I - A FAVEIRA
Certo domingo, provavelmente início
de 1958, aceitei um convite feito, reiteradas vezes, pelas filhas do sr.
Raimundo Corrêa (Raimundo Socó), para um passeio, seguido de um banho na Faveira. Maria Helena, Noquinha , Maria
Célia e Maria Isabel eram sobrinhas de
Carlos Corrêa Júnior, o Carrinho, com quem estava de namoro, através de um romance,
por correspondência, pois ele fora para o Rio, concluir seus estudos.
O passeio seria depois da Missa das 8:00h após o que nos reunimos em casa da família Corrêa, um bonito sobrado ao lado de um mais antigo do seu avô, situado na esquina da Praça Pe. Newton Pereira (Praça da Matriz) com a Rua Diogo dos Reis. Essa rua, provavelmente aberta pelos primeiros povoadores, é uma das mais antigas da cidade e liga o Bairro da Matriz ao Centro. Já encontrei à minha espera toda a turma, que na ausência do tio ficara me dando assistência; também Norinha e Orzinete, suas primas pelo lado materno, Agnaldo Reis e Maria Alzira, vizinhos. Lanche pronto, seguimos cantando alegremente pela rua Santo Inácio, passando pelas casas de d. Cotinha Pereira, tia do Pe. Newton; d. Alice Durans; sr. José Costa; família Cardozo e Silva; seu Adão Amorim, pai de muitos filhos dentre os quais as professoras Cici e Nenen; sr. Severino que fabricava foguetes e balões, também com numerosa prole, dando à Igreja os padres Geraldo e Almir; d. Galiana responsável pelos festejos do Divino; Rafael Moraes que era tipógrafo do nosso Cidade de Pinheiro; Urbano, pescador; em direção à Faveira. Claro que não havia pedido permissão para mamãe. Banhos em rios, lagos, açudes, tanques e mais tarde praia eram vedados aos filhos de d. Inez, que perdera, em naufrágio, a irmã caçula de apenas 17 anos. Até hoje não sabemos nadar, embora dois irmãos tenham piscina em casa e eu já morei em condomínio fechado com bonita área de lazer e uma piscina quase olímpica. Também morei numa cobertura com piscina exclusiva, porém sequer molhei os pés em suas águas.
Cantando e rindo, contando graçolas chegamos à beira da Faveira, onde acampamos, isto é, estendemos as toalhas sobre o capim e pusemos o nosso farnel : frango frito com farofa, frutas, sucos, colheres, pratos e copos. Após trocar de roupa as meninas caíram na água, brincando entre si, mergulhando, dando baldes uma nas outras, enquanto eu ficara só apreciando. Num determinado momento, lembraram-se que eu era a convidada de honra, devendo portanto, entrar nas águas da Faveira. Não prestou. Protestando, troquei de roupa e fui devagarinho e com muito cuidado até a beiradinha da água. Trouxeram-me um tronco de bananeira no qual montei e, após algumas instruções jogaram-me naquele mundo de água. Ainda esforcei-me para manter-me à tona, equilibrada na montaria, batendo pernas e braços, respirando, tentando nadar, mas nada. Lembro-me apenas ter ficado no escuro, debaixo de toneladas de água. Com a ajuda de todos fui içada, aterrorizada, tossindo e expelindo água, com os olhos esbugalhado de susto e medo. Essa foi a primeira e única vez que tentei entrar nas águas do Pericumã.
A Faveira é um dos pontos turísticos de Pinheiro, democratizando a
população, nivelando ricos e pobres, pois todos alimentam-se dos peixes criados em suas águas.
Usada também, para recreação em banhos,
piqueniques e nas últimas décadas, com restaurantes e bares, instalados em suas
margens. No ponto mais largo deve chegar
a uns 25 metros, porém é profundo, tendo tragado, em suas águas, muitos
pescadores e jovens afoitos que apostavam a travessia nos domingos e feriados. Seu nome deriva de várias
árvores da família das Leguminosas, produtoras de favas ou vagens, encontradas
em suas margens. Os moradores de Pinheiro dizem que a Faveira é um braço do Rio
Pericumã; na realidade é um dos muitos lagos que alimentam, com suas águas e
peixes, aquele rio, tais como o Laguinho, Cafundoca, Lago Grande e outros.
De manhã cedinho, antes da reforma
do Mercado Central e da proliferação de feiras criadas à medida em que a cidade se desenvolvia, os chefes de
família e o povo em geral, com seus
cofinhos e cestas, iam para a beira da Faveira esperar a chegada dos
pescadores com o produto de sua faina, comprando-os fresquinhos. O tio Paulo Castro comprava para toda a
sua família, além das irmãs e cunhadas.
Aqui no Maranhão o primeiro
estudioso a descrever e desenhar os nossos peixes foi Frei Cristóvão de Lisboa
(1624-1631): jeju, acará, traira, bagre, jandiá, piau e outros conhecidos à
época por outros nomes. Os capuchinhos Yves dÉvreux e Claude dÁbbeville, que estiveram aqui na Ilha com a
esquadra de Daniel de La Touche, entre 1612-1615, falam sobre os nossos peixes
e como os índios preparavam-nos. A maioria dos peixes é conhecida, até hoje,
pela nomenclatura tupi, com base em seu aspecto exterior e local de nidificação e criação.
Nos dias atuais os peixes mais
comuns são: traira, jeju, cabeça gorda, piaba, acará, jandiá, cascudo e piranha. Numa boa pescaria consegue-se obter
pirapemas, usando os currais de pesca, pois são espécies da água salgada que
procuram os igarapés para fazerem a postura. Os surubins, mais raros, são os
preferidos assim como os curimatás, que chegam a medir 50cm, e que podem, também ser encontradas em
água doce
Os peixes maiores, em décadas
anteriores, eram vendidos em cambadas, de dúzia ou meia-dúzia; os menores, em
pratadas. Além dessas vendas na beira do rio, muitos pescadores vendiam em
domicílio.
Os bagres, fisgados com anzóis, à
noite, atendiam encomendas feitas pelo pessoal de maior poder aquisitivo, para
as famosas ceias de bagres. Antes desdenhados, chamados de anojados, passaram a integrar, a partir da década de
1960, o cardápio pinheirense, até em dias de festas. Esse costume fora
instituído por Nhô Di e Edésio Castro,
mais tarde estendido a dr. Arruda, Ubaldo Pimenta, ZéMaria Gonçalves, João Campos, Evilásio
e os bancários recém-chegados na cidade, principalmente Luciano Chaves, para trabalhar nas agências do Banco do
Brasil e do Banco do Maranhão, instalados por volta de 1963.
Na cidade de Pinheiro, 90% do
pescado consumido é retirado das águas do Pericumã. Os restantes 10% são provenientes de tanques e açudes, do Lago
Turí (bacia do Rio Turiaçu) e de Cururupu; estes de água salgada, que fornecem,
também os crustáceos vendidos em mercados e feiras.
III - ISCAS
E TIPOS DE PESCARIA
Para a captura de peixes, os pescadores
usam, ainda, os métodos primitivos dos índios: tarrafas, anzóis, caniços, tapagens ou
currais, puçás ou socós. As tapagens são proibidas na época da piracema, pois
prejudicam a reprodução. As iscas usadas nos anzóis variam de uma espécie pra
outra. As mais comuns são: minhocas, bichos de coco (larvas de insetos
encontradas em tucuns),pedaços de peixes sem grande valor econômico. Alguns pescadores usam bolotas de angu,
cupinzeiros e até insetos.
