Sempre tive vontade de comer jabuticabas. Estudei com religiosas mineiras que falavam constantemente nessa fruta. Nas aulas de Desenho preferia temas que pudesse fazer à mão livre; nada de usar réguas, esquadros, compassos, nem desenhos geométricos, barras gregas. Desenhava regularmente as frutas impressas em cartazes, provavelmente adquiridos em Minas Gerais, como morangos, jabuticabas, marmelos, amoras, pêssegos, caquis, groselhas, cerejas, ameixas. Tornava-se difícil reproduzi-las fielmente como cajus, maçãs, cachos de uvas, bananas, atas, laranjas, tangerinas e outras as quais conhecíamos, sabíamos o seu tamanho, cor, textura das cascas e gosto.
Outrossim, alguns rapazes que
conheci do Rio e de Minas, à falta de atributos físicos para elogiar-me, diziam
que eu, entre as demais garotas da minha idade, se me pusessem de cabeça pra
baixo, sairia algo, ou seja eu tinha alguma bagagem cultural e rematavam os
comentários dizendo que meus olhos pareciam duas jabuticabas.
Algumas frutas tantas vezes reproduzidas nos meus
cadernos de desenhos conheci quando vim
estudar em São Luis, como peras e uvas. Outras, só no Rio, em 1965, fazendo
pós-graduação. Hospedei-me num apartamento no Leme, num edifício com entrada
pela Avenida Atlântica e pela Gustavo Sampaio e ao voltar das aulas, à tardinha,
preferia entrar por esta última, pois havia no térreo uma quitanda ou frutaria.
Nessa oportunidade conheci ameixas frescas pretas e avermelhadas, pêssegos,
caquis, morangos, nêsperas, figos e amoras, mas as jabuticabas quando perguntava o vendeiro me dizia que não
era a época. Quase todos os dias comprava duas ameixas, frutas das quais gostei
na primeira mordida. Já os caquis, pêssegos, figos, peras e demais frutas de
regiões temperadas não caíram bem no meu paladar.
Tão logo cheguei ao Rio comecei a
namorar com um colega de turma, que era mineiro, da Zona da Mata, e que vivia
suspirando pelas jabuticabas, acreditando que eu iria, também, curti-las. Certa
tarde, ao deixarmos o Departamento de Higiene e Saúde Pública onde fazíamos
pós-graduação em Análises Clínicas, na antiga Universidade do Brasil, situada no
cruzamento da Wenceslau Brás com a Avenida Pasteur, perto da Praia Vermelha , encontramos um
vendedor de frutas com o tabuleiro cheio de umas frutinhas pretas. Pronto, o
rapaz ficou eufórico, numa animação só e comprou logo um quilo, começando a
chupá-las na rua, sem lavá-las, ele que era altamente escrupuloso em relação à
higiene dos alimentos. Desconfiada, limpei algumas na blusa e experimentei-as,
sob o seu olhar atento. Mas que decepção: achei as frutinhas aguadas, sem
gosto, dispensando-as logo, para sua frustração.
O meu segundo encontro com as
jabuticabas deu-se cinco anos depois, em 1970, em Belo Horizonte, onde fazia o
Curso de Mestrado em Parasitologia na UFMG, que ainda funcionava em um prédio
relativamente pequeno, na Rua Alfredo de Balena, no centro da cidade,
pertencente à Faculdade de Medicina e cedido ao Instituto de Ciências Biológicas
(ICB). As aulas práticas eram dadas nos mais diversos locais: Faculdade de
Filosofia na Rua Carangola, no Museu de História Natural, no Instituto de
Pesquisas Renée Rachou, na Faculdade de Veterinária situada na Avenida Amazonas
onde aprendemos a dissecar camundongos,
hamsters, cães e até porcos. As aulas práticas de Entomologia foram dadas na
Fazenda Experimental da Universidade, a poucos quilômetros de Belo Horizonte,
onde pernoitamos, para capturar insetos de hábitos diurnos e noturnos. Por ocasião
das aulas sobre carrapatos fomos para uma fazenda do grupo Itaú, com uma bonita
casa-grande, ainda conservada e transformada em museu. Móveis de época,
prataria, cristais, porcelanas e outras alfaias eram expostas, com visitas monitoradas. Criavam bovinos equinos, caprinos
e suínos, além de possuírem uma granja grande e bem organizada. Nesse dia
estava um especialista fazendo a
triagem, por sexo, dos pintinhos de um dia, pelo exame da cloaca. Não sei como
se chamam esses técnicos, mas são raros
e bem pagos, com rendimento calculado por
unidade. Os espécimes machos era
vendidos para criadores, para ulterior abate, enquanto as fêmeas eram
mantidas para matrizes. O pomar era
maravilhoso com todas as espécies de fruteiras, mas o meu interesse foi despertado
pelos pés de tangerinas, carregados de frutas amarelinhas. Não resistí: comí à farta, pouco ligando para goiabeiras,
pereiras, marmeleiros, laranjeiras, caquizeiros e outras fruteiras. Os colegas mineiros deram
logo com uma jabuticabeira temporã, isto é, com frutificação fora da época,
cujo tronco e galhos estavam recobertos por
pequenas esferas pretas. Fizeram uma
festa e até eu acabei contagiada, comendo
algumas recém-colhidas, fresquinhas e não é que acabei gostando, confirmando o adágio mineiro de que
“ jabuticaba deve
chupar-se no pé”.
JABUTICABEIRAS E JABUTICABAS
Os primeiros registros dessa fruteira foram feitos por viajantes que passaram pelo Brasil em 1584 e 1594. Nativa da Mata Atlântica, principalmente da Zona da Mata, em Minas Gerais, pode ser encontrada em Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também foi encontrada nas serras de Ibiapaba e Baturité, no Ceará. Aqui em São Luis,o prof. Gualter, daUFMA, plantou um pé de jabuticaba, em seu sítio na zona rural, perto da Praia da Boa Viagem. Não sei se chegou a frutificar.
Planta da família das Myrtáceas (Myrciaria
cauliflora), perenifólia, higrófila,
alcança até dez metros de altura e seu tronco chega a medir 40 cm de diâmetro.
Bastante ramificada, folhas simples, só
frutifica vinte anos após o plantio,
embora, em certos pomares bem regados chega a frutificar entre dez e doze anos.
Na época da florada tronco e galhos
ficam revestidos de flores brancas que atraem grande número de aves e
insetos. Seus frutos grudados no tronco e galhos, são arredondados,
com 1,5 a 2,5cm de diâmetro e quando maduros ficam pretos. A sua polpa de cor
branca é mole e suculenta. Apresentam uma única semente e seu cultivo dá-se por disseminação, através
de aves. Essa característica de frutos ligados aos troncos é conhecida pelo
nome de caulifonia. O seu cultivo é difícil,
pois a semente deve ser separada da polpa e ser bem lavada antes do plantio, A
florada dá-se geralmente nos meses de julho a agosto ou novembro e dezembro com
frutificação nos meses de janeiro e fevereiro. Nesse período ocorre o já famoso
Festival da Jabuticaba em Sabará (MG).
Embora descrita desde 1820, as
jabuticabas eram conhecidos pelos índios desde tempos imemoriais pelos
nomes yawoti kawa e iapoti kaba, o que leva à confusão da sua grafia correta se jabuticaba ou
jaboticaba. Desde o período colonial passou a ser cultivada em pomares, sendo
seus frutos utilizados no preparo de geleias, sucos, licores, sorvetes. Para
obtenção de uma florada mais abundante os cultivadores costumam escovar troncos e galhos, para limpá-los dos restos
da frutificação anterior. No fim do século XIX os italianos no noroeste
fluminense fabricavam vinagre e vinho, à
falta de uvas.
VALOR ALIMENTÍCIO
As jabuticabas são ricas em Vitamina
C ou ácido ascórbico que protege o sistema imunológico e outras do Complexo B,
como a B2 ou riboflavina, importante para o crescimento e a B5 ou niacina. Esta
participa do mecanismo de oxidação celular, influencia o metabolismo do enxofre
e ativa o mecanismo dos carboidratos. Possui, também, altos teores de sais
minerais como cálcio, fósforo e ferro. Também, magnésio, enxofre, potássio,
cobre, zinco, alumínio, e boro). Cada 100gr tem apenas 45 kcal, isto é pouco
calórica.
A polpa da jabuticaba é considerada
aperiente, eufórica e reanimadora. A vitamina B5 ajuda a digestão e eliminação de toxinas,
prevenindo o envelhecimento precoce. Também com efeitos sobre a demência
causada pelo Mal de Alzheimer e outros sintomas psicóticos como alucinações,
delírios e amnésia.
Os frutos tem princípios ativos que
combatem o estresse, a imunodeficiência,
o raquitismo e a piorreia alvéolo-dentária; melhoram a circulação sanguínea protegem
e estimulam a reparação de tecidos ricos em colágenos, pela produção de
histamina, retardando a formação das indesejadas rugas. Previne a catarata, o
glaucoma, e outras doenças degenerativas da visão; combate a fragilidade
capilar evitando varizes e erisipela; também asma alergias, gripes e resfriados,
disenterias. O uso do extrato dos frutos, reduz em 50% as células da leucemia e do
câncer da próstata.
Entretanto suas propriedades mais
importantes estão nas cascas, ricas em pectina e pionidina, além da
antocianina, responsável pela cor escura dos frutos e a antocianidina,
flavonóides anti-oxidantes, que combatem
os radicais livres. Também possuem
polifenóis como a quercetina e a rutina, com propriedades anti-cancerígenas,
daí aconselhar-se a fazer sucos, triturando-as com a polpa. A farinha obtida
por trituração é usada como corante e aditivo para enriquecer iogurtes e outros
alimentos processados. Indicada, também para casos de leucemia e usado na prevenção da diabetes tipo 2, pois
reduz as taxas de glicemia e colesterol LDL, ou colesterol ruim.
PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE A JABUTICABA
Em Entomologia Agrícola o extrato
obtido das cascas é usado no controle biológico de insetos, bloqueando sua
digestibilidade proteica.
Essas pesquisas, principalmente as
relacionadas com as cascas da jabuticaba estão em desenvolvimento na
Universidade Federal de Lavras (MG) e na Unicamp (SP).
.
FOLCLORE LIGADO ÀS
JABUTICABAS.
Referem-se à interpretação de
sonhos: sonhar com as frutas significa inconstância em seu relacionamento.
Colhê-las: mudanças se aproximando, devendo ficar-se atentos em suas escolhas,
porque é época de conquistas. Também é interpretada como sensualidade. Ou que
algo está perto de acontecer. Pomar com fruteiras carregadas e maduras,
recompensa pelo serviço fiel; lares felizes, maridos fieis e filhos obedientes.
Pomar em tempestade, convidados ou
funções indesejadas. Porcos comendo as frutas caídas, perda da propriedade.
Fruteiras infestadas de pragas, possível miséria.
Chupá-las no pé, significa que
alguém te deseja. Comprá-las é interpretado como melhoria nos relacionamentos.
AS
JABUTICABAS NO CANCIONEIRO POPULAR BRASILEIRO
Muitas Composições Musicais, Poemas,
Livros de Memórias têm abordado esse tema, ligado à infância de quase todos os
escritores das regiões onde a jabuticabeira é nativa, principalmente os
memorialistas. Para não alongar-nos
citaremos Olhos de Jabuticaba cantada por Lulu Santos; Jabuticaba de autoria de
Carlinhos Brown e Bebel Gilberto; Suite
Doce de Jabuticaba por Xangai. A Jabuticabeira de Neisa Paulen, além de ser um
dos temas do seriado O Sítio do Pica-pau Amarelo. (Ploquet pluft nhoque). Há,
também um poema popular muito conhecido – O pé de jabuticaba, anônimo como a
cantiga infantil – Ciranda de jabuticaba.
CURIOSIDADES SOBRE
AS
JABUTICABAS
Finalmente a grafia correta é
jaboticaba ou jabuticaba? Houaiss admite os dois verbetes, considerando os nomes em tupi. E a cidade de Jaboticabal,
em São Paulo, como explicar?
Na época da safra das jabuticabas,
os cultivadores costumam alugar as jabuticabeiras para melhor colheita dos
frutos. Estes fermentam com facilidade e devem ser guardados, imediatamente
após a colheita, em sacos plásticos e mantidos em geladeira, daí a explicação
porque as jabuticabas devem ser chupadas no pé.
Gostei, Mó, muito bom o teu trabalho, principalmente pela riqueza de informação que contem. Aymoré.
ResponderExcluirGostei bastante de ter parado aqui por acaso. Me apaixono cada dia mais pelas jabuticabas, e é sempre bom ler a respeito. Antocianinas para nós, rs :)
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