MOEMA

MOEMA
PAPIRUS DO EGITO

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

SOBRE O LIVRO “CRÔNICAS E CONTOS DE UM PINHEIRENSE” DE AYMORÉ DE CASTRO ALVIM


Depois de um jejum de quase dois anos a Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC) tem a satisfação de lançar o segundo livro do nosso confrade Aymoré de Castro Alvim, que nele enfeixou crônicas inéditas e alguns contos ambientados na nossa inesquecível cidade de Pinheiro.
Para não fugir do viés histórico, o autor traz a lume informações sobre as marchas e contramarchas com que alguns dos nossos próceres se depararam quando da emancipação do emergente povoado, atrelado à comarca de Guimarães e das demandas para conseguirem a autonomia como vila, assim como a posse da terra imprescindível para a formação do município, uma vez que o mesmo se encontrava assentado sobre sesmaria doada a índios, em 1806. As gerações atuais, certamente desconhecem esses fatos, pois desinformadas desde o ensino fundamental e alienadas pelo mito da linhagem nobre do fundador e da origem dos primeiros povoadores, convenceram-se serem detentores dos mesmos privilégios e regalias dos alcantarenses e dos vimarenses, confirmando a assertiva de Jean Cocteau a história é a verdade deformada; a lenda é a falsidade que se encarna.
As dificuldades, no entanto foram imensas e as lutas travadas, mesquinhas, tensas e demoradas, de 1838 até 1888, perfazendo cinqüenta anos.
A história, porém não é feita somente de fatos históricos, também de informações, à primeira vista destituídas de importância, mas que representam o cotidiano, as coisas prosaicas daquela gente vinda de todas as regiões circunvizinhas, atraída pelo lago piscoso da Faveira; pelo encanto dos seus verdes campos inundáveis balizados pelos oiteiros do Finca (Santana) e o de São Carlos; pela beleza dos seus babaçuais; pelo clima ameno e agradável; pela fertilidade do seu solo propício ao cultivo de mandioca, arroz e algodão ou pela premonição da grandeza do seu futuro, através da trajetória de um dos seus filhos que viria a ser mandatário do Estado (1965), do País (1985), projetando Pinheiro a nível nacional. Ou simplesmente pela certeza dos nossos ancestrais que garantiram a sua perpetuação, para que nós, seus descendentes, pudéssemos estar hoje aqui reunidos!
Aymoré, através dos seus textos, num estilo leve e envolvente, revela usos e costumes dos moradores entre as décadas de 1950-60, suas crenças, superstições, seus mitos, seu linguajar e até seus pequenos vícios e cacoetes e as tarefas miúdas que lhes possibilitava a sua sobrevivência.
No mais são historietas que têm como personagem central o nosso pai, José Paulo Alvim, falecido há sessenta anos, mas que ainda é o referencial que serviu de paradigma para definir e orientar nossas vidas. Aymoré optou por um tom brejeiro, pela graça, às vezes sutilmente marota, captando o humor fino e espirituoso com que papai se dirigia aos seus fregueses-amigos, ensinando-lhes através de metáforas, para não ferir-lhes a suscetibilidade, rudimentos antropológicos que lhes tornassem menos sofridas as agruras do seu dia-a-dia. Esse foi o tributo de suor, lágrimas e às vezes sangue imposto aos nossos antepassados, para permitir e assegurar-nos a posse da terra, possibilitando-nos uma vida mais tranquila, sem grandes atropelos e sacrifícios.
Confinado na farmácia, quando não estava na escola ou preparando tarefas escolares, Aymoré, geralmente de castigo por alguma traquinagem ajudava na arrumação dos frascos de medicamentos nas estantes, empacotando ervas medicinais que eram vendidas a retalho, não perdendo um só dos diálogos mantidos por papai com os seus caboclos, como carinhosamente ele tratava os fregueses do interior, quando vinham pedir-lhes um conselho para os seus problemas pessoais, um lenitivo para seus males físicos.
Atento, orelhas em pé, ouvidos aguçados Aymoré não perdia uma só palavra e depois de mais de sessenta anos ele resgata das brumas do olvido o teor daquelas consultas ipsi litteris e as recomendações de papai, principalmente a dieta à base de galinha, para suprir o déficit protéico, causado pelas constantes verminoses e o repouso necessário ao corpo cansado, proibindo-os de olhar mato verde.
Esse era Seu ZéAlvim, grande figura que soube em terra estranha superar as dificuldades iniciais e vencer preconceitos, tornando-se tão autenticamente nativo como se houvera ali nascido, sábio em seu saber de experiência feito, conhecedor das misérias humanas, físicas, materiais e morais, aconselhando, orientando e cuidando daquela gente que aprendeu a amá-lo e a respeitá-lo e a quem ele se afeiçoou. Nós, os seus filhos, o reverenciamos até hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário