O mano José Paulo, o caçula dos Castro Alvim, nasceu quando Aymoré já tinha nove anos e eu sete, então um
respeitável intervalo, o que não lhe permitiu
que participasse das nossas peraltices na infância.
Trabalhou na Embratel como técnico
sênior, mais tarde Diretor do Setor Administrativo quando se aposentou. Ainda na ativa, comprou com dois outros
colegas uns terrenos na Praia do Araçagy, quando o setor imobiliário detectou a
grande demanda a que assistimos nos dias atuais. Pensando apenas no
investimento, escolheram seus terrenos contíguos, sendo que o do mano ficava
entre os dois.
Aos domingos os três iam
assegurar-se que não houvera invasão e
assim o fizeram, por vários anos, até que uma figura de certa projeção aqui em São Luis, construiu o primeiro
condomínio da área. Com prestígio, conseguiu a ligação da CEMAR e da então
TELMA. Animado, José Paulo sonhou em construir uma casinha na praia para passar
os fins de semana. Seus amigos, porém não se animaram, pela localização em área
ainda não urbanizada. Fazendo economia, juntando dinheiro e tecendo projetos, o
mano levou ao seu terreno um agrônomo para avaliar o tipo de solo e que
fruteiras poderia plantar. Esse técnico
tinha um estabelecimento bem organizado, próximo à Curva do Noventa, onde
cultivava e vendia plantas ornamentais, para arborização e frutíferas. As mudas
que meu irmão adquiriu eram enxertadas , pois ele queria colher logo os frutos
e não esperá-los por anos: dois pés de jambo franqueando o portão de entrada,
um pé de siriguela, um de manga-espada, um de cajá, um de abacate, um de romã,
um de figo, um de graviola ou jacama, alguns coqueiros e, para não esquecer as
origens, um pé de ingá de metro. Mamãe mandou dizer-lhe que o pé de goiaba
viria de Pinheiro, pois em casa havia um com polpa especial, com a qual fazia
doces para enviar-nos.
Numa das minhas viagens a Pinheiro
ela me encarregou de trazer 4 latas de leite Ninho com mudas com quase um
palmo: um para Aymoré, um para Cleuber, um para ZePaulo e o outro pra mim.
Morando em condomínio no Jardim Eldorado, mas com uma excelente área verde o
meu não chegou a prosperar, sendo destruído pelos filhos dos outros condôminos.
O de Aymoré também não vingou. O de Cleuber deu excelentes goiabas, até o dia
em que a vizinha se queixou das folhas secas, levadas pelo vento, para o seu
quintal. Nesse dia meu irmão meteu o machado na goiabeira, para consternação
minha.
Com poucos recursos e com pressa de
usufruir a sua casa de praia, o mano encomendou uma casa de madeira, mais fácil
de ser instalada. Mandou abrir um poço artesiano para regar suas preciosas
fruteiras, contratou um caseiro. Meticuloso como nosso pai, chamou um arquiteto
para projetar o posicionamento da casa. Com seus instrumentos o técnico
verificou a direção dos ventos, o nascente, o poente, a trajetória do sol e até
a inclinação dos pingos de chuva!
Montada a casa, tratou de mandar
construir a cozinha e área de serviço de alvenaria, temendo incêndios. Também
uma edícula com uma churrasqueira e área coberta, para mesinhas dos
frequentadores do seu sítio: geralmente só os irmãos, cunhados e sogros.
Enquanto isso as fruteiras começaram a florescer. Os filhos crescidos quiseram
uma piscina que para construí-la fez malabarismos para sacrificar o menor
número de árvores. Nesse ínterim, sua esposa começou a plantar, ao pé do muro,
hibiscos, papoulas, alamandas, buganvílias com brácteas de várias cores, todas fáceis
de serem cultivadas.
Animados, seus dois amigos
franquearam-lhe seus terrenos para plantio, em troca da vigilância. Num deles o mano plantou
hortaliças e tubérculos: chuchu, tomate, quiabo, maxixe, abóbora, cheiro verde,
cebolinha, macaxeira e batata doce. Quando íamos aos domingos visitá-los
fazíamos a feira: saiamos com sacolas cheias de frutas e legumes. No outro
quintal, Zé plantou mamoeiros, maracujazeiros e até uma parreira, nada perene,
pois seus colegas poderiam, a qualquer momento,
requisitar seus terrenos.
Ia tudo às mil maravilhas: fruteiras
carregadas de frutas e as plantas ornamentais com suas flores, telefone
instalado, piscina com água se renovando através de uma bica quando, não mais
que de repente, surge um fenômeno inusitado
para coroar tantos cuidados do casal: uma das goiabeiras plantadas ao lado da
escada de acesso à varanda , logo na entrada, começou a botar frutos de três tipos diferentes. De um
lado goiabas grandes, oblongos, casca verde-escuro, fina, com a polpa
vermelhinha e poucas sementes; do outro lado, goiabas redondas, polpa amarelo
citrino, doce e com muitas sementes e finalmente do lado oposto goiabas de
casca verde mais claro, espessa, piriforme, polpa meio adstringente, de cor
clara. Ia gente de longe para apreciar tal fenômeno. Era a nova atração do sítio:
apanhar as bagas, provar-lhes o sabor e
fazer as comparações. Como podia isso ocorrer, as pessoas se perguntavam.
Cética em relação a fenômenos
sobrenaturais, prodígios, objetos voadores não identificados, visagens,
milagres, Moema, pesquisadora por natureza e ofício, resolveu desvendar o
mistério. Examinando bem o caule, descobri que, na realidade era formado pela
junção de três troncos lisos, finos, brilhantes, recobertos por uma casca
espessa. Dando tratos à bola lembrei-me
que anos atrás eu trouxera as mudas de Pinheiro e que durante algum tempo as
duas últimas latas permaneceram na
sacada do meu apartamento. Certo dia indo visitar um primo no Sítio Leal,
atualmente meu vizinho, fui convidada a conhecer seu quintal interno , bonito, gramado, cercado de pés de
alfinete vermelho, ao pé do muro. Plantados, apenas uma laranjeira, um pé de
acerolas bem grandes e uma goiabeira. Toda a minha família e amigos sabem da
minha predileção por goiabas. Essas, então eram especiais: casca fina, bem verde com a polpa vermelhinha e gostosa.
Comi várias, tendo o cuidado de separar algumas sementes, levadas pra casa e
depostas numa das latas. De outra vez indo a um churrasco em casa de Aymoré,
observei que uma goiabeira do vizinho, estendia um dos galhos por cima do muro
do mano. Atenta, dei por uma goiaba me chamando. Disse-lhe que ia apanhá-la;
ético e muito correto, Aymoré não me autorizou, mas tanto insisti com o marido até que ele a apanhou; saboreada
com muito gosto, cuidei de guardar as sementes, levando-as para casa. Algum
tempo depois, numa noite, ZePaulo foi apanhar a lata com a sua muda e, como não havia identificação ele pegou uma qualquer.
Pronto, o mistério fora desvendado,
perdendo a goiabeira, o status de atração para um pé de figos, cujas bagas eram
grandes, com a polpa macia, doce e
suculenta. Eu sou mesmo uma estraga- prazeres. Era mais do que óbvio que o mano
pegou a minha muda com as sementes de duas outras espécies. Ao crescerem, os
troncos fundiram-se num só, confundindo-nos por causa do revestimento espesso
da casca.
Tempos depois os troncos se
estranharam e apareceu uma broca que o agrônomo não soube contê-la. Então a
tri-goiabeira foi sacrificada.
Da espécie Psidium guajara, com
algumas variedades, a goiabeira pertence à família Myrtaceae, que possui 130 gêneros diferentes e cerca de 300
espécies já descritas. Irmã rica do
araçá, prima–irmã da murta, aparentada com a jabuticaba, gabiroba, pitanga,
jambo, cambuí, uvalha. Nativa das regiões tropicais e sub-tropicais, foi
descrita no Maranhão, pelo Frei Cristóvão de Lisboa, que aqui viveu entre 1624 e
1635, na condição de Qualificador do Santo Ofício e fundador da Custódia do
Maranhão, guardião do convento de Santo Antônio de Lisboa. Ao longo desses anos
pesquisou os animais e plantas do nosso Estado, descrevendo-os e desenhando-os.
Infelizmente parte desse material perdeu-se e, durante muitos anos
desconhecia-se o paradeiro de sua obra. Dentre as árvores, ele descreveu e
desenhou a goiaba, chamada araçá. É uma das obras mais importantes sobre o
Maranhão com o nome História dos Animais e Árvores do Maranhão.
Árvore pequena, caule tortuoso, liso
e resistente, às vezes recoberto com casca descamada. Os ramos novos são
quadrangulares e pubescentes. As flores são pequenas , brancas, solitárias. Os
frutos podem variar de acordo com as sub espécies, em tamanho, textura, sabor e
cor da polpa que pode ser branca, rosada, dourada ou vermelha. Bagas carnosas,
casca fina ou rugosa nas cores amarelo e verde, com dezenas de sementes
pequenas e duras. Medem, geralmente oito centímetros. de diâmetro, redondas,
oblongas ou piriformes. Há espécies pequenas, do tamanho de bola de gude, polpa
amarelada, com textura semelhante à espuma
de nylon e gosto desagradável. As quatro
sépalas da flor estão normalmente presentes em uma das extremidades da fruta.
Conhecida pelos silvícolas, o nome
goiaba deriva de guaiaba na língua
aruaque; tem denominações diferentes conforme a região: araçá das almas,
araçá-guaçu, araçá-uaçu, araçaiba, araça-mirim, guava, guiaba, mepeia.
De grande valor alimentício, é rica
em vitamina C, carotenóides, fenólicos totais com atividade anti-oxidante.
Também contém vitamina A, vitaminas do complexo B e sais minerais como cálcio,
fósforo e ferro, encontradas, principalmente, nas espécies brancas, mais ricas
em potássio, fósforo , teor de vitaminas A e C. O aroma forte da goiaba é
devido a um óleo volátil, produzido pelas folhas. Das sementes extrai-se óleo
linoleico. Usada in natura, na fabricação de geleias e compotas, também, sob a
forma de massa, sorvetes, sucos, molhos. A goiabada é muito apreciada em todo o
Brasil, tanto a industrial quanto a caseira. Minas Gerais exporta para todo o
Brasil a famosa goiabada-cascão. Pode ser consumida por criança e idosos,
acompanhadas ou não por queijo, formando o famoso “romeu-e-julieta. Não é
ácida, não tem muito açúcar e nem gordura, podendo, nas saladas, substituir o
tomate, em pessoas com restrição alimentar.
É muita atacada por moscas dos gêneros Anastrepha e Ceratitis,
as chamadas moscas de frutas, que põem seus ovos nos frutos, onde evoluem para
larvas ou bichos de goiaba.
Quanto ao uso terapêutico, geralmente
caseiro sob a forma de chá das cascas da goiabeira, no tratamento de úlceras
estomacais, hemorroidas e leucorreias; sob a forma de bochechos usadas no combate
às afecções da boca e da garganta. As folhas tenras são usadas para combater
infecções intestinais por Salmonella,
Serratia e Staphylococcus, principalmente em crianças. Reduz o colesterol e
baixa a pressão arterial, diminuindo o risco de arteriosclerose. Fortalece
dentes e ossos, tonifica o músculo cardíaco, melhora a cicatrização e o aspecto
da pele, retardando o envelhecimento. Também regula o trânsito intestinal.
Um texto saboroso, recheado de curiosidades que nos colocam no tempo e local dos eventos. Como disse, saboroso.
ResponderExcluirGrata, amigo, a tua apreciação é muito importante pra mim. Aymoré me critica por fazer textos longos, mas gosto de dar, também,
ResponderExcluiralgumas informações útris.
Moema, seja Araçá, seja guaiaba.
ResponderExcluirA goiaba imperava em todos os quintais da nossa infância.
Dela recordo ,saudosa, o cheiro inconfundível dos doces nos tachos,degustado com farinha d'água, raspada no fundo da panela.. Os doces em calda, com cravinho da índia,deliciosamente acompanhado de creme de leite....A goiabada cascão vendida na Mercearia Neves, cuja embalagem fazia camas e guarda-roupas para minhas bonecas, já treinando para o futuro que me esperava, com dias de pouco, muito ou nenhum doce no petisqueiro da vida....
Agora, através do Mistério do Pé de Goiaba,conheço um pouco do "menino do dedo verde" chamado Zé Paulo, teu irmão. Mais um membro da Casa- que- Brilha,neste caso, CASA DOS ALVIM.
Falas que não acreditas em milagres...... Talvez possas não acreditar, pois a modéstia impera em tua personalidade.Amiga, és uma pessoa dotada de super-poderes, milagrosa..... toda semente adormecida que tocas, acorda e nascem flores de esperança, sem falar nas goiabeiras abençoadas.
Com o teu dom especial, acordaste o meu coração através da receita de um singelo, mas poderoso chá de maracujá para curar uma noite de encontros com Dona Insonia, minha companheira fiel. Não era apenas a receita de um chá....foi a receita de Vida que me passaste. Como ser forte, como ter esperança, como ser doce, como aceitar o inesperado de todos os instantes.
Um simples chá nos aproximou e assim permaneceremos entrelaçadas tal como o pé misterioso da goiabeira. Laços eternos e abençoados! Assim será! Porque assim Deus o deseja e é Ele o dono de todas as goiabas, Araçás, guaiabas, sem esquecer as berinjelas.
PARABÉNS! Crônica deliciosa de se ler e viver.
SUELY DOMINGUES- SÃO LUÍS-MARANHÃO
Grata, amiga, pelo apoio, incentivo e generosodade. Não faço milagres mas espero, com muita fé, que Deus me ajude a superar aquilo que não posso modificar.
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