MOEMA

MOEMA
PAPIRUS DO EGITO

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

ADMIRAÇÃO E AMIZADE – Senha que abriu corações

Marita Lobato Gonçalves *

Era uma cálida tarde de verão em Pinheiro. Sentadas à porta da Pharmácia da Paz, Inez e eu conversávamos sobre amenidades. Tendo sido, na adolescência, afilhada da minha mãe (que Inez chamava madrinha Carmen) essa fora a senha com a qual, desde sempre, nos aproximamos e desenvolvemos, a partir dos anos 50, uma amizade de família.
Recém casada e chegada há pouco tempo na cidade, nesses nossos constantes encontros eu quase só ouvia, sem deixar de extasiar-me com o colorido que ela dava aos relatos e detalhes de sua privilegiada memória.
Os filhos de Inez já estudavam na capital e ela me falava muito do passado: dos seus pais, da amizade com a minha mãe e tias, do seu primeiro casamento, do nascimento dos filhos.
O primeiro banho de Aymoré fora dado por seu pai, o farmacêutico José Paulo Alvim em uma enorme bacia de porcelana verde (que eu conheci) onde, junto às ervas aromáticas, alecrim e alfazema, foram colocadas moedas de prata (de ouro, também?), costume difundido naquela época que preconizava riqueza, fortuna, felicidade.
O tempo passou...
Pinheiro amanhecera banhada de neblina que encobria com sua fina camada de tule os relevos das ruas e casas, amaciando as sombras da noite. De repente um sol radioso e lindo surge no horizonte, lá para as bandas do oiteiro Peito de Moça, tingindo de dourado os lugares que ele acabara de tocar com os seus raios resplandecentes.
Inez conta que mal dormira na noite anterior. O acontecimento que iria desenrolar-se em sua casa, dentro de vinte e quatro horas, havia lhe tirado o sono. Formado, seu filho mais velho, estava voltando para casa. Nossas famílias entrelaçadas por fortes laços de admiração e amizade deram-me respaldo para colocar-me à disposição para o que fosse preciso. Moema, com a tenacidade que lhe é peculiar, estava fazendo pós-graduação no Rio de Janeiro, projetando o seu lugar ao sol. Inez sentia-se sozinha. Casada em segundas núpcias com o poeta Abílio da Silva Loureiro, grande companheiro não possuía, como o primeiro, o dom de resolver com maestria todas as providências a serem tomadas no lar. Eram essas as preocupações de Inez. O que fazer? Como fazer? Por onde começar?
Foi aí que entrei em cena. Sabia que o coração daquela mãe estava vibrando de felicidade. Há alguns anos levara pelas mãos um adolescente para estudar em São Luís. Formado, estava voltando. Congratulei-me com ela e lhe prometi transformar a sua casa num ambiente acolhedor e festivo, para um filho especial.
E assim pus mãos à obra!
Abrí buffets, cristaleira, petisqueiro, guarda-louças. De dentro foram surgindo belíssimas peças de prata, porcelana e cristal que, depois de lavadas, faiscavam irisadas. Com ela fui dando um toque de arte e beleza nos móveis e nas salas, antes sem graça e quase tristes. Nos vasos e cachê pots os arranjos de flores foram surgindo, dando à casa alegria, beleza e o colorido que transparecia dos corações de toda a família. Dos baús e das arcas de cedro foram retiradas colchas e lençóis de linho e percal que íamos cobrindo as camas de todos os aposentos.
Na tosca cozinha o velho fogão de lenha impunha-se altivo, cercado de fogareiros onde fumegavam iguarias da época: galinhas ao molho pardo, torta de miúdos, pernil e farofa, além da panela de bagrinhos, carro chefe das gostosuras da cozinha pinheirense.
Na sala de jantar a mesa coberta com uma toalha bordada de richelieu expunha as louças, copos de cristal, talheres guardados para ocasiões especiais. Tudo ficou incrivelmente lindo!
Aymoré saira de Pinheiro, ainda garoto de calças curtas, tímido e de olhar cheio de curiosidade, receio e expectativa, retornando com porte de cavalheiro, esbelto, ainda tímido, mas com um sorriso com misto de charme e sinceridade. O jovem de ontem voltou vestido de branco. É um médico! Inez é a personificação da felicidade e do orgulho, pois seu filho foi o primeiro a formar-se na família Castro. Mas...Aymoré não viera sozinho. Ao seu lado uma linda mulher de belo sorriso e com uns olhos encantadoramente brilhantes. Também era médica. Maria Augusta Brahuna que marcaria presença em toda a sua vida. Foram felizes sempre, mas partiu primeiro. Agora é um anjo.
Se o Sr. Zé Alvim fosse vivo, pensaria filosoficamente, como sempre pensou:
“As ervas perfumadas e as moedas de prata e ouro que coloquei no banho deste menino, deram-lhe a ventura da inteligência, a felicidade de ser um homem correto e a riqueza da integridade do seu caráter.”

* Membro fundador da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC)

Um comentário: