Marita Lobato
Gonçalves *
Era uma cálida tarde de verão em Pinheiro. Sentadas à
porta da Pharmácia da Paz, Inez e eu conversávamos sobre amenidades.
Tendo sido, na adolescência, afilhada da minha mãe (que Inez chamava
madrinha Carmen) essa fora a senha com a qual, desde sempre, nos
aproximamos e desenvolvemos, a partir dos anos 50, uma amizade de
família.
Recém casada e chegada há pouco tempo na cidade, nesses
nossos constantes encontros eu quase só ouvia, sem deixar de extasiar-me
com o colorido que ela dava aos relatos e detalhes de sua privilegiada
memória.
Os filhos de Inez já estudavam na capital e ela me
falava muito do passado: dos seus pais, da amizade com a minha mãe e
tias, do seu primeiro casamento, do nascimento dos filhos.
O
primeiro banho de Aymoré fora dado por seu pai, o farmacêutico José
Paulo Alvim em uma enorme bacia de porcelana verde (que eu conheci)
onde, junto às ervas aromáticas, alecrim e alfazema, foram colocadas
moedas de prata (de ouro, também?), costume difundido naquela época que
preconizava riqueza, fortuna, felicidade.
O tempo passou...
Pinheiro
amanhecera banhada de neblina que encobria com sua fina camada de tule
os relevos das ruas e casas, amaciando as sombras da noite. De repente
um sol radioso e lindo surge no horizonte, lá para as bandas do oiteiro
Peito de Moça, tingindo de dourado os lugares que ele acabara de tocar
com os seus raios resplandecentes.
Inez conta que mal dormira na
noite anterior. O acontecimento que iria desenrolar-se em sua casa,
dentro de vinte e quatro horas, havia lhe tirado o sono. Formado, seu
filho mais velho, estava voltando para casa. Nossas famílias
entrelaçadas por fortes laços de admiração e amizade deram-me respaldo
para colocar-me à disposição para o que fosse preciso. Moema, com a
tenacidade que lhe é peculiar, estava fazendo pós-graduação no Rio de
Janeiro, projetando o seu lugar ao sol. Inez sentia-se sozinha. Casada
em segundas núpcias com o poeta Abílio da Silva Loureiro, grande
companheiro não possuía, como o primeiro, o dom de resolver com maestria
todas as providências a serem tomadas no lar. Eram essas as
preocupações de Inez. O que fazer? Como fazer? Por onde começar?
Foi
aí que entrei em cena. Sabia que o coração daquela mãe estava vibrando
de felicidade. Há alguns anos levara pelas mãos um adolescente para
estudar em São Luís. Formado, estava voltando. Congratulei-me com ela e
lhe prometi transformar a sua casa num ambiente acolhedor e festivo,
para um filho especial.
E assim pus mãos à obra!
Abrí
buffets, cristaleira, petisqueiro, guarda-louças. De dentro foram
surgindo belíssimas peças de prata, porcelana e cristal que, depois de
lavadas, faiscavam irisadas. Com ela fui dando um toque de arte e beleza
nos móveis e nas salas, antes sem graça e quase tristes. Nos vasos e
cachê pots os arranjos de flores foram surgindo, dando à casa alegria,
beleza e o colorido que transparecia dos corações de toda a família. Dos
baús e das arcas de cedro foram retiradas colchas e lençóis de linho e
percal que íamos cobrindo as camas de todos os aposentos.
Na
tosca cozinha o velho fogão de lenha impunha-se altivo, cercado de
fogareiros onde fumegavam iguarias da época: galinhas ao molho pardo,
torta de miúdos, pernil e farofa, além da panela de bagrinhos, carro
chefe das gostosuras da cozinha pinheirense.
Na sala de jantar a
mesa coberta com uma toalha bordada de richelieu expunha as louças,
copos de cristal, talheres guardados para ocasiões especiais. Tudo ficou
incrivelmente lindo!
Aymoré saira de Pinheiro, ainda garoto de
calças curtas, tímido e de olhar cheio de curiosidade, receio e
expectativa, retornando com porte de cavalheiro, esbelto, ainda tímido,
mas com um sorriso com misto de charme e sinceridade. O jovem de ontem
voltou vestido de branco. É um médico! Inez é a personificação da
felicidade e do orgulho, pois seu filho foi o primeiro a formar-se na
família Castro. Mas...Aymoré não viera sozinho. Ao seu lado uma linda
mulher de belo sorriso e com uns olhos encantadoramente brilhantes.
Também era médica. Maria Augusta Brahuna que marcaria presença em toda a
sua vida. Foram felizes sempre, mas partiu primeiro. Agora é um anjo.
Se o Sr. Zé Alvim fosse vivo, pensaria filosoficamente, como sempre pensou:
“As
ervas perfumadas e as moedas de prata e ouro que coloquei no banho
deste menino, deram-lhe a ventura da inteligência, a felicidade de ser
um homem correto e a riqueza da integridade do seu caráter.”
* Membro fundador da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC)
Excelente texto!
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