Adoro juçara, embora até os dez anos
de idade fôssemos proibidos de tomá-la,
em nossa casa. Papai participou de duas
expedições científicas na Amazônia, entre 1912-13 e concluiu que a prevalência
da hanseníase era mais acentuada nas regiões onde o consumo da juçara era mais
frequente.
Mamãe, atualmente centenária, toma
juçara, diariamente, exceto aos sábados e domingos, quando almoça em casa dos
filhos; mesmo assim vai contrariada porque gostaria de tomar a sua bebida
predileta. Até os 100 anos, tomava um litro; depois dessa idade passamos a
regrá-la e, nos dias atuais, toma só a
metade, com açúcar, farinha dágua,
acompanhada por camarão seco ou peixe assado ou frito.
Quando morei no Rio, uma colega de
turma e de apartamento, certa vez recebeu um isopor com juçara congelada,
enviada de Belém, por seus pais. Fizemos
a maior festa e, na hora de comer,
tremia de tanta ansiedade. Mais
tarde descobri que na Rua Domingos Ferreira, no bairro de Copacabana onde morava, havia uma lanchonete que recebia
juçara, do Pará. O preço era salgado, mas sempre que passava
por perto, tomava a minha tigelinha com tapioca e camarão.
Em Belo Horizonte fiquei no seco, mas em Brasília fui informada que um
restaurante a recebia; fui lá poucas vezes pois ficava muito distante e eu não tinha automóvel.
Finalmente voltei para São Luis onde
se encontra a bebida o ano inteiro, proveniente da zona rural da Ilha e da
Baixada. Na década de 1970, a dra. Rosa Mochel Martins e o seu esposos dr. Ezealberto Martins, ambos agrônomos, organizavam
em seu sítio, no Maracanã, no mês de Outubro, época da safra, a Festa da
Juçara, ocasião em que faziam exposições de suas plantas. Atualmente, essa
festa faz parte do calendário turístico de São Luís.
Tomava regularmente, mas nos últimos
anos ando me precavendo. Há uma série de tabus e mitos envolvendo a juçara: não
se pode misturar com leite, com bebida alcóolica e com certas frutas como
manga. Ora, certa vez tomei em casa de uma colega do Departamento de Patologia,
dra. Liana Fiquene Couto, licor de juçara e nada senti; pelo contrário gostei
tanto que adquiri uns litros com a sua
fornecedora. A cor é belíssima e o sabor
requintado.
Fiando-me nessa experiência e em
amigos paraenses, resolví , uma certa tarde, tomar juçara após comer umas
mangas. Morávamos em um sítio no Altos
do Calhau com muitas fruteiras. Nessa época, antes da abertura da Av. Luiz
Eduardo Magalhães era um bairro tranquilo, isolado, com características rurais,
a 7 km do centro. Tínhamos um jipe Niva,
de fabricação russa para os deslocamentos em época de chuva, quando o Rio
Pimenta transbordava, alagando a pista esburacada. Certa vez vimos um filhote
de jacaré morto, na estrada, certamente atropelado.
Pois bem, a reação do meu organismo
a essa mistura começou com vômitos, a
partir das 19:00h com espasmos
constantes e depois incontroláveis. Acabei o estoque de anti-espamódicos, xantínon, engov, sal de frutas, extrato
hepático e até chá de cascas de laranja e nada. Mal-estar, tontura, vômitos e intensa sudorese
apesar de estar com o aparelho de ar condicionado ligado. Meu marido preocupado
queria levar-me para o Pronto Socorro, mas conseguí impedi-lo, prometendo-lhe se até às 22:00h os vômitos não parassem, que ele avisasse meu
mano médico para ver para qual hospital eu iria. Sem nada no tubo digestivo já
expelia um muco espumoso; como último
recurso tomei um analgésico, à base de
AAS e foi como os vômitos pararam e consegui dormir. Mito, tabu, ou apenas uma
intoxicação alimentar provocada pela juçara de procedência duvidosa? Pelo sim,
pelo não, nunca mais! Quem quiser pode misturá-los, mas eu realmente fiquei
amedrontada!
HÁ DIFERENÇA ENTRE JUÇARA E AÇAI?
Inexplicavelmente a juçara ou açaí não
integra a obra As frutas na Medicina
Doméstica de A. Balbach. Também não fora mencionada pelo Frei Cristóvão de
Lisboa, sendo, no entanto referida por Frei Francisco de N. Sra. dos Prazeres
Maranhão em sua obra Poranduba Maranhense ou Relação Histórica da Província do
Maranhão, escrita no início do Século XIX.
Há duas espécies que geram muita
confusão: Euterpe edulis ou juçareira , palmeira típica
da Floresta Atlântica, distribuindo-se da Bahia ao Rio Grande do Sul. Possui apenas
um caule (unicaule) com cachos de frutos
sésseis, arredondados, de cor violeta.
Os frutos bacáceos, tem um só caroço e uma fina camada de polpa, usada para preparação de um
vinho semelhante ao açaí. Até há algumas
décadas dela se extraia apenas o palmito, correndo risco de extinção.
Já o açaizeiro ou Euterpe oleracea é nativo na região
Norte em terrenos de várzeas e igapós, podendo
ser encontrado em terra firme da Região Amazônica, incluindo os estados do
Maranhão, Pará e Amazonas. Também encontrado na Venezuela, Colômbia, Equador,
Guianas, Brasil (Amazonas, Pará, Maranhão, Rondônia, Acre), assim como em Trinidad e Tobago e nas bacias do Pacífico,
na Colômbia e no Equador).
Produz vários perfilhos, formando
touceiras. Esses caules, em número de 4 a 8 estipes, com 12m de altura e 14cm
de diâmetro, são manejados para a exploração do palmito, ao longo da vida útil
da palmeira. Entretanto, o contrabando do palmito em área de proteção ambiental
continua sem controle.
A palavra juçara denuncia a origem tupinambá do tronco linguístico tupi,
derivando as palavras soshugara e e soshyara
ou jyssara (tronco de árvore). Já o termo açaí entrou na língua geral
amazônica da família linguística karib, da palavra iwasaí (fruto que chora) oyasai
(árvore de águas), utilizada na Guiana Francesa.
As palmeiras podem atingir até 20m
de altura, espécie monóica, isto é, com flores masculinas e femininas no mesmo cacho,
mas que se abrem em tempos diferentes. Daí a polinização cruzada ser mais
frequente.
O tempo de germinação vai de 30 a 60
dias. Entre a floração e a frutificação há um intervalo de 5 a 6 meses. A
produção por espécimes com idade entre 6 e 7 anos é de 15kg, que rendem 6 a 10
litros do vinho.
A juçareira é de extrema importância
ecológica na cadeia alimentar do ecossistema da Mata Atlântica, responsável,
outrossim, pelo desenvolvimento econômico sustentável.
O açaí da E.edulis apresenta perfil lipídico diferente em relação a E. oleracea,
provavelmente por causa das baixas temperaturas da região, que influenciam no
grau de maturação dos frutos.
Quanto à presença de açúcares o teor
mais elevado é encontrado na juçara, sendo mais doce que o açaí.
VALOR ALIMENTÍCIO
O alto valor energético se dá,
principalmente, pelo conteúdo total de lipídios que fornecem cerca de 70 a 90%
das calorias dessa bebida. Considerada afrodisíaca, usada em caso de disfunção
erétil e revitalizadora de energias. A partir dos últimos 20 anos caiu na
preferência das academias de ginástica,
lanchonetes, restaurantes, em mistura com xarope de guaraná e outros sucos de
frutas. Usada, também na preparação de sorvetes, iogurtes, cremes, geleias,
pudins e até licor.
Bastante consumida pelas populações
ribeirinhas do Amazonas, desde o período pre-colombiano. Também no Pará e no
Maranhão.
No Pará a polpa é mais grossa e comida
com tapioca. Aqui no Maranhão, o suco é mais ralo, tomado com ou sem açúcar, com farinha seca ou dágua, acompanhada por camarão ou peixe seco.
Antes da fabricação das máquinas processadoras
do açaí, inclusive da máquina Expressa, a
bebida era obtida de maneira rudimentar,
o que deve ser ainda usado nos povoados, Retirados dos cachos, após cuidadosa
lavagem, são postos de molho em água quente, dentro de um alguidar de barro.
Quando a polpa está mole e solta, amassa-se com as mãos ou com o auxílio de uma
garrafa, depois então, é passada numa peneira para reter o bagaço.
Em Belém há algum tempo houve um surto de doença de Chagas, na fase aguda,
atingindo toda uma família, sendo atribuída à falta de higienização prévia dos
frutos, contaminados com fezes de triatomíneos (barbeiros).
Nas duas espécies, tanto o palmito
como os frutos têm as propriedades
organolépticas e nutritivas semelhantes.
Até o ano de 2003 era utilizado
apenas os frutos da Amazônia; a partir dessa época começaram a ser explorada a
espécie da Mata Atlântica, principalmente em Santa Catarina. Na Bahia o cultivo
começou a ser feito em função do generalizado uso da polpa.
As sementes liofilizadas e
transformadas em pó são usadas em sucos e como suplementos alimentares.
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IMPORTÂNCIA
EM MEDICINA
Pesquisadores do ITAL (Instituto de
Tecnologia dos Alimentos) encontraram nos frutos da juçara/açaí grande teor de antocianina, da família dos flavonoides fitoterápicos, com
capacidade de combater os radicais livres, proteger a saúde cárdio-vascular, melhorando
a circulação sanguínea do organismo contra o acúmulo de placas de gordura e
diminui os efeitos das doenças que
atingem a memória e coordenação motora como o Mal de Alzheimer. A antocianina, poderoso anti-oxidante é responsável
pela cor escura da casca dos frutos maduros e apresentam o teor mais elevado na
juçara (1,347mg) do que no açaí (36mg).
Ajuda a emagrecer pela presença de
tocoferol, gorduras ômegas 3 6 e 9, rico, também em gorduras monoinsaturadas e
poli-insaturadas que previnem doenças cardíacas, perda da visão. estimulando o metabolismo do organismo ajudando-o a queimar mais calorias. Previne a
celulite e protege a pele dos raios
solares.
Ricos em sais minerais como fósforo,
potássio, cálcio, sódio, magnésio,
manganês, zinco, cobre e principalmente ferro. Também, nitrogênio, proteínas, açúcares, lipídios e fibras, além
da vitamina A. Os níveis de lipídio, proteínas e cálcio são aproximados do
leite bovino, mas a proteína deste é de melhor qualidade. O número de calorias
é praticamente igual nas duas espécies.
Os teores de minerais são diferentes
em relação às duas espécies, sendo que o ferro se apresenta mais acentuado: no açaí é de
328,5 mg, enquanto na juçara é de 559,6mg. Em relação às proteínas, o açaí
apresenta taxas mais elevadas.
O ferro é o elemento mais importante
para formação da hemoglobina do sangue, possibilitando a respiração celular. Entretanto,
o ferro contido no açaí, é inorgânico ou não hemínico, possui uma taxa reduzida
de absorção, formando compostos que são insolúveis e indisponíveis para
absorção. A vit. C que propicia essa absorção é encontrada em pequena
quantidade.
Pesquisas realizadas na Universidade Estadual da Flórida atribuíram ao
açaí papel potencial para enfrentar as
condições debilitantes das pessoa, sendo considerado de inestimável valor no tratamento de vários
cânceres, pela destruição das células malignas.
OUTROS USOS DO AÇAIZEIRO OU JUÇAREIRA
As folhas são usadas na confecção de
chapéus, esteiras, cestos, vassouras, cobertura de casas. As sementes livres do
material fibroso que as envolve, são
utilizadas, também, no artesanato. A madeira resistente às pragas é usada na
construção civil.
Também usado na indústria de
cosméticos como manteiga e polpa esfoliante para as pernas, sabonete cremoso e
esfoliante, óleo trifásico e colônias.
LENDA DO AÇAÍ
No coração da floresta onde está
situada atualmente a cidade de Belém, habitava uma tribo de índios que numa
determinada época sofrera com uma grande escassez de alimentos, levando o
cacique Itaki a promover um controle populacional para minorar a fome do seu
povo.
Para tal determinou que todas as crianças que nascessem a partir
dessa data fossem sacrificadas e servissem para alimentação da tribo. Iaçá, a filha mais nova do cacique, deu
à luz a um menino que teve o mesmo destino das outras crianças. Inconformada a
mãe chorava todas as noites a perda do filho, quando em certa noite de luar,
ouviu o choro da sua criança perto de uma bonita palmeira. Feliz, Iaçá abraçou seu filho até que
misteriosamente ele sumiu, deixando-a desesperada por vários dias. Mais tarde
foi encontrada por sua gente, morta, abraçada em uma palmeira e com os olhos
pretos dirigidos para seus cachos. Era um açaizeiro. Comovido o pai mandou
apanhar uns cachos com frutinhas escuras como os olhos da filha e amassá-las
para extrair-lhes uma bebida que passou a ser a fonte de alimentação da sua
tribo. O nome dado à fruta é o nome de Iaçá,
ao contrário. Também explicado o significado de iwasai árvore de água e fruto que chora.
O AÇAI NA
MEMÓRIA DO AMAZONENSE E NA
MPB
“Quem vai ao Pará, parou, bebeu açaí
e ficou”- expressão conhecida há muito tempo. Quando se diz que uma pessoa é
Açaí de 10, significa que é grossa e arrogante e tem tudo a ver com a espessura
da polpa na época da safra.
Na MPB encontramos apenas duas
composições, uma de Djavan – Açaí
que faz referência à propriedade como guardiã da cultura amazonense e uma de um
compositor regional, Nilson Chaves – Sabor
Açaí.