MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

domingo, 1 de setembro de 2013

O Pé de Berinjela

Berinjela ou beringela, legume comestível (Solanum melongena), pertence à família das Solanáceas, arbusto com folhas grandes recobertas de espinhos maleáveis, flores violáceas e grandes bagas roxas, quase pretas, com muitas sub espécies, variando no tamanho, forma e cor: berinjela-roxa, negiló, peito de moça (originária da India). Seus frutos  são ricos em iodo e muito usados na alimentação humana, em diversos pratos e maneiras de prepará-los. Seu cultivo começou há cerca de quatro mil anos, como planta ornamental, tendo sido introduzida na Europa, no século XIII, através dos árabes.  Conhecida na Espanha desde o século XIV com o nome de berenjena; também na Ásia com a denominação  badingjaña; na Pérsia como badndjana; em cat. Alberginia, francês albergina ou aberginia. Rica em proteínas e vitaminas A, B1, B2, B5 e C; também em sais minerais como fósforo, cálcio, potássio, magnésio e alcaloides que baixam a pressão arterial, prevenindo a arteriosclerose. Digestiva, laxante e nutritiva é usada como coadjuvante no tratamento da gota, inflamações da pele, reumatismo e diabetes.
          Meu pai, natural de Codó, passou toda a sua adolescência e início de sua mocidade na residência dos Mattos, sobradão localizado na esquina do Beco da Pacotilha (atualmente João Vital de Matos) com a rua da Palma. Chegou garoto como lavador de frascos, passando a aprendiz e depois a manipulador da Farmácia e Drogaria João Victal de Mattos, de propriedade desse farmacêutico e seus irmãos. Fora o primeiro estabelecimento a produzir fármacos, em escala semi -industrial e exportá-los para outros Estados. Cultos, ricos, viajados eram sócios fundadores  do Clube Euterpe, o mais exclusivo da sociedade ludovicense, no início do século XX. Mais tarde João Victal entrou na Política, como correligionário do Senador Benedito Leite, mais tarde Governador, elegendo-se Deputado Estadual, por duas vezes.
Até os 18 anos de idade, meu pai conviveu diariamente com esses senhores e com eles aprendeu um pouco de boas maneiras, apuro no vestir, bom gosto na escolha de móveis e alfaias, a apreciar uma boa mesa e também a arte de conversar com qualquer pessoa sobre os mais variados assuntos. A Farmácia funcionava como sala de visitas dos irmãos e nela discutiam-se assuntos sociais, econômicos e, principalmente políticos.
Com um certificado emitido pelo eminente farmacêutico, dando-lhe permissão para manipular em qualquer parte do Maranhão, meu pai escolheu a Vila de Pinheiro, já em ritmo de desenvolvimento. Instalado, abriu a sua farmácia aos 18 anos de idade, graças à ajuda do seu mentor.
Tratando os pinheirenses com urbanidade e mostrando seus conhecimentos técnicos, conseguiu, dentro de pouco tempo, a estima, consideração, respeito e a fama de “grande médico”.
Com pouco tempo comprou um prédio maior, reformou-o, dividindo em sua residência e local de trabalho, constituído pelo salão de atendimento dos clientes, escritório com seus livros técnicos como o Tratado de Czernovitz, O Médico de Família, Farmacopeia Brasileira e Formulários Medicamentosos. Era  nesse cômodo que os doentes faziam as suas consultas e ele recebia seus amigos; um laboratório de manipulação; um quarto com o estoque ou excedente, tipo almoxarifado e a célebre sala de operação. Esta era toda azulejada, com cama de ferro, armário com portas de vidro, reagentes, instrumentos que usava nas pequenas cirurgias que fazia; um esterilizador a álcool.
