoamento, os únicos físicos conhecidos pelos colonos e índios
foram os jesuítas que utilizavam uma terapêutica empírica e profilaxia
rudimentar, fugindo do curandeirismo,
pela cultura humanística que possuíam, a mais alta nesse tempo. Os índios com a
sua mentalidade primitiva exigiam curas milagrosas, como se os religiosos por
eles chamados Poçangas, tivessem o
verdadeiro poder sobre a vida e a morte. Em cada missionário podia dizer-se que
existia um médico, pois as circunstâncias lhes impunham o dever humanitário de
acudir as enfermidades do corpo, na medida que lhes era possível, valendo-se
das ervas medicinais locais e da pequena botica do convento.
Nessa época, as doenças consideradas comuns entre os índios, portanto
autóctones, eram as febres palúdicas, micoses, reumatismos, asma. As doenças
que praticamente dizimaram os povos ameríndios foram trazidas pelos europeus,
mais tarde pelos asiáticos e africanos: bouba, varíola, peste bubônica, febre
amarela, tuberculose, cólera morbus, sarampo, caxumba, hanseníase, foram
algumas das moléstias adquiridas pelos índios em contato com o branco
civilizador, pois segundo alguns visitantes, os nossos índios eram considerados
sadios, imunes mesmo às epidemias que se alastravam no litoral, do Pará ao Rio
de Janeiro.
Alguns visitantes, deslumbrados pelas belezas luxuriantes de nossas
florestas, alguns trazidos pelo gosto da aventura da viagem, exotismo de nossa
fauna e flora, poucos vestígios deixaram. Entretanto os capuchinhos Yves
dÈvreux e Claude dÀbeville no início do século XVII e mais tarde alguns
naturalistas que fizeram parte de expedições científicas, no Império, como os
pesquisadores Von Martius e Spix descreveram algumas das doenças que viriam a
tornar-se endêmicas entre nós.
São Luís – Maranhão
Moema de Castro Alvim
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