MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O MISTÉRIO DO PÉ DE GOIABA

O mano José Paulo, o caçula dos  Castro Alvim, nasceu quando Aymoré  já tinha nove anos e eu sete, então um respeitável intervalo, o  que não lhe permitiu que participasse das nossas peraltices na infância.
Trabalhou na Embratel como técnico sênior, mais tarde Diretor do Setor Administrativo quando se aposentou.  Ainda na ativa, comprou com dois outros colegas uns terrenos na Praia do Araçagy, quando o setor imobiliário detectou a grande demanda a que assistimos nos dias atuais. Pensando apenas no investimento, escolheram seus terrenos contíguos, sendo que o do mano ficava entre os dois.
Aos domingos os três iam assegurar-se que não houvera invasão  e assim o fizeram, por vários anos, até que uma figura de certa projeção  aqui em São Luis, construiu o primeiro condomínio da área. Com prestígio, conseguiu a ligação da CEMAR e da então TELMA. Animado, José Paulo sonhou em construir uma casinha na praia para passar os fins de semana. Seus amigos, porém  não se animaram, pela localização em área ainda não urbanizada. Fazendo economia, juntando dinheiro e tecendo projetos, o mano levou ao seu terreno um agrônomo para avaliar o tipo de solo e que fruteiras  poderia plantar. Esse técnico tinha um estabelecimento bem organizado, próximo à Curva do Noventa, onde cultivava e vendia plantas ornamentais, para arborização e frutíferas. As mudas que meu irmão adquiriu eram enxertadas , pois ele queria colher logo os frutos e não esperá-los por anos: dois pés de jambo franqueando o portão de entrada, um pé de siriguela, um de manga-espada, um de cajá, um de abacate, um de romã, um de figo, um de graviola ou jacama, alguns coqueiros e, para não esquecer as origens, um pé de ingá de metro. Mamãe mandou dizer-lhe que o pé de goiaba viria de Pinheiro, pois em casa havia um com polpa especial, com a qual fazia doces para enviar-nos.
Numa das minhas viagens a Pinheiro ela  me encarregou de trazer  4 latas de leite Ninho com mudas com quase um palmo: um para Aymoré, um para Cleuber, um para ZePaulo e o outro pra mim. Morando em condomínio no Jardim Eldorado, mas com uma excelente área verde o meu não chegou a prosperar, sendo destruído pelos filhos dos outros condôminos. O de Aymoré também não vingou. O de Cleuber deu excelentes goiabas, até o dia em que a vizinha se queixou das folhas secas, levadas pelo vento, para o seu quintal. Nesse dia meu irmão meteu o machado na goiabeira, para consternação minha.
Com poucos recursos e com pressa de usufruir a sua casa de praia, o mano encomendou uma casa de madeira, mais fácil de ser instalada. Mandou abrir um poço artesiano para regar suas preciosas fruteiras, contratou um caseiro. Meticuloso como nosso pai, chamou um arquiteto para projetar o posicionamento da casa. Com seus instrumentos o técnico verificou a direção dos ventos, o nascente, o poente, a trajetória do sol e até a inclinação dos pingos de chuva!
Montada a casa, tratou de mandar construir a cozinha e área de serviço de alvenaria, temendo incêndios. Também uma edícula com uma churrasqueira e área coberta, para mesinhas dos frequentadores do seu sítio: geralmente só os irmãos, cunhados e sogros. Enquanto isso as fruteiras começaram a florescer. Os filhos crescidos quiseram uma piscina que para construí-la fez malabarismos para sacrificar o menor número de árvores. Nesse ínterim, sua esposa começou a plantar, ao pé do muro, hibiscos, papoulas, alamandas, buganvílias com brácteas de várias cores, todas fáceis de serem cultivadas.
Animados, seus dois amigos franquearam-lhe seus terrenos para plantio, em troca da  vigilância. Num deles o mano plantou hortaliças e tubérculos: chuchu, tomate, quiabo, maxixe, abóbora, cheiro verde, cebolinha, macaxeira e batata doce. Quando íamos aos domingos visitá-los fazíamos a feira: saiamos com sacolas cheias de frutas e legumes. No outro quintal, Zé plantou mamoeiros, maracujazeiros e até uma parreira, nada perene, pois seus colegas poderiam, a qualquer momento,  requisitar seus terrenos.
Ia tudo às mil maravilhas: fruteiras carregadas de frutas e as plantas ornamentais com suas flores, telefone instalado, piscina com água se renovando através de uma bica quando, não mais que de repente, surge um  fenômeno inusitado para coroar tantos cuidados do casal: uma das goiabeiras plantadas ao lado da escada de acesso à varanda , logo na entrada, começou  a botar frutos de três tipos diferentes. De um lado goiabas grandes, oblongos, casca verde-escuro, fina, com a polpa vermelhinha e poucas sementes; do outro lado, goiabas redondas, polpa amarelo citrino, doce e com muitas sementes e finalmente do lado oposto goiabas de casca verde mais claro, espessa, piriforme, polpa meio adstringente, de cor clara. Ia gente de longe para apreciar tal fenômeno. Era a nova atração do sítio: apanhar as bagas,  provar-lhes o sabor e fazer as comparações. Como podia isso ocorrer, as pessoas se perguntavam.
Cética em relação a fenômenos sobrenaturais, prodígios, objetos voadores não identificados, visagens, milagres, Moema, pesquisadora por natureza e ofício, resolveu desvendar o mistério. Examinando bem o caule, descobri que, na realidade era formado pela junção de três troncos lisos, finos, brilhantes, recobertos por uma casca espessa.  Dando tratos à bola lembrei-me que anos atrás eu trouxera as mudas de Pinheiro e que durante algum tempo as duas últimas  latas permaneceram na sacada do meu apartamento. Certo dia indo visitar um primo no Sítio Leal, atualmente meu vizinho, fui convidada a conhecer seu quintal  interno , bonito, gramado, cercado de pés de alfinete vermelho, ao pé do muro. Plantados, apenas uma laranjeira, um pé de acerolas bem grandes e uma goiabeira. Toda a minha família e amigos sabem da minha predileção por goiabas. Essas, então eram especiais: casca fina,  bem verde com a polpa vermelhinha e gostosa. Comi várias, tendo o cuidado de separar algumas sementes, levadas pra casa e depostas numa das latas. De outra vez indo a um churrasco em casa de Aymoré, observei que uma goiabeira do vizinho, estendia um dos galhos por cima do muro do mano. Atenta, dei por uma goiaba me chamando. Disse-lhe que ia apanhá-la; ético e muito correto, Aymoré não me autorizou, mas tanto insisti  com o marido até que ele a apanhou; saboreada com muito gosto, cuidei de guardar as sementes, levando-as para casa. Algum tempo depois, numa noite, ZePaulo foi apanhar a lata  com a sua muda e,  como não havia identificação ele pegou uma qualquer.
Pronto, o mistério fora desvendado, perdendo a goiabeira, o status de atração para um pé de figos, cujas bagas eram grandes, com a polpa macia, doce  e suculenta. Eu sou mesmo uma estraga- prazeres. Era mais do que óbvio que o mano pegou a minha muda com as sementes de duas outras espécies. Ao crescerem, os troncos fundiram-se num só, confundindo-nos por causa do revestimento espesso da casca.
Tempos depois os troncos se estranharam e apareceu uma broca que o agrônomo não soube contê-la. Então a tri-goiabeira foi sacrificada.

