MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O MARACUJÁ E A PEDRADA

IO maracujá

O maracujá pertence à família dos Passifloriaceae, com 14 gêneros e cerca de 580 espécies já descritas. As espécies mais comunas entre nós são a Passiflora edulis (roxo) P. flavicarpa (amarelo) e o P. alata ou maracujazinho.
 Foi um dos frutos descritos e desenhados pelo Frei Cristóvão de Lisboa em sua História dos Animais e Árvores do Maranhão, elaborada entre 1624-35, época em que aqui viveu. No Brasil, a primeira referência ao maracujá  data de 1587, na obra Tratado Descritivo do Brasil. Entretanto, em 1569, Monardis descrevera as primeiras espécies do gênero Passiflora.  Planta nativa das regiões tropicais e subtropicais das Américas, tipo trepadeira, cresce espontaneamente. Já foram descritas mais de 150 espécies no Brasil, no Caribe e na Flórida. Conhecida pelos índios com o nome de mara kuya (comida dentro da cuia) é umas das quatro espécies de frutas nativas dentre as vinte preferidas pelos brasileiros.
Atualmente está sendo cultivada nos Estados Unidos, no Havaí, na Austrália, no Quênia, no Ceilão e na Europa. O seu tamanho, forma e cor  variam: arredondados, pequenos, médios, ovalados, cor arroxeado ou amarelo, grande, como a espécie Passiflora macrocarpa ou maracujá-melão, usado na preparação de compotas. A espécie P.alata ou maracujá doce  vem  sendo cultivada pela Embrapa, com grande aceitação no mercado mundial. Pode ser comido in natura. Seus frutos são alaranjados, folhas grandes em forma de coração e flores avermelhadas. As demais espécies, são usadas, no nosso dia-a-dia, em sucos, sorvetes, cremes, gelatinas, pudins, mousses, bolos, doces cristalizados, licores. Também, na indústria de cosméticos, em produtos para pele e cabelos e na fabricação de perfumes. As espécies de casca enrugada têm a polpa mais doce do que os frutos de casca lisa.
O Brasil destaca-se como primeiro produtor mundial do maracujá e um dos principais exportadores de suco, ao lado da Colômbia e do Equador.

                       



                                VALOR ALIMENTÍCIO

A sua polpa é rica em betacaroteno e possui grande teor de minerais.
Cem gramas de maracujá fornecem 54,60kcal. Água 85,50g); carbohidratos (9,60g); Lipídios 1,80g); Fósforo (71,00mg); Cálcio (53,00mg); Ferro (1,27mg), além de Vitaminas A (caroteno) C (ácido ascórbico) e do Complexo B (B1, B2 e B5).Também apresenta nas folhas Vit B2 (riboflavina) e Vit. PP (ácido nicotínico)

                            PROPRIEDADES MEDICINAIS

As cascas dessecadas e trituradas, são ricas em pectina,  que funciona como bloqueador de gorduras, reduzindo e baixando as taxas de glicose no sangue e eliminando as toxinas. Também apresenta Vit. B3 que melhora a ansiedade, ajuda o crescimento e protege as paredes do estômago. Combate o colesterol..
A polpa é usada na medicina popular como sedativo e tranquilizante. Essas propriedades foram, no entanto, encontradas somente em folhas dessecadas, em 1867, pelo Dr. Phares. Em 1904, Stapleton utilizou-as para tratamento clínico da insônia, tendo boa aceitação, até meados do século passado, em preparações à base de extrato aquoso ou alcoólico.
As vitaminas da polpa, principalmente a Vit.C  fortalecem o sistema imunológico, além de poderoso anti-oxidante que previne o aparecimento de radicais livres, retardando o envelhecimento.

As sementes, em grande número, podem ser utilizadas como vermífugas e misturadas com a farinha das cascas dessecadas e pulverizadas, podem ser processadas para fabricação de rações, adubos, óleo comestível.
A raiz apresenta propriedades emenagogas e adstringentes, também usadas como anti-inflamatório cutâneo.
As folhas dessecadas em temperatura ambiente, tem largo emprego na medicina popular, usadas nas diarreias e hemorroidas, com propriedades sudoríficas e  soníferas, sob a forma de decoctos.
Em banhos quentes é usada no tratamento da gota e erisipela, macerando-as para cataplasmas. Cicatrizantes.
A Farmacopeia Brasileira incluiu o maracujá, como planta medicinal, desde 1929, retirando-o na segunda edição (1959) e voltando a considera-lo a partir de 1977.
Em experimentos conduzidos por pesquisadores da Universidade do Rio Grande do Norte, em 1978, foi detectado, em extrato aquoso das folhas, um princípio ativo, de natureza proteica, com perfil semelhante a dos tranquilizantes. Age como depressor do sistema nervoso central (SNC), induzindo modificações como: prolongamento do sono barbitúrico, redução da temperatura do corpo, potencializando outros depressores como a morfina e bloqueando parcialmente o efeito estimulante das anfetaminas Em outras palavras, as folhas e raizes possuem maracujina, passiflorina e calmofilase, com propriedades sedativas e anti ansiolíticas, recomendadas como coadjuvante no tratamento de dependência química, na luta contra a compulsão das drogas. Também atuam como soníferas, anti-espasmódicas, anti-inflamatórias e depurativas. Combatem a fadiga, desacelera o coração e dilata os vasos sanguíneos, melhorando a circulação do cérebro, aliviando dores de cabeça e cólicas
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           CURIOSIDADES SOBRE O MARACUJÁ

As flores do maracujazeiro têm aspecto bonito, abrindo-se a partir do meio-dia e fechando-se à noite. São hermafroditas e possuem abundante néctar, ocorrendo a fecundação quando uma flor de uma planta é fecundada com o pólen de outra. A esse fenômeno biológico denomina-se autoincompatibilidade. Somente as mamangavas ou abelhonas silvestres  do gênero Xulocopa, são responsáveis pela polinização.
Conhecidas como flor da paixão Segundo o folclore durante a crucificação de Jesus, o sangue escorrido do seu corpo teria molhado uma planta que estava aos pés da cruz. Essa planta nunca dera flor, mas após essa rega soltou um botão que virou uma flor, significando a Paixão de Cristo: seus estigmas em número de três, assemelham-se aos cravos; as cinco antenas, simbolizam as chagas, as gavinhas, os açoites. O formato da flor, a imagem da coroa de espinhos; a cor roxa, o sangue derramado. O fruto, arredondado simboliza o pecado.
O Papa Paulo V, no século XVII ordenou o cultivo do maracujazeiro, em Roma, por acreditar que sua flor representava uma revelação divina.
Câmara Cascudo cita muitos viajantes que por aqui passaram e registraram a presença do maracujá, como o naturalista MacGrave e o frade Claude dAbbeville.
Cantada em verso e prosa, tornou-se famosa na voz de Gal Costa. Rolando Boldrin, declama uma poesia A flor do maracujá, associando-a à paixão de Jesus. Há, também um poema de Caramuru sobre essa planta.
Outro dado interessante que encontrei em minhas pesquisas é relacionado aos pajés que ao serem iniciados nas superstições abstinham-se dos frutos do maracujazeiro.No município de São José de Ribamar há uns 2 anos, começaram a crescer num maracujazeiro, frutos parecidos com pênis. Grande atração turística, com o tempo, murchou e morreu.