Na parte destinada à residência, a melhor da vila era toda forrada, soalho com tacos encerados, e todos os móveis e alfaias que suas posses permitiam adquirí-las em São Luís ou importa-las. Única casa com camas e guarda-roupas em todos os quartos, além de cômodas, baús, penteadeiras (colecionava perfumes). Quase todas as pessoas ilustres que chegavam a Pinheiro hospedavam-se em sua casa, recomendadas por amigos da Capital. Havia um banheiro dentro da casa com vaso sanitário, pia com torneira, abastecida com água vinda de tonéis estrategicamente colocados nas proximidades.
Foi, também, o primeiro morador a adquirir um aparelho de rádio, grande, com válvulas e alimentado à bateria. À noite recebia os amigos para  ouvirem as últimas notícias divulgadas pela a BBC de Londres, sobre vários assuntos, mais tarde sobre a II Guerra Mundial e a Guerra da Coreia.
Entretanto o seu xodó era o jardim: grande, cimentado, com canteiros simétricos em forma de meia lua, estrelas ou quadrados e retangulares. Havia um empregado da casa, tipo jardineiro, para cuidar e regar diariamente suas roseiras e dálias, em vários tons e matizes. Numa de suas viagens a Codó trouxe mudas de tamareira (Phoenix dactyfera) que infelizmente nunca frutificaram. Deram flores de um tom amarelo-alaranjado, mais nunca cruzaram. Por ser uma espécie dióica (sexos se encontram separados em espécimes diferentes), certamente as do meu pai, pertenciam a um único sexo. As tâmaras agridoces, são ricas em carboidratos, fibras, ferro, potássio, cobre, magnésio, cálcio, vitaminas A. B e C.; também elevado teor de tiramina. Originária dos países asiáticos e africanos, como o Egito, Irã, Iraque, Arábia Saudita e Paquistão, essa palmeira fora trazida pelos sírio-libaneses que se estabeleceram, em fins do século XIX no Piauí, passando depois para o Maranhão, instalando-se em diversos municípios, como Codó. Meu pai, também levou mudas de palmeiras exóticas, ornamentais das quais distribuía sementes a quem pedisse. As tamareiras, com quase 15m de altura, ficavam como sentinelas vegetais, majestosas guardiãs, separando o jardim do primeiro quintal, também cimentado, onde ficavam o poço coberto e cinco coqueiros. Diariamente doava cocos aos moradores que nunca tiveram ideia de plantá-los. Nesse quintal, também ficava a lavanderia. A privada ou sentina ficava num  quintal paralelo onde além dessa edícula,  havia um pé de laranja da terra que fornecia aos clientes que compravam sal amargo  (sulfato de magnésio hepta-hidratado).
O segundo quintal era o pomar: mangueira (paris), cajazeira, caramboleira, abacateiro e mamoeiros.
Em 1950, ele veio pela última vez a São Luis, acompanhar nossa mãe em tratamento de saúde, após o parto do caçula, aproveitando para fazer consultas médicas. Por algum médico amigo ou por informações obtidas na sua Farmacopeia, soube das propriedades terapêuticas da berinjela, tanto para controle da hipertensão como da hiperglicemia. O certo é que, de volta a Pinheiro, levou umas sementes e encarregou-nos de cultivá-las. Escolhemos um jarro grande, pusemos estrume e o colocamos sobre um muro de fácil acesso para as regas. Dentro de alguns dias (ou semanas) começou a brotar um único pé, das dezenas de sementes plantadas. Diariamente eu e Aymoré, acompanhávamos o crescimento, relatando os progressos, ao nosso pai. Ficamos fascinados quando surgiram as flores grandes, lilases entre as folhas grandes, com nervuras arroxeadas, cobertas por espículos. A vigilância redobrou até o aparecimento dos primeiros frutos. Ficamos eufóricos, logo decepcionados por não  ter passado de uma única baga.
Até hoje quando vejo berinjelas eu lembro desse episódio  de nossa carreira frustrada de horticultores. Já plantei em minha casa há uns dois anos, em jarros, mais para efeito decorativo de suas flores do que para colher frutos. Atualmente meu marido, cultiva, com sucesso, em seu sítio, no município de Bequimão e sempre traz alguns legumes, distribuídos entre os irmãos e cunhados.

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