Atualmente os peixes ficaram
escassos, após a introdução de espécies alienígenas como as tilápias, importadas
do continente africano, como fonte de proteínas; reproduzem-se, no entanto, em proporção geométrica em relação às demais
espécies; por sua grande voracidade destroem o plâncton, competindo
biologicamente com as espécies nativas, deslocando-as. Também o tambaqui
trazido da Amazônia, para criação em tanques e lagos e servir de alimentação à
população carente, é responsável pela redução do nosso pescado. Não se
reproduzem em cativeiro, sendo os alevinos conseguidos em laboratório. Alguns
espécimes chegam a pesar entre 10-12kg e
se alimentam dos peixes menores. Criados
em ambientes fechados, na época das grandes chuvas, há o extravasamento das
águas levando-os para os rios, lagos
naturais e campos, milhares de predadoras das espécies nativas.
IV – MODOS DE PREPARAR OS PEIXES
Os peixes consumidos pela população
eram preparados da mesma maneira,
dependendo da espécie: bagrinho, jandiá,
acará, cabeça-gorda, cascudo, piranha, cozidos
com arroz e farinha seca, pura ou em pirão; jeju e traira podiam ser
cozidos, fritos no azeite de coco, à escabeche, moqueados, assados na brasa, assim como o
surubim e a pirapema. As piabas, excelentes quando cozidas, podem ser fritas ou
assadas no espeto, servindo como
tira-gosto. A traira ou tarira tem o seu valor duplicado quando dessecada, tornando-se mais fácil de ser transportada. É
a famosa jabiraca que ultimamente alcança preços superiores aos do bacalhau de terceira.
Presta-se para variados pratos, desfiada para tortas, moquecas; assada para
acompanhar juçara saboreada com farinha seca ou dágua; ou frita acompanhada por escaldado, tiquara ou chibé.
Os temperos indispensáveis para os
peixes cozidos são: cebolinha, cheiro verde ou coentro, salsinha, limão, sal e
pimenta de cheiro.
V - O RIO
PERICUMÃ
É o rio mais importante da Baixada
Maranhense. As suas nascentes foram localizadas num complexo de pequenos lagos
e na Lagoa Burigiativa, no município de Pedro do Rosário. Após percorrer uma
extensão entre 110 e 115 km, deságua na Baia de Cumã, em frente à cidade de
Guimarães. Sua bacia ocupa uma área de 4.500 Km2, que drena 3.888,55km2,
abrangendo os municípios de Pedro do
Rosário, Pinheiro, Perimirim. Outros municípios como São Vicente Férrer, Olinda
Nova, Matinha, Presidente Sarney, Viana, são influenciados, à montante, por
suas águas represadas pela Barragem do Pericumã e à jusante, os municípios de
Mirinzal, Central do Maranhão, Bequimão e Guimarães. Referida barragem fora
construída pelo DNOS, para minimizar a penetração de água salina, tentada no
passado, por tapagens de pindoba, feitas anualmente. Também para facilitar a
navegação, propiciando, outrossim, a viabilidade de projetos de irrigação e de psicultura,
nas margens ribeirinhas.
A Baixada estende-se por 20.000km2
nos baixos cursos dos rios Pindaré e Mearim e médios e baixos cursos do Aurá e
Pericumã. Essa região apresenta um expressivo conjunto de lagos e lagoas, formando
a maior bacia lacustre da Região Nordeste. Nesse bioma com ecossistemas
diversificados das regiões de campos, matas, cerrados e litoral, forma-se um
ecótopo ideal para refúgio de aves
aquáticas que interagem com os
peixes e a flora aquática. De primordial importância para as aves
residentes como garças, jaburu, carão,
anu, jacu, mutum, marreca, socó, pirulico, biguá, paturi; também as migratórias
como jaçanãs, maçaricos e japeçocas. Também são encontrados jacarés,
capiningas, capivaras, lontras, cobras, cangaparas.
Nas regiões próximas aos igarapés
são encontrados crustáceos como caranguejos, siris, camarão; também sururu,
sarnambi e ostra do mangue, do grupo dos moluscos e outras formas de vida,
nocivas, como os caramujos transmissores da esquistossomose.
Na época das grandes chuvas, nos
primeiros meses do ano, as águas dos
lagos, rios, riachos extravasam e inundam os campos, oportunizando um ambiente lêntico,
onde se desenvolvem plantas como o
mururu, aguapé, algodão da água,
mata-pasto, jeniparana, aninga.Atualmente essa região constitui uma Área de Proteção Ambiental, protegida por lei, sendo proibida a caça de pernaltas e palmípedes e a pesca no período da piracema.
O Rio Pericumã teve uma grande
importância sócio-econômica e cultural, pois foi através dele que chegaram os
primeiros povoadores de Pinheiro. Possivelmente os franceses foram os primeiros
a navegá-lo, a caminho das aldeias de Cumã e Tapuitapera, na busca de uma rota
mais adequada, que os levasse à floresta amazônica, o que lhes daria acesso às
minas de prata do Peru, descobertas pelos espanhóis.
O progresso chegou a Pinheiro
através dessa via líquida por onde entravam mercadorias e saiam os peixes, aves aquáticas, peles de animais, farinha de
mandioca e outros produtos agrícolas usados como moeda, desde a época do escambo,
no fim do período colonial e por toda a monarquia.
No período republicano, chegaram os
primeiros estrangeiros: descendentes de sírio-libaneses e portugueses, assim
como as primeiras autoridades: juízes, sacerdotes, coletores de imposto, fiscais; também o
prelo para editar o jornal “Cidade de Pinheiro” e o motor que durante muito
tempo forneceu energia à nossa cidade.
Este texto não tem a pretensão de
ser um trabalho de pesquisa, sequer suprir a falta de informações sobre o tema.
Não há qualquer interesse de ordem científica, geo-econômica, nem sobre
técnicas de pescaria e modos de preparar
peixes. Trata-se, tão-somente de uma crônica saudosista quando o pescado
era farto, suprindo o déficit proteico daquela população, antes da poluição das
águas do Pericumã e da invasão
desenfreada dos campos que circundam a cidade de Pinheiro, aterrando-os e
causando desequilíbrios ecológicos, de grande repercussão, como redução da
fauna ictiológica e mortandade de peixes.
Moema, és uma grande historiadora, Ainda não publicaste um livro?
ResponderExcluirLendo estes textos retornei ao tempo de infância, lembrei das ceias de bagre que eram raras lá p/ os meus lados,e eu nunca podia ver nada pq seria tarde da noite,e nessa época criança não ficava acordada até tarde.Achava aquilo
tudo um grande mistério, morria de curiosidade, pq na minha cabeça de criança, comer peixe a noite era algo muito especial.
Graça, Grata, mas eu tento vender livros e sei como está difícil com a concorrência da Internet.Prefiro publicar no meu Blog que atinge milhares de pessoas no mundo inteiro. Mais de14 mil pessoas visitaram o meu Blog. Se esses textos estivessem em livro, quantos teria vendido?
ExcluirMaravilha! A amiga Moema sempre nos levando a imaginar essas cenas e cenários bucólicos, quando a natureza rica e abundante ainda não era vitima do "progresso" humano. Mergulhei fundo na imaginação, e tomei banho nesse rio, e comi desses peixes... Feliz o escritor que consegue suscitar em nós o prazer descrito no texto. Amanhã certamente comerei peixe no almoço!
ResponderExcluirVocê sempre gentil, amiga. A Faveira pra nós, pinheirenses é uma instituição: motivo de orgulho! Mas os bares e restaurantes a estão poluindo. Grata, querida!
ExcluirMuito interessante o texto sobre a faveira, os peixes e o rio...
ResponderExcluirParabéns pelos seus textos foram importantes para terminar minha monografia, mais gostaria de saber se vc teria algumas informações sobre o colégio Dr. Pedro Lobato, a fundação do seu bairro e sobre a praça onde ele esta situado.
ResponderExcluirMe chamo Hérica Castro
ResponderExcluirGostei muito do texto
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