Entre a adolescência e a juventude,
deixamos as fruteiras sossegadas: frutas só em casa. Com os hormônios
explodindo em cada poro, passamos a procurar outras diversões mais condizentes
com o nosso novo status: afinal éramos
jovens às vésperas de concluir o curso ginasial.
Começamos a interessar-nos pelas
flores, observando a sua beleza, a textura de suas pétalas, o perfume exalado
de cada uma delas, O amor pairava no ar, o romantismo permeava cada gesto
nosso, cada coisa que fazíamos: cuidar melhor da aparência, escolher modelos
para vestidos e sapatos, pentear os cabelos com mais apuro, escolher uma
colônia mais de acordo com a nossa nova fase.
Aprendemos, também, a simbologia de
cada uma delas, principalmente das rosas, cuja variação de cor e tamanho dava
lugar a interpretações diferentes – a linguagem das flores. Nessa época
começamos a tecer nossos primeiros poemas, rimando flor com amor e às vezes
com a dor das nossas primeiras
desilusões amorosas.
Quando ganhávamos algumas flores, dadas por um rapaz, na maioria das vezes, apanhadas displicentemente, para ter oportunidade de colocá-las em nossos cabelos ou atrás das nossas orelhas, procurávamos entender-lhes seu significado. As mais comuns eram rosa-menina, jasmin, bugarin, amor-perfeito, cravos, cravinas.. Os cravos de defunto, jamais, pois seria sinal de mau-agouro. A ingênua maria-cagona representava desinteresse, desprezo, levando-nos à humilhação, considerada mesmo um insulto.
As flores presenteadas eram conservadas entre
as folhas de algum romance que tínhamos, não escapando nem o nosso Missal
No coreto da Praça da República,
debaixo das ramadas de dois pés de buganvílias, desfolhávamos bem-me-quer que
cresciam, à-toa, nas beiras das alamedas da praça ou nos canteiros das nossas
avenidas. Procurávamos, desesperadamente trevos de quatro folhas, considerado
amuleto para dar sorte no amor, na profissão. Nossas avenidas eram arborizadas
com Ficus benjamin, substituídas em 1956, quando uma poda mal feita matou-as,
por castanheiras e flamboyants. Quando os campos enchiam, ficávamos extasiadas
com as belas hastes lilases exibidas pelos mururus.e as flores, também
violáceas, do algodão do campo. No verão cordão de frade, miosótis e outras
flores que eram dessecadas.
Poucas pessoas se dedicavam ao
cultivo das flores, colhidas apenas em duas ocasiões diferentes: para buquês
levados em enterros ou para os jarros das Igrejas, aos sábados. As flores que
eram colocadas dentro dos caixões dos defuntos eram, geralmente, saudades,
perpétuas, maravilhas, cravos, cravinas e cravos de defunto. As colhidas para
decorar os altares eram mais nobres: rosas, dálias, lírios, açucenas, alfinetes,
palma de Santa Rita, estrela, cachos de rosa-menina, guarnecidas por palma fina
e fim de verão. Ainda não havíamos descoberto o grande efeito visual das
samambaias e outras folhagens.
Do coreto contemplávamos as flores bem cuidadas do bonito bangalô da família de Ísis: alamandas, hibiscos de cores variadas, papoulas, rosas, lírios e açucenas.
Na nossa casa, papai mantinha um
faz-tudo o qual dentro de suas inúmeras atribuições, regava e cuidava de suas dálias e rosas. Não
tínhamos permissão para apanhá-las: elas murchavam e despetalavam-se no pé. Na
casa de d. Nhazinha havia uma bela acácia pingo de ouro, com seus cachos de
flores amarelas que se debruçavam sobre a calçada.
Na casa de Gracinha Ferreira, ao
lado da Usina, sua mãe cultivava flores e que estavam sempre à nossa
disposição, desde que fossem para a Igreja.
Não tínhamos coragem para pedir flores na casa de d. Julieta Abreu que
cultivava espécies raras na cidade: petúnias, gerânios, crisântemos, begônias,
hortênsias, gardênias, camélias, magnólias, verbenas, cujas mudas
trazia de Fortaleza e do Rio quando visitava os filhos.
As demais flores encontradas em
quase todos os quintais eram: onze horas, crista de galo, cauda de rato,
dinheiro em penca, jiboia, tapete de rainha, pacovinha, anágua de noiva, tajás, madressilva, avenca,
zínias, jacinto, nuvem, bugarin, amor-perfeito, amor agarradinho, laura-rosa,
manacá, chuva de prata, estrela, espada de São Jorge, comigo-ninguém-pode,
jardineira,girassol, margaridas de várias cores, maria-cagona eu e tu.
No Maracanã a prof. Rosa Mochel e
seu marido, ambos agrônomos em seu sítio no Maracanã., cultivavam e
vendiam não só frutíferas mas plantas decorativas e para arborização: antúrios, avenca, glicínias, cactos, samambaias, árvore da felicidade, agave, heliconia, íris, amarílis, goivo, margaridinhas , ipomeia, copo
de leite, anêmonas e muitas folhagens.
A partir da segunda década de 1980,
com a implantação da SEDEL (Secretária Estadual de Desporto e Lazer) comandada pelo sr. Elyr Gomes, que havia sido meu colega no Curso de
Farmácia, chegaram em São Luis, flores e folhagens sofisticadas, expostas nas
feiras de plantas realizadas na Praça Deodoro: samambaias diversas (chifre de
veado, de metro, franzida); mussaendas de várias cores, orquídeas de várias
espécies, schefflera, monsenhor, tulipas, crótons de belas folhagens,
buganvílias de cores variadas, de brácteas dobradas, crisântemos, violeta,
dracenas, cactos, ave do paraiso, gladíolos, glicínias, árvore da felicidade,
pinheiros, bromélias, hera para recobrir muros, copo de leite, costela de Adão,
e grande variedade de plantas ornamentais, principalmente exóticas palmeiras.
Todos podiam comprá-las e cultivá-las em seus jardins.
Em Pinheiro apareceu uma quadrilha
que roubava cestas de samambaias de metro, cultivadas com tantos cuidados, para
serem vendidas na capital..
Por essa época as casas do Centro de
São Luis foram abandonadas e as residências tinham novo endereço: Sítio Leal,
Cutim, Sítio Campinas, São Francisco, Jardim Renascença, Mais tarde, Renascença I e II, Ponta do Farol, Calhau, Quintas do Calhau, Cohafuma, Cohama, Cohajap,
Cohajolí, Parque Amazonas, Parque Timbira, Parque Pindorama, Parque Atenas,
Parque Shalon, Parque Atlântico, Turu, Jardim Eldorado, Angelim, Vinhais,
Bequimão, Maranhão Novo, Ipase, Alemanha, ocupando a cidade em áreas recém-descobertas
após a inauguração da Ponte José Sarney, em 1970. Nos últimos decênios essas
casas estão sendo adquiridas por empresas, clínicas médicas, odontológicas de
estética, e as pessoas de maior poder aquisitivo, sacrificaram seus jardins, em
troca da segurança de condomínios horizontais e, principalmente verticais, em
bairros nobres como Ponta do Farol, Praia do IPEM, Ponta dÁreia.,
E nós? A época de sonhos e
despreocupação fora substituída pela
dedicação aos estudos, pois eram poucas as vagas nos bons colégios (Liceu,
Escola Normal e Escola Técnica) e a seleção muito rigorosa. Iríamos começar uma
nova etapa das nossas vidas, o marco que separava a adolescência da idade
adulta. (Atualmente os psicólogos adotam três fases da adolescência: o início
entre 12 e 14 anos, a média entre 15 e 17 anos e a adolescência final de 18 a
25 anos).
Destinada ao Colégio Santa Teresa, como interna,
fiquei às voltas com compras e provas, costureiras e bordadeiras para o enxoval
enorme, constando de uniforme comum, de ginástica, lençóis, fronhas, colchas,
lenços, calcinhas, camisolas, combinações. Somente nas férias voltávamos a
Pinheiro Nesse ínterim, muitas amizades deterioraram-se, os namoros acabaram,
muitas colegas já estavam casadas, os folguedos mudaram, mantendo a antiga
amizade apenas um grupo restrito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário