MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A FAVEIRA E OS PEIXES DE PINHEIRO


                                                I - A  FAVEIRA

Certo domingo, provavelmente início de 1958, aceitei um convite feito, reiteradas vezes, pelas filhas do sr. Raimundo Corrêa (Raimundo Socó), para um passeio, seguido de um banho na Faveira. Maria Helena, Noquinha , Maria Célia e Maria Isabel  eram sobrinhas de Carlos Corrêa Júnior, o Carrinho, com quem estava de namoro, através de um romance, por correspondência, pois ele fora para o Rio, concluir seus  estudos.






O passeio seria depois da Missa das 8:00h após o que nos reunimos em casa da família Corrêa, um bonito sobrado ao lado de um  mais antigo do seu avô, situado  na esquina da Praça Pe. Newton Pereira (Praça da Matriz) com a Rua Diogo dos Reis. Essa rua, provavelmente aberta pelos primeiros povoadores, é uma das mais antigas da cidade e liga o Bairro da Matriz ao Centro. Já encontrei à minha espera toda a turma, que na ausência do tio ficara me dando assistência; também  Norinha e Orzinete, suas primas pelo lado materno, Agnaldo Reis e Maria Alzira, vizinhos. Lanche pronto, seguimos cantando alegremente pela rua Santo Inácio, passando pelas casas de d. Cotinha Pereira, tia do Pe. Newton; d. Alice Durans;  sr. José Costa; família Cardozo e Silva;  seu Adão Amorim, pai de muitos filhos dentre os quais as professoras Cici e Nenen; sr. Severino que fabricava  foguetes e balões, também com numerosa prole, dando à Igreja os padres Geraldo e Almir; d. Galiana responsável pelos festejos do Divino; Rafael Moraes que era tipógrafo do nosso Cidade de Pinheiro; Urbano, pescador; em direção à Faveira. Claro que não havia pedido permissão para  mamãe. Banhos em rios, lagos, açudes, tanques  e mais tarde praia eram vedados aos filhos de d. Inez, que perdera, em naufrágio, a irmã caçula de apenas 17 anos. Até hoje não sabemos nadar, embora dois irmãos tenham piscina em casa e eu já morei em condomínio fechado com bonita área de lazer e uma piscina quase olímpica. Também morei numa cobertura com piscina exclusiva, porém sequer molhei os pés em suas águas.

Cantando e rindo, contando graçolas chegamos à beira da Faveira, onde acampamos, isto é, estendemos as toalhas sobre o capim e pusemos  o nosso farnel : frango frito com farofa, frutas, sucos, colheres, pratos e copos. Após trocar de roupa as meninas caíram na água, brincando  entre si, mergulhando, dando baldes uma nas outras, enquanto eu ficara só apreciando. Num determinado momento, lembraram-se que  eu era a  convidada de honra, devendo portanto, entrar  nas águas da Faveira.  Não prestou. Protestando, troquei de roupa e fui devagarinho e com muito cuidado até a beiradinha da água. Trouxeram-me um tronco de bananeira no qual montei e, após algumas instruções jogaram-me naquele mundo de água. Ainda esforcei-me para manter-me à tona, equilibrada na montaria, batendo pernas e braços, respirando, tentando nadar, mas nada. Lembro-me apenas ter ficado no escuro, debaixo de toneladas de água. Com a ajuda de todos fui içada, aterrorizada, tossindo e expelindo água, com os olhos esbugalhado  de susto e medo. Essa foi a primeira e única vez que tentei entrar nas águas do Pericumã.
A Faveira é um dos pontos turísticos de Pinheiro, democratizando a população, nivelando ricos e pobres, pois todos  alimentam-se dos peixes criados em suas águas. Usada também,  para recreação em banhos, piqueniques e nas últimas décadas, com restaurantes e bares, instalados em suas margens.  No ponto mais largo deve chegar a uns 25 metros, porém é profundo, tendo tragado, em suas águas, muitos pescadores e jovens afoitos que apostavam a travessia nos  domingos e feriados. Seu nome deriva de várias árvores da família das Leguminosas, produtoras de favas ou vagens, encontradas em suas margens. Os moradores de Pinheiro dizem que a Faveira  é um braço do Rio Pericumã; na realidade é um dos muitos lagos que alimentam, com suas águas e peixes, aquele rio, tais como o Laguinho, Cafundoca, Lago Grande e outros.
De manhã cedinho, antes da reforma do Mercado Central e da proliferação de feiras criadas à medida  em que a cidade se desenvolvia, os chefes de família e o povo em geral,  com seus cofinhos e cestas, iam  para a beira da Faveira esperar a chegada dos pescadores com o produto de sua faina, comprando-os fresquinhos. O tio Paulo Castro comprava para toda a sua família, além das irmãs e cunhadas.
                                                                  
          
IIOS PEIXES

Aqui no Maranhão o primeiro estudioso a descrever e desenhar os nossos peixes foi Frei Cristóvão de Lisboa (1624-1631): jeju, acará, traira, bagre, jandiá, piau e outros conhecidos à época por outros nomes. Os capuchinhos Yves dÉvreux e Claude dÁbbeville, que estiveram  aqui na Ilha com a esquadra de Daniel de La Touche, entre 1612-1615, falam sobre os nossos peixes e como os índios preparavam-nos. A maioria dos peixes é conhecida, até hoje, pela nomenclatura tupi, com base em seu aspecto exterior e local de nidificação e criação.
Nos dias atuais os peixes mais comuns são: traira, jeju, cabeça gorda, piaba, acará, jandiá, cascudo  e piranha. Numa boa pescaria consegue-se obter pirapemas, usando os currais de pesca, pois são espécies da água salgada que procuram os igarapés para fazerem a postura. Os surubins, mais raros, são os preferidos assim como os curimatás, que chegam a medir  50cm, e que podem, também ser encontradas em água doce
Os peixes maiores, em décadas anteriores, eram vendidos em cambadas, de dúzia ou meia-dúzia; os menores, em pratadas. Além dessas vendas na beira do rio, muitos pescadores vendiam em domicílio.
Os bagres, fisgados com anzóis, à noite, atendiam encomendas feitas pelo pessoal de maior poder aquisitivo, para as famosas ceias de bagres. Antes desdenhados, chamados de anojados,  passaram a integrar, a partir da década de 1960, o cardápio pinheirense, até em dias de festas. Esse costume fora instituído por Nhô  Di e Edésio Castro, mais tarde estendido a dr. Arruda, Ubaldo Pimenta, ZéMaria Gonçalves, João Campos, Evilásio e os bancários recém-chegados na cidade, principalmente Luciano Chaves,  para trabalhar nas agências do Banco do Brasil e do Banco do Maranhão, instalados por volta de 1963.
Na cidade de Pinheiro, 90% do pescado consumido é retirado das águas do Pericumã. Os restantes 10%  são provenientes de tanques e açudes, do Lago Turí (bacia do Rio Turiaçu) e de Cururupu; estes de água salgada, que fornecem, também os crustáceos vendidos em mercados e feiras.                                           
                     III - ISCAS E TIPOS DE PESCARIA

Para a captura de peixes, os pescadores usam, ainda, os métodos primitivos dos índios:  tarrafas, anzóis, caniços, tapagens ou currais, puçás ou socós. As tapagens são proibidas na época da piracema, pois prejudicam a reprodução. As iscas usadas nos anzóis variam de uma espécie pra outra. As mais comuns são: minhocas, bichos de coco (larvas de insetos encontradas em tucuns),pedaços de peixes sem grande valor econômico.  Alguns pescadores usam bolotas de angu, cupinzeiros e até insetos.
Atualmente os peixes ficaram escassos, após a introdução de espécies alienígenas como as tilápias, importadas do continente africano, como fonte de proteínas; reproduzem-se, no entanto,  em proporção geométrica em relação às demais espécies; por sua grande voracidade destroem o plâncton, competindo biologicamente com as espécies nativas, deslocando-as. Também o tambaqui trazido da Amazônia, para criação em tanques e lagos e servir de alimentação à população carente, é responsável pela redução do nosso pescado. Não se reproduzem em cativeiro, sendo os alevinos conseguidos em laboratório. Alguns espécimes chegam a pesar entre 10-12kg  e se alimentam dos peixes menores.  Criados em ambientes fechados, na época das grandes chuvas, há o extravasamento das águas levando-os  para os rios, lagos naturais e campos, milhares de  predadoras das espécies nativas.