                            IIA PEDRADA

Uma das condições para a permanência de uma doméstica em nossa casa, dependia da sua criatividade em contar estórias, modificando-as a cada relato. As minhas preferidas eram as de Pedro Malasarte, do macaco e do coelho, de João e Maria perdidos na floresta e guiando-se pela trilha de pedrinhas. Não cansávamos de ouvir as mesmas estórias, entremeadas por casos de visagens e outros fenômenos extraordinários. Adorava ouvir contar sobre a Pedra de Itacolomy que crescia  de ano pra ano.
Nesse ítem, Dionísia, do município de Bequimão bateu o recorde, acrescentando cada dia mais detalhes. Foi ela quem me ensinou a dançar ao som dos baiões de Luiz Gonzaga: “Bate a enxada no chão, limpa o pé de algodão...”. Dois passos pra cá, dois pra lá.
A segunda condição era que soubesse bater ovos muito bem. Esse era um dos nossos lanches (merenda nesse tempo) preferidos: ovos batidos com um pouco de açúcar, farinha seca e  calda de maracujá, passada no crivo. Não era qualquer pessoa que sabia fazê-los. Havia uma ciência para ficar ao nosso gosto: as claras deviam ser batidas quase em ponto de neve, com uma casquinha de limão e só depois acrescentavam-se as gemas, batendo-as, à medida que eram colocados os outros ingredientes.
Outras merendas eram: queijo de São Bento com goiabada caseira, macaxeira cozida com mel de cana e banana  cacau assada, com um pouco de manteiga e pulverizada com açúcar e canela e frutas da época.
Certa tarde desejei comer uns ovos batidos, mas cadê os maracujás? Não havia nenhum em casa, o que me levou a obtê-los na fonte: o telhado da cozinha da Vila Moema. Como todos sabem o maracujazeiro é uma trepadeira, precisando de apoio para desenvolver-se. Esse a que me refiro nascera no quintal do tio Paulo e esparramou-se pelo telhado de nossa propriedade. O nosso tio morava num sobrado de esquina, pegado à nossa casa, ocupando com a sua grande família (dez filhos) o piso superior. No térreo funcionava o Bar Vitória, com seus bilhares que atraiam os rapazes, sorvetes (o imperial, inesquecível!), picolés, artigos de mercearia e os famosos gelados. Estes eram refrescos, geralmente de maracujá, cupuaçu e tamarindo colhido em seu próprio quintal, tomados com fatias de bolo feito por d. Naiza, sua esposa. Provavelmente o maracujazeiro nascera de sementes jogadas no quintal, após macerar as frutas com a ajuda de um crivo, em época anterior a liquidificador.
Quando tinha esses desejos nada conseguia freá-los e resolví subir no telhado para conseguir alguns frutos. Aos 9 anos trepava em todas as fruteiras do nosso quintal e ainda escalava telhados. Calmamente escolhia  os maracujás maduros quando percebí que alguém jogara uma pedra. Aymoré que não era hábil nem em escaladas nem bom de pontaria, não atingiu o alvo, a mando de papai, para espantar-me. A segunda me pegou em cheio, atingindo o espaço entre as sobrancelhas. Assustada e com o rosto coberto de sangue, descí do telhado, no maior berreiro. Enquanto mamãe limpava o ferimento e punha mercúrio cromo, papai dava uma surra no mano, com um rebenque, para uso exclusivo nessas situações. Papai zangado batia e lhe falava: “seu corão de merda eu não mandei ferir tua irmã”. Enquanto ele apanhava eu não sabia se chorava de dor ou se ria da sova que ele levava.
Continuo gostando de maracujás, cultivados por mim, em 3 sítios que possuí e agora em minha casa no Sítio Leal, para fazer chá das folhas nas minhas noites insones. No entanto eu gosto mais da espécie silvestre. Sim, ainda tenho a cicatriz, mas não guardo o menor resquício de rancor do mano Aymoré.



 



quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O ÉDEN PINHEIRENSE: AS FLORES DA NOSSA ADOLESCÊNCIA


Entre a adolescência e a juventude, deixamos as fruteiras sossegadas: frutas só em casa. Com os hormônios explodindo em cada poro, passamos a procurar outras diversões mais condizentes com o nosso novo  status: afinal éramos jovens às vésperas de concluir o curso ginasial.
Começamos a interessar-nos pelas flores, observando a sua beleza, a textura de suas pétalas, o perfume exalado de cada uma delas, O amor pairava no ar, o romantismo permeava cada gesto nosso, cada coisa que fazíamos: cuidar melhor da aparência, escolher modelos para vestidos e sapatos, pentear os cabelos com mais apuro, escolher uma colônia mais de acordo com a nossa nova fase.
Aprendemos, também, a simbologia de cada uma delas, principalmente das rosas, cuja variação de cor e tamanho dava lugar a interpretações diferentes – a linguagem das flores. Nessa época começamos a tecer nossos primeiros poemas, rimando flor com amor e às vezes com  a dor das nossas primeiras desilusões amorosas.





Quando ganhávamos algumas flores, dadas por um rapaz, na maioria das vezes, apanhadas displicentemente, para ter oportunidade de colocá-las em nossos cabelos ou atrás das nossas orelhas, procurávamos entender-lhes seu significado. As mais comuns eram rosa-menina, jasmin, bugarin, amor-perfeito, cravos, cravinas.. Os cravos de defunto, jamais, pois seria sinal de mau-agouro. A ingênua maria-cagona representava desinteresse, desprezo, levando-nos à humilhação, considerada mesmo um insulto.
 As flores presenteadas eram conservadas entre as folhas de algum romance que tínhamos, não escapando nem o nosso Missal
No coreto da Praça da República, debaixo das ramadas de dois pés de buganvílias, desfolhávamos bem-me-quer que cresciam, à-toa, nas beiras das alamedas da praça ou nos canteiros das nossas avenidas. Procurávamos, desesperadamente trevos de quatro folhas, considerado amuleto para dar sorte no amor, na profissão. Nossas avenidas eram arborizadas com Ficus benjamin, substituídas em 1956, quando uma poda mal feita matou-as, por castanheiras e flamboyants. Quando os campos enchiam, ficávamos extasiadas com as belas hastes lilases exibidas pelos mururus.e as flores, também violáceas, do algodão do campo. No verão cordão de frade, miosótis e outras flores que eram dessecadas.
Poucas pessoas se dedicavam ao cultivo das flores, colhidas apenas em duas ocasiões diferentes: para buquês levados em enterros ou para os jarros das Igrejas, aos sábados. As flores que eram colocadas dentro dos caixões dos defuntos eram, geralmente, saudades, perpétuas, maravilhas, cravos, cravinas e cravos de defunto. As colhidas para decorar os altares eram mais nobres: rosas, dálias, lírios, açucenas, alfinetes, palma de Santa Rita, estrela, cachos de rosa-menina, guarnecidas por palma fina e fim de verão. Ainda não  havíamos descoberto o grande efeito visual das samambaias e outras folhagens.


Do coreto contemplávamos as flores bem cuidadas do bonito bangalô da família de Ísis: alamandas, hibiscos de cores variadas, papoulas, rosas, lírios e açucenas.
Na nossa casa, papai mantinha um faz-tudo o qual dentro de suas inúmeras atribuições,  regava e cuidava de suas dálias e rosas. Não tínhamos permissão para apanhá-las: elas murchavam e despetalavam-se no pé. Na casa de d. Nhazinha havia uma bela acácia pingo de ouro, com seus cachos de flores amarelas que se debruçavam sobre a calçada.
Na casa de Gracinha Ferreira, ao lado da Usina, sua mãe cultivava flores e que estavam sempre à nossa disposição, desde que fossem para a Igreja.
Não tínhamos coragem para pedir  flores na casa de d. Julieta Abreu que cultivava espécies raras na cidade: petúnias, gerânios, crisântemos, begônias, hortênsias, gardênias, camélias, magnólias, verbenas, cujas mudas trazia de Fortaleza e do Rio quando visitava os filhos.
As demais flores encontradas em quase todos os quintais eram: onze horas, crista de galo, cauda de rato, dinheiro em penca, jiboia, tapete de rainha, pacovinha, anágua de noiva, tajás, madressilva, avenca, zínias, jacinto, nuvem, bugarin, amor-perfeito, amor agarradinho, laura-rosa, manacá, chuva de prata, estrela, espada de São Jorge, comigo-ninguém-pode, jardineira,girassol, margaridas de várias cores, maria-cagona eu e tu.
No Maracanã a prof. Rosa Mochