MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

JABUTICABAS DEVEM SER CHUPADAS NO PÉ.


Sempre tive vontade de comer jabuticabas. Estudei com religiosas mineiras que falavam constantemente nessa fruta. Nas aulas de Desenho preferia temas que pudesse fazer à mão livre; nada de usar réguas, esquadros, compassos, nem desenhos geométricos, barras gregas. Desenhava regularmente as frutas impressas em cartazes, provavelmente adquiridos em Minas Gerais, como morangos, jabuticabas, marmelos, amoras, pêssegos, caquis, groselhas, cerejas, ameixas. Tornava-se difícil reproduzi-las fielmente como cajus, maçãs, cachos de uvas, bananas, atas, laranjas, tangerinas e outras as quais conhecíamos, sabíamos o seu tamanho, cor, textura das cascas e gosto.
Outrossim, alguns rapazes que conheci do Rio e de Minas, à falta de atributos físicos para elogiar-me, diziam que eu, entre as demais garotas da minha idade, se me pusessem de cabeça pra baixo, sairia algo, ou seja eu tinha alguma bagagem cultural e rematavam os comentários dizendo que meus olhos pareciam duas jabuticabas.
Algumas  frutas tantas vezes reproduzidas nos meus cadernos de desenhos conheci  quando vim estudar em São Luis, como peras e uvas. Outras, só no Rio, em 1965, fazendo pós-graduação. Hospedei-me num apartamento no Leme, num edifício com entrada pela Avenida Atlântica e pela Gustavo Sampaio e ao voltar das aulas, à tardinha, preferia entrar por esta última, pois havia no térreo uma quitanda ou frutaria. Nessa oportunidade conheci ameixas frescas pretas e avermelhadas, pêssegos, caquis, morangos, nêsperas, figos e amoras, mas as jabuticabas  quando perguntava o vendeiro me dizia que não era a época. Quase todos os dias comprava duas ameixas, frutas das quais gostei na primeira mordida. Já os caquis, pêssegos, figos, peras e demais frutas de regiões temperadas não caíram bem no meu paladar.
Tão logo cheguei ao Rio comecei a namorar com um colega de turma, que era mineiro, da Zona da Mata, e que vivia suspirando pelas jabuticabas, acreditando que eu iria, também, curti-las. Certa tarde, ao deixarmos o Departamento de Higiene e Saúde Pública onde fazíamos pós-graduação em Análises Clínicas, na antiga Universidade do Brasil, situada no cruzamento da Wenceslau Brás com a Avenida Pasteur,  perto da Praia Vermelha , encontramos um vendedor de frutas com o tabuleiro cheio de umas frutinhas pretas. Pronto, o rapaz ficou eufórico, numa animação só e comprou logo um quilo, começando a chupá-las na rua, sem lavá-las, ele que era altamente escrupuloso em relação à higiene dos alimentos. Desconfiada, limpei algumas na blusa e experimentei-as, sob o seu olhar atento. Mas que decepção: achei as frutinhas aguadas, sem gosto, dispensando-as logo, para sua frustração.
O meu segundo encontro com as jabuticabas deu-se cinco anos depois, em 1970, em Belo Horizonte, onde fazia o Curso de Mestrado em Parasitologia na UFMG, que ainda funcionava em um prédio relativamente pequeno, na Rua Alfredo de Balena, no centro da cidade, pertencente à Faculdade de Medicina e cedido ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB). As aulas práticas eram dadas nos mais diversos locais: Faculdade de Filosofia na Rua Carangola, no Museu de História Natural, no Instituto de Pesquisas Renée Rachou, na Faculdade de Veterinária situada na Avenida Amazonas  onde aprendemos a dissecar camundongos, hamsters, cães e até porcos. As aulas práticas de Entomologia foram dadas na Fazenda Experimental da Universidade, a poucos quilômetros de Belo Horizonte, onde pernoitamos, para capturar insetos de hábitos diurnos e noturnos. Por ocasião das aulas sobre carrapatos fomos para uma fazenda do grupo Itaú, com uma bonita casa-grande, ainda conservada e transformada em museu. Móveis de época, prataria, cristais, porcelanas e outras  alfaias eram expostas, com  visitas monitoradas. Criavam bovinos equinos, caprinos e suínos, além de possuírem uma granja grande e bem organizada. Nesse dia estava um especialista  fazendo a triagem, por sexo, dos pintinhos de um dia, pelo exame da cloaca. Não sei como se chamam esses técnicos,  mas são raros e bem pagos, com rendimento  calculado por unidade. Os  espécimes machos era vendidos para criadores, para ulterior abate, enquanto as fêmeas eram mantidas  para matrizes. O pomar era maravilhoso com todas as espécies de fruteiras, mas o meu interesse foi despertado pelos pés de tangerinas, carregados de frutas amarelinhas.  Não resistí: comí  à farta, pouco ligando para goiabeiras, pereiras, marmeleiros, laranjeiras, caquizeiros  e outras fruteiras. Os colegas mineiros deram logo com uma jabuticabeira temporã, isto é, com frutificação fora da época, cujo tronco e galhos estavam  recobertos por pequenas  esferas pretas. Fizeram uma festa e até eu acabei  contagiada, comendo algumas recém-colhidas, fresquinhas e não é que acabei  gostando, confirmando o adágio mineiro de que “ jabuticaba  deve chupar-se no ”.
                                                   


                      JABUTICABEIRAS  E  JABUTICABAS


Os primeiros registros dessa fruteira foram feitos por viajantes que passaram pelo Brasil em 1584 e 1594. Nativa da Mata Atlântica, principalmente da Zona da Mata, em  Minas Gerais, pode ser encontrada em Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também foi encontrada nas serras de Ibiapaba e Baturité, no Ceará. Aqui em São Luis,o prof. Gualter, daUFMA, plantou um pé de jabuticaba, em seu sítio na zona rural, perto da Praia da Boa Viagem. Não sei se chegou a frutificar.
Planta da família das Myrtáceas  (Myrciaria cauliflora), perenifólia, higrófila, alcança até dez metros de altura e seu tronco chega a medir 40 cm de diâmetro. Bastante ramificada, folhas simples,  só frutifica  vinte anos após o plantio, embora, em certos pomares bem regados chega a frutificar entre dez e doze anos. Na época da florada tronco e galhos  ficam revestidos de flores brancas que atraem grande número de aves e insetos.  Seus frutos  grudados no tronco e galhos, são arredondados, com 1,5 a 2,5cm de diâmetro e quando maduros ficam pretos. A sua polpa de cor branca é mole e suculenta. Apresentam uma única semente  e seu cultivo dá-se por disseminação, através de aves. Essa característica de frutos ligados aos troncos é conhecida pelo nome de caulifonia. O seu cultivo é difícil, pois a semente deve ser separada da polpa e ser bem lavada antes do plantio, A florada dá-se geralmente nos meses de julho a agosto ou novembro e dezembro com frutificação nos meses de janeiro e fevereiro. Nesse período ocorre o já famoso Festival da Jabuticaba em Sabará (MG).
Embora descrita desde 1820, as jabuticabas eram conhecidos pelos índios desde tempos imemoriais pelos nomes  yawoti kawa e iapoti kaba, o que leva à confusão da sua grafia correta se jabuticaba ou jaboticaba. Desde o período colonial passou a ser cultivada em pomares, sendo seus frutos utilizados no preparo de geleias, sucos, licores, sorvetes. Para obtenção de uma florada mais abundante os cultivadores costumam escovar  troncos e galhos, para limpá-los dos restos da frutificação anterior. No fim do século XIX os italianos no noroeste fluminense fabricavam vinagre e vinho,  à falta de uvas.

                                          VALOR  ALIMENTÍCIO

As jabuticabas são ricas em Vitamina C ou ácido ascórbico que protege o sistema imunológico e outras do Complexo B, como a B2 ou riboflavina, importante para o crescimento e a B5 ou niacina. Esta participa do mecanismo de oxidação celular, influencia o metabolismo do enxofre e ativa o mecanismo dos carboidratos. Possui, também, altos teores de sais minerais como cálcio, fósforo e ferro. Também, magnésio, enxofre, potássio, cobre, zinco, alumínio, e boro). Cada 100gr tem apenas 45 kcal, isto é pouco calórica.
                                                             





PROPRIEDADES MEDICINAIS

A polpa da jabuticaba é considerada aperiente, eufórica e reanimadora. A vitamina B5  ajuda a digestão e eliminação de toxinas, prevenindo o envelhecimento precoce. Também com efeitos sobre a demência causada pelo Mal de Alzheimer e outros sintomas psicóticos como alucinações, delírios e amnésia.
Os frutos tem princípios ativos que combatem o estresse,  a imunodeficiência, o raquitismo e a piorreia alvéolo-dentária; melhoram a circulação sanguínea protegem e estimulam a reparação de tecidos ricos em colágenos, pela produção de histamina, retardando a formação das indesejadas rugas. Previne a catarata, o glaucoma, e outras doenças degenerativas da visão; combate a fragilidade capilar evitando varizes e erisipela; também asma alergias, gripes e resfriados, disenterias. O uso do extrato dos frutos,  reduz em 50% as células da leucemia e do câncer da próstata.
Entretanto suas propriedades mais importantes estão nas cascas, ricas em pectina e pionidina, além da antocianina, responsável pela cor escura dos frutos e a antocianidina, flavonóides anti-oxidantes, que  combatem os radicais livres.  Também possuem polifenóis como a quercetina e a rutina, com propriedades anti-cancerígenas, daí aconselhar-se a fazer sucos, triturando-as com a polpa. A farinha obtida por trituração é usada como corante e aditivo para enriquecer iogurtes e outros alimentos processados. Indicada, também para casos de leucemia e  usado na prevenção da diabetes tipo 2, pois reduz as taxas de glicemia e colesterol LDL, ou colesterol ruim.
                                          
PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE A JABUTICABA

Em Entomologia Agrícola o extrato obtido das cascas é usado no controle biológico de insetos, bloqueando sua digestibilidade proteica.
Essas pesquisas, principalmente as relacionadas com as cascas da jabuticaba estão em desenvolvimento na Universidade Federal de Lavras (MG) e na Unicamp (SP).
                                                      
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                      FOLCLORE  LIGADO  ÀS JABUTICABAS.

Referem-se à interpretação de sonhos: sonhar com as frutas significa inconstância em seu relacionamento. Colhê-las: mudanças se aproximando, devendo ficar-se atentos em suas escolhas, porque é época de conquistas. Também é interpretada como sensualidade. Ou que algo está perto de acontecer. Pomar com fruteiras carregadas e maduras, recompensa pelo serviço fiel; lares felizes, maridos fieis e filhos obedientes.
Pomar em tempestade, convidados ou funções indesejadas. Porcos comendo as frutas caídas, perda da propriedade. Fruteiras infestadas de pragas, possível miséria.
Chupá-las no pé, significa que alguém te deseja. Comprá-las é interpretado como melhoria nos relacionamentos.

              AS  JABUTICABAS  NO  CANCIONEIRO  POPULAR  BRASILEIRO

Muitas Composições Musicais, Poemas, Livros de Memórias têm abordado esse tema, ligado à infância de quase todos os escritores das regiões onde a jabuticabeira é nativa, principalmente os memorialistas.  Para não alongar-nos citaremos Olhos de Jabuticaba cantada por Lulu Santos; Jabuticaba de autoria de Carlinhos Brown e Bebel Gilberto;  Suite Doce de Jabuticaba por Xangai. A Jabuticabeira de Neisa Paulen, além de ser um dos temas do seriado O Sítio do Pica-pau Amarelo. (Ploquet pluft nhoque). Há, também um poema popular muito conhecido – O pé de jabuticaba, anônimo como a cantiga infantil – Ciranda de jabuticaba.

  

             CURIOSIDADES  SOBRE  AS JABUTICABAS

Finalmente a grafia correta é jaboticaba ou jabuticaba? Houaiss admite os dois verbetes, considerando  os nomes em tupi. E a cidade de Jaboticabal, em São Paulo, como explicar?

Na época da safra das jabuticabas, os cultivadores costumam alugar as jabuticabeiras para melhor colheita dos frutos. Estes fermentam com facilidade e devem ser guardados, imediatamente após a colheita, em sacos plásticos e mantidos em geladeira, daí a explicação porque as jabuticabas devem ser chupadas no .

2 comentários:

  1. Aymoré Alvim13 outubro, 2013

    Gostei, Mó, muito bom o teu trabalho, principalmente pela riqueza de informação que contem. Aymoré.

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  2. Antonia Manuela09 dezembro, 2013

    Gostei bastante de ter parado aqui por acaso. Me apaixono cada dia mais pelas jabuticabas, e é sempre bom ler a respeito. Antocianinas para nós, rs :)

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