Depois
de um jejum de quase dois anos a Academia Pinheirense de Letras, Artes e
Ciências (APLAC) tem a satisfação de lançar o segundo livro do nosso
confrade Aymoré de Castro Alvim, que nele enfeixou crônicas inéditas e
alguns contos ambientados na nossa inesquecível cidade de Pinheiro.
Para
não fugir do viés histórico, o autor traz a lume informações sobre as
marchas e contramarchas com que alguns dos nossos próceres se depararam
quando da emancipação do emergente povoado, atrelado à comarca de
Guimarães e das demandas para conseguirem a autonomia como vila, assim
como a posse da terra imprescindível para a formação do município, uma
vez que o mesmo se encontrava assentado sobre sesmaria doada a índios,
em 1806. As gerações atuais, certamente desconhecem esses fatos, pois
desinformadas desde o ensino fundamental e alienadas pelo mito da
linhagem nobre do fundador e da origem dos primeiros povoadores,
convenceram-se serem detentores dos mesmos privilégios e regalias dos
alcantarenses e dos vimarenses, confirmando a assertiva de Jean Cocteau
a história é a verdade deformada; a lenda é a falsidade que se encarna.
As dificuldades, no entanto foram imensas e as lutas travadas,
mesquinhas, tensas e demoradas, de 1838 até 1888, perfazendo cinqüenta
anos.
A história, porém não é feita somente de fatos históricos,
também de informações, à primeira vista destituídas de importância, mas
que representam o cotidiano, as coisas prosaicas daquela gente vinda de
todas as regiões circunvizinhas, atraída pelo lago piscoso da Faveira;
pelo encanto dos seus verdes campos inundáveis balizados pelos oiteiros
do Finca (Santana) e o de São Carlos; pela beleza dos seus babaçuais;
pelo clima ameno e agradável; pela fertilidade do seu solo propício ao
cultivo de mandioca, arroz e algodão ou pela premonição da grandeza do
seu futuro, através da trajetória de um dos seus filhos que viria a ser
mandatário do Estado (1965), do País (1985), projetando Pinheiro a nível
nacional. Ou simplesmente pela certeza dos nossos ancestrais que
garantiram a sua perpetuação, para que nós, seus descendentes,
pudéssemos estar hoje aqui reunidos!
Aymoré, através dos seus
textos, num estilo leve e envolvente, revela usos e costumes dos
moradores entre as décadas de 1950-60, suas crenças, superstições, seus
mitos, seu linguajar e até seus pequenos vícios e cacoetes e as tarefas
miúdas que lhes possibilitava a sua sobrevivência.
No mais são
historietas que têm como personagem central o nosso pai, José Paulo
Alvim, falecido há sessenta anos, mas que ainda é o referencial que
serviu de paradigma para definir e orientar nossas vidas. Aymoré optou
por um tom brejeiro, pela graça, às vezes sutilmente marota, captando o
humor fino e espirituoso com que papai se dirigia aos seus
fregueses-amigos, ensinando-lhes através de metáforas, para não
ferir-lhes a suscetibilidade, rudimentos antropológicos que lhes
tornassem menos sofridas as agruras do seu dia-a-dia. Esse foi o tributo
de suor, lágrimas e às vezes sangue imposto aos nossos antepassados,
para permitir e assegurar-nos a posse da terra, possibilitando-nos uma
vida mais tranquila, sem grandes atropelos e sacrifícios.
Confinado
na farmácia, quando não estava na escola ou preparando tarefas
escolares, Aymoré, geralmente de castigo por alguma traquinagem ajudava
na arrumação dos frascos de medicamentos nas estantes, empacotando ervas
medicinais que eram vendidas a retalho, não perdendo um só dos diálogos
mantidos por papai com os seus caboclos, como carinhosamente ele
tratava os fregueses do interior, quando vinham pedir-lhes um conselho
para os seus problemas pessoais, um lenitivo para seus males físicos.
Atento,
orelhas em pé, ouvidos aguçados Aymoré não perdia uma só palavra e
depois de mais de sessenta anos ele resgata das brumas do olvido o teor
daquelas consultas ipsi litteris e as recomendações de papai,
principalmente a dieta à base de galinha, para suprir o déficit
protéico, causado pelas constantes verminoses e o repouso necessário ao
corpo cansado, proibindo-os de olhar mato verde.
Esse era Seu
ZéAlvim, grande figura que soube em terra estranha superar as
dificuldades iniciais e vencer preconceitos, tornando-se tão
autenticamente nativo como se houvera ali nascido, sábio em seu saber de
experiência feito, conhecedor das misérias humanas, físicas, materiais e
morais, aconselhando, orientando e cuidando daquela gente que aprendeu a
amá-lo e a respeitá-lo e a quem ele se afeiçoou. Nós, os seus filhos, o
reverenciamos até hoje.
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