             



                                    

                           SOBRE GOIABAS E GOIABEIRAS

Da espécie Psidium guajara, com algumas variedades, a goiabeira pertence à família Myrtaceae, que possui 130 gêneros diferentes e cerca de 300 espécies já descritas. Irmã rica  do araçá, prima–irmã da murta, aparentada com a jabuticaba, gabiroba, pitanga, jambo, cambuí, uvalha. Nativa das regiões tropicais e sub-tropicais, foi descrita no Maranhão, pelo Frei Cristóvão de Lisboa, que aqui viveu entre 1624 e 1635, na condição de Qualificador do Santo Ofício e fundador da Custódia do Maranhão, guardião do convento de Santo Antônio de Lisboa. Ao longo desses anos pesquisou os animais e plantas do nosso Estado, descrevendo-os e desenhando-os. Infelizmente parte desse material perdeu-se e, durante muitos anos desconhecia-se o paradeiro de sua obra. Dentre as árvores, ele descreveu e desenhou a goiaba, chamada araçá. É uma das obras mais importantes sobre o Maranhão com o nome História dos Animais e Árvores do Maranhão.
Árvore pequena, caule tortuoso, liso e resistente, às vezes recoberto com casca descamada. Os ramos novos são quadrangulares e pubescentes. As flores são pequenas , brancas, solitárias. Os frutos podem variar de acordo com as sub espécies, em tamanho, textura, sabor e cor da polpa que pode ser branca, rosada, dourada ou vermelha. Bagas carnosas, casca fina ou rugosa nas cores amarelo e verde, com dezenas de sementes pequenas e duras. Medem, geralmente oito centímetros. de diâmetro, redondas, oblongas ou piriformes. Há espécies pequenas, do tamanho de bola de gude, polpa amarelada, com textura  semelhante à espuma de nylon e gosto  desagradável. As quatro sépalas da flor estão normalmente presentes em uma das extremidades da fruta.
Conhecida pelos silvícolas, o nome goiaba deriva de guaiaba na língua aruaque; tem denominações diferentes conforme a região: araçá das almas, araçá-guaçu, araçá-uaçu, araçaiba, araça-mirim, guava, guiaba, mepeia.
De grande valor alimentício, é rica em vitamina C, carotenóides, fenólicos totais com atividade anti-oxidante. Também contém vitamina A, vitaminas do complexo B e sais minerais como cálcio, fósforo e ferro, encontradas, principalmente, nas espécies brancas, mais ricas em potássio, fósforo , teor de vitaminas A e C. O aroma forte da goiaba é devido a um óleo volátil, produzido pelas folhas. Das sementes extrai-se óleo linoleico. Usada in natura, na fabricação de geleias e compotas, também, sob a forma de massa, sorvetes, sucos, molhos. A goiabada é muito apreciada em todo o Brasil, tanto a industrial quanto a caseira. Minas Gerais exporta para todo o Brasil a famosa goiabada-cascão. Pode ser consumida por criança e idosos, acompanhadas ou não por queijo, formando o famoso “romeu-e-julieta. Não é ácida, não tem muito açúcar e nem gordura, podendo, nas saladas, substituir o tomate, em pessoas com restrição alimentar.
É muita atacada por moscas  dos gêneros Anastrepha e Ceratitis, as chamadas moscas de frutas, que põem seus ovos nos frutos, onde evoluem para larvas ou bichos de goiaba.

Quanto ao uso terapêutico, geralmente caseiro sob a forma de chá das cascas da goiabeira, no tratamento de úlceras estomacais, hemorroidas e leucorreias; sob a forma de bochechos usadas no combate às afecções da boca e da garganta. As folhas tenras são usadas para combater infecções intestinais por Salmonella, Serratia e Staphylococcus, principalmente em crianças. Reduz o colesterol e baixa a pressão arterial, diminuindo o risco de arteriosclerose. Fortalece dentes e ossos, tonifica o músculo cardíaco, melhora a cicatrização e o aspecto da pele, retardando o envelhecimento. Também regula o trânsito intestinal. 



4 comentários:

  1. Um texto saboroso, recheado de curiosidades que nos colocam no tempo e local dos eventos. Como disse, saboroso.

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  2. Grata, amigo, a tua apreciação é muito importante pra mim. Aymoré me critica por fazer textos longos, mas gosto de dar, também,
    algumas informações útris.

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  3. Moema, seja Araçá, seja guaiaba.
    A goiaba imperava em todos os quintais da nossa infância.
    Dela recordo ,saudosa, o cheiro inconfundível dos doces nos tachos,degustado com farinha d'água, raspada no fundo da panela.. Os doces em calda, com cravinho da índia,deliciosamente acompanhado de creme de leite....A goiabada cascão vendida na Mercearia Neves, cuja embalagem fazia camas e guarda-roupas para minhas bonecas, já treinando para o futuro que me esperava, com dias de pouco, muito ou nenhum doce no petisqueiro da vida....
    Agora, através do Mistério do Pé de Goiaba,conheço um pouco do "menino do dedo verde" chamado Zé Paulo, teu irmão. Mais um membro da Casa- que- Brilha,neste caso, CASA DOS ALVIM.
    Falas que não acreditas em milagres...... Talvez possas não acreditar, pois a modéstia impera em tua personalidade.Amiga, és uma pessoa dotada de super-poderes, milagrosa..... toda semente adormecida que tocas, acorda e nascem flores de esperança, sem falar nas goiabeiras abençoadas.
    Com o teu dom especial, acordaste o meu coração através da receita de um singelo, mas poderoso chá de maracujá para curar uma noite de encontros com Dona Insonia, minha companheira fiel. Não era apenas a receita de um chá....foi a receita de Vida que me passaste. Como ser forte, como ter esperança, como ser doce, como aceitar o inesperado de todos os instantes.
    Um simples chá nos aproximou e assim permaneceremos entrelaçadas tal como o pé misterioso da goiabeira. Laços eternos e abençoados! Assim será! Porque assim Deus o deseja e é Ele o dono de todas as goiabas, Araçás, guaiabas, sem esquecer as berinjelas.
    PARABÉNS! Crônica deliciosa de se ler e viver.

    SUELY DOMINGUES- SÃO LUÍS-MARANHÃO

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  4. Grata, amiga, pelo apoio, incentivo e generosodade. Não faço milagres mas espero, com muita fé, que Deus me ajude a superar aquilo que não posso modificar.

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