                 IVMODOS DE PREPARAR OS PEIXES

Os peixes consumidos pela população eram preparados  da mesma maneira, dependendo da espécie: bagrinho,  jandiá, acará, cabeça-gorda, cascudo, piranha,  cozidos  com arroz e farinha seca, pura ou em pirão; jeju e traira podiam ser cozidos, fritos no azeite de coco, à escabeche, moqueados, assados na brasa, assim como o surubim e a pirapema. As piabas, excelentes quando cozidas, podem ser fritas ou assadas no espeto, servindo  como tira-gosto. A traira ou tarira tem o seu valor duplicado quando dessecada,  tornando-se mais fácil de ser transportada. É a famosa jabiraca que ultimamente alcança preços superiores aos do bacalhau de terceira. Presta-se para variados pratos, desfiada para tortas, moquecas; assada para acompanhar juçara saboreada com farinha seca ou dágua; ou frita acompanhada  por escaldado, tiquara ou chibé.
Os temperos indispensáveis para os peixes cozidos são: cebolinha, cheiro verde ou coentro, salsinha, limão, sal e pimenta de cheiro.
                              
                                                                  
                                                     

                                         V -  O  RIO PERICUMÃ


É o rio mais importante da Baixada Maranhense. As suas nascentes foram localizadas num complexo de pequenos lagos e na Lagoa Burigiativa, no município de Pedro do Rosário. Após percorrer uma extensão entre 110 e 115 km, deságua na Baia de Cumã, em frente à cidade de Guimarães. Sua bacia ocupa uma área de 4.500 Km2, que drena 3.888,55km2, abrangendo  os municípios de Pedro do Rosário, Pinheiro, Perimirim. Outros municípios como São Vicente Férrer, Olinda Nova, Matinha, Presidente Sarney, Viana, são influenciados, à montante, por suas águas represadas pela Barragem do Pericumã e à jusante, os municípios de Mirinzal, Central do Maranhão, Bequimão e Guimarães. Referida barragem fora construída pelo DNOS, para minimizar a penetração de água salina, tentada no passado, por tapagens de pindoba, feitas anualmente. Também para facilitar a navegação, propiciando, outrossim, a viabilidade de projetos de irrigação e de psicultura, nas margens ribeirinhas.
A Baixada estende-se por 20.000km2 nos baixos cursos dos rios Pindaré e Mearim e médios e baixos cursos do Aurá e Pericumã. Essa região apresenta um expressivo conjunto de lagos e lagoas, formando a maior bacia lacustre da Região Nordeste. Nesse bioma com ecossistemas diversificados das regiões de campos, matas, cerrados e litoral, forma-se um ecótopo ideal para refúgio de aves  aquáticas que interagem  com os peixes e a flora aquática. De primordial importância para as aves residentes  como garças, jaburu, carão, anu, jacu, mutum, marreca, socó, pirulico, biguá, paturi; também as migratórias como jaçanãs, maçaricos e japeçocas. Também são encontrados jacarés, capiningas, capivaras, lontras, cobras, cangaparas.
Nas regiões próximas aos igarapés são encontrados crustáceos como caranguejos, siris, camarão; também sururu, sarnambi e ostra do mangue, do grupo dos moluscos e outras formas de vida, nocivas, como os caramujos transmissores da esquistossomose.
Na época das grandes chuvas, nos primeiros meses do ano,  as águas dos lagos, rios, riachos extravasam e inundam  os campos, oportunizando um ambiente lêntico, onde se desenvolvem  plantas como o mururu, aguapé, algodão  da água, mata-pasto, jeniparana, aninga.Atualmente essa região  constitui uma Área de Proteção Ambiental, protegida por lei, sendo proibida a caça de pernaltas e palmípedes e a pesca no período da piracema.
O Rio Pericumã teve uma grande importância sócio-econômica e cultural, pois foi através dele que chegaram os primeiros povoadores de Pinheiro. Possivelmente os franceses foram os primeiros a navegá-lo, a caminho das aldeias de Cumã e Tapuitapera, na busca de uma rota mais adequada, que os levasse à floresta amazônica, o que lhes daria acesso às minas de prata do Peru, descobertas pelos espanhóis.
O progresso chegou a Pinheiro através dessa via líquida por onde entravam mercadorias  e saiam os peixes, aves aquáticas, peles de animais, farinha de mandioca e outros produtos agrícolas usados como moeda, desde a época do escambo, no fim do período colonial e por toda a monarquia.
No período republicano, chegaram os primeiros estrangeiros: descendentes de sírio-libaneses e portugueses, assim como as primeiras autoridades: juízes, sacerdotes, coletores de imposto, fiscais; também  o prelo para editar o jornal “Cidade de Pinheiro” e o motor que durante muito tempo forneceu energia à nossa cidade.

Este texto não tem a pretensão de ser um trabalho de pesquisa, sequer suprir a falta de informações sobre o tema. Não há qualquer interesse de ordem científica, geo-econômica, nem sobre técnicas de pescaria e modos de preparar  peixes. Trata-se, tão-somente de uma crônica saudosista quando o pescado era farto, suprindo o déficit proteico daquela população, antes da poluição das águas do Pericumã  e da invasão desenfreada dos campos que circundam a cidade de Pinheiro, aterrando-os e causando desequilíbrios ecológicos, de grande repercussão, como redução da fauna ictiológica e mortandade de peixes. 



8 comentários:

  1. Moema, és uma grande historiadora, Ainda não publicaste um livro?
    Lendo estes textos retornei ao tempo de infância, lembrei das ceias de bagre que eram raras lá p/ os meus lados,e eu nunca podia ver nada pq seria tarde da noite,e nessa época criança não ficava acordada até tarde.Achava aquilo
    tudo um grande mistério, morria de curiosidade, pq na minha cabeça de criança, comer peixe a noite era algo muito especial.

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    1. Graça, Grata, mas eu tento vender livros e sei como está difícil com a concorrência da Internet.Prefiro publicar no meu Blog que atinge milhares de pessoas no mundo inteiro. Mais de14 mil pessoas visitaram o meu Blog. Se esses textos estivessem em livro, quantos teria vendido?

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  2. Maravilha! A amiga Moema sempre nos levando a imaginar essas cenas e cenários bucólicos, quando a natureza rica e abundante ainda não era vitima do "progresso" humano. Mergulhei fundo na imaginação, e tomei banho nesse rio, e comi desses peixes... Feliz o escritor que consegue suscitar em nós o prazer descrito no texto. Amanhã certamente comerei peixe no almoço!

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    1. Você sempre gentil, amiga. A Faveira pra nós, pinheirenses é uma instituição: motivo de orgulho! Mas os bares e restaurantes a estão poluindo. Grata, querida!

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  3. Muito interessante o texto sobre a faveira, os peixes e o rio...

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  4. Parabéns pelos seus textos foram importantes para terminar minha monografia, mais gostaria de saber se vc teria algumas informações sobre o colégio Dr. Pedro Lobato, a fundação do seu bairro e sobre a praça onde ele esta situado.

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  5. Me chamo Hérica Castro

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  6. Gostei muito do texto

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