O murici é o fruto do muricizeiro, planta da Família das Malpighiaceae, com várias espécies, dentre as quais cem a duzentas já descritas. Dessas as mais conhecidas são: Byrsonima basiloga, B. verbascifolia, B. crassifólia, B. sericea, B. lancifolia, B.gardneriana.
Apesar da sua importância botânica,
seu potencial econômico e seu papel no desenvolvimento regional, essa fruta é
pouco pesquisada entre nós. Conhecida pelos silvícolas muito antes da chegada
dos portugueses, o murici, em tupi–guarani moriciba
que significa árvore pequena ou mborici – fruto doce. A primeira
referência a ela foi feita em 1570 pelo Padre Gabriel Soares de Souza; no
século seguinte, já denominada murici, foi considerada nativa no Maranhão e
desenhada por Frei Cristóvão de Lisboa que aqui viveu entre 1624-1635: “Murici
é árvore de dez ou doze palmos de altura e tem a fruta como cereja, toda
amarela; e há-as ao longo do mar, as folhas são de um verde pardo e as flores
amarelas, e há muita quantidade, e os negros vão a eles como nós fazemos com as
cerejas”. Mais tarde, no início do século XIX (1826) Frei Francisco de N. Sra.
dos Prazeres Maranhão deixou a seguinte descrição:” árvore pequena, que produz
uma espécie de ginja amarela.”
O muricizeiro mede de 6 a 16 m.; suas folhas são rígidas, coriáceas, simples, alternadas, longas e lanceoladas e chegam a
medir 13cm de comprimento, cobertas de pelos ou lisas na parte superior,
enquanto na inferior são pubescentes; tronco tortuoso, geralmente com nós;
raízes profundas, desenvolvendo-se em
solos arenosos ou argilo-arenosos com boa drenagem. As flores em número de 15 a
35 são dispostas em cachos e podem ser brancas, amarelas ou vermelhas,
dependendo da espécie. A polinização cruzada é feita por abelhas,
principalmente do gênero Apis que
procuram no muricizeiro não só o pólen, néctar, resinas e aromas, mas lipídio
floral, armazenado nas glândulas visíveis do cálice das flores. Também serve de
abrigo para o acasalamento e marcação de
território.
São espécies de clima quente e úmido,
encontradas nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Bahia, Goiás, Minas
Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Tocantins e Distrito Federal.
Nas regiões Norte e Nordeste são frequentes na faixa litorânea de praticamente
todos os estados, principalmente do Ceará ao Acre.
Os frutos são drupas arredondadas
com 1,50 a 2,00cm de diâmetro, travosos quando verdes, tornando-se amarelos e
doces quando amadurecem; polpa carnosa, translúcida, de cheiro e gosto muito
ativos. Sementes grandes. A fruta recebe várias denominações de acordo com a
região: murici do campo, da chapada, da mata, da capoeira, da serra, do brejo,
da praia.
O sabor agridoce é intenso com cheiro característico; ácida
e oleosa podendo ser comida in natura
ou consumida sob a forma de sucos, sorvetes, doces, geleias, licores, conservas de pimenta. Usada, também,
para aromatizar aguardente.
Planta nativa do bioma Cerrado, pode,
ser encontrada em outros biomas como em tabuleiros da Mata, apresentando uma variedade de espécies distribuídas em ecossistemas
diferentes, em função das variações edáficas que se traduzem na cor e tamanho dos frutos e das sementes e
locais de ocorrência. O muricizeiro é um
dos vegetais que mais sofre com a degradação ambiental, devida ao processo
acelerado de ocupação agrícola, aliada à exploração extrativista e predatória.
O seu cultivo racional vem sendo realizado no Pará e no Maranhão pareada
com a criação de abelhas, para obtenção
de mel mais puro e livre dos resíduos de agrotóxicos. Essas abelhas são
importantes no ciclo de vida do muricizeiro.
Floresce entre os meses de agosto e
novembro e a maturação se completa em dezembro.
A espécie encontrada no Norte e
Nordeste, é B. crassifólia, com espécimes de até
5m, tronco cilíndrico, casca
escura e áspera, copa estreita. Galhos frágeis sustentando as folhas ovais,
simples e opostas, inicialmente avermelhadas depois passando para verde-escuro.
Flores branco-rosadas, formando inflorescência; hermafroditas, auto-férteis e
emitidas na extremidade dos ramos. Frutifica
quatro anos após o planto.
B. verbascifolia é típica do Cerrado e suas folhas são largas e duras.
B. sericea é encontrada no leste de Minas
Gerais, em terrenos úmidos, próximos a rios e lagos. Seus frutos são pequenos
(0,8cm) e continuam verdes mesmo quando maduros.
B. gardneriana, também chamada murici-pitanga é prevalente em tabuleiros da Mata.
B. lancifolia, “moreciba-guassu” que em guaraní significa bebida resinosa. Encontrado
na Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul.
VALOR ALIMENTÍCIO
Decorre dos altos teores de proteínas, fibras, Vit.
B1, B2 e niacina, Vit. C e sais minerais como cálcio, fósforo e ferro, tendo já
despertado o interesse de indústrias alimentícias internacionais.
Quando dessecadas, sob a forma de
passas, perdem 25% de umidade e o seu valor energético triplica em proteínas,
carboidratos, lipídeos e fibras.
USO NA INDÚSTRIA E NA
MEDICINA POPULAR
A madeira amarelada ou avermelhada pode ser utilizada na
construção civil. A casca, rica em tanino (15 a 20%) é usada para curtir
couros. O muricizeiro pode ser empregado em projetos de arborização, sendo uma
das plantas consideradas pelos ecólogos na recomposição da degradação
ambiental.
Os principais princípios ativos são:
tanino, pigmentos, gordura e fitosteróis que lhe conferem propriedades
anti-inflamatórias e anti-oxidantes. O óleo floral é um recurso rico em energia.
Em medicina popular o chá das folhas
é utilizado para afecções da boca como
gengivite, amigdalite, faringite. Em banhos de assento, o decocto das folhas é
empregado em caso de hemorróidas.
A casca, por ser adstringente é
usada como anti-térmica e no combate à tosse e bronquite. Laxante leve quando
consumida com açúcar. Por sua adstringência é indicada como protetor da mucosa
intestinal.
CURIOSIDADES
Conhecido em vários Estados, o
murici dá nome a cidades, cursos dágua, bandas de forró, sendo até nome de
Família. Em Alagoas o Festival da Natureza no município de Murici é muito
afamado.
Em sua obra magistral – Os Sertões –
Euclides da Cunha, no relato da Guerra dos Canudos, atribui ao Cel. Pedro
Tamarindo, que abandonara a coluna
liderada pelo Cel. Moreira César, abatido em pleno combate, a expressão: “É tempo
de murici cada um cuide
de si.” A expedição do Cel. Moreira César, a terceira enviada para
combater os seguidores de Antônio Conselheiro, não tinha planos táticos, assim
como era falha em organização e equipamentos. Após ser alvejado mortalmente
houve a debandada geral da tropa que ficara sob o comando do Cel. Tamarindo, lugar-tenente
da tropa, embora inadequado ao posto.
Sem ter forças pra arregimentar a tropa chegou a abandonar o corpo do seu
comandante à beira da estrada.
“Mais tarde arrependido volveu à
retaguarda, agitando-se destemeroso e infatigável entre os fugitivos,
penitenciando-se heroicamente na hora da catástrofe, da tibieza anterior, ao
deparar com aquele quadro estupendo, procurou debalde socorrer os únicos
soldados que tinham ido a Canudos. Neste pressuposto, ordenou toques repetidos
de “meia volta, alto”. As notas das cornetas, convulsivas, emitidas pelos
corneteiros sem fôlego, vibraram inutilmente. Ou melhor, aceleraram a fuga.
Naquela desordem só havia uma determinação possível: debandar.”
“Debalde alguns oficiais indignados,
engatilharam revólveres ao peito dos foragidos. Não havia como contê-los.
Passavam; corriam; corriam doidamente; corriam dos oficiais; corriam dos
jagunços e ao verem aqueles, que eram de preferência alvejados pelos últimos,
caírem malferidos, não se comoviam”. E o Cel. Tamarindo? “Logo adiante, na
ocasião em que transpunha a galope o córrego do Angico, o Coronel foi
precipitado do cavalo por uma bala. Antes de morrer, no entanto, deu uma última
ordem: “procurem o Cunha Matos”. Após
sua morte, teve o seu corpo empalado e erguido num galho seco de angico,
oscilando ao vento, onde permaneceu longo tempo.
Assim foi anulada, dispersa,
desaparecida a terceira expedição, permanecendo desse episódio a célebre frase,
atualmente transformada em Lei do Murici.
LEI DO MURICI
Muito praticada nos dias atuais, por
todos nós, que na correria do dia a dia, arrumamos mil desculpas para não olhar
para o lado e estender a mão aos nossos irmãos carentes. Estamos sempre
preocupados com nossos problemas, com o nosso bem-estar e da nossa família, cultivando
o egoísmo. Cada indivíduo se volta para si, sem preocupar-se com o próximo, isolando-se
cada vez mais, esquecendo-se do mundo
que o rodeia, criando uma sociedade individualista.
A Lei do Muricí
tem a sua explicação desde o século XVIII, na teoria enunciada pelo filósofo francês Etienne Bonnot
Condillac (1715-1780) em seu Tratado
das Sensações, publicado em 1754, através do qual ele defende que todas
as ideias provém dos sentidos. Explica, também, que o prazer ou o sofrimento
ocupam a nossa capacidade de sentir, produzindo a atenção de onde se forma a
memória e o juízo: os seres vivos desenvolvem a teoria de que a sensação é a
única forma de vida e que sempre escolhemos o melhor para nós, o que mais nos
agrada fazer, concorrendo assim, para
maximizar o prazer e minimizar a dor. Entretanto nem sempre essas
escolhas são feitas de modo racional.
Condillac, abade e preceptor do
Infante Fernando de Parma (filho de Luiz XV), era membro das Academias Francesa e Alemã. Foi amigo de
Diderot, Rousseau e Duclos, tendo sido discípulo de Bacon e de Locke.
Com efeito, é o que fazemos quando
desejamos algo, achando que o gozo de um bem nos é necessário. Logo a nossa
reflexão se ocupa unicamente do que nos dá prazer. O desejo não é, pois, senão
a ação das próprias faculdades de atribuir ao entendimento e que estando
determinado em direção a um objeto pela inquietude que causa sua privação,
também, a ação das faculdades do corpo. Assim, se do desejo nascem as paixões,
o amor, o ódio, a esperança, o medo, a vontade, esses sentimentos nada mais são
senão a transformação das sensações.
E comandados, inconscientemente por esse
pressuposto, nos tornamos cada vez mais egoístas, insensíveis, hedonistas, e menos
solidários e compassivos, fazendo valer a Lei
do Murici:Ӄ tempo de murici, cada um cuide
de si”.
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beleza Moema, agora, em tempo de murici..... , vemos todos os dias no trabalho, Parabéns pelo belo e oportunas colocações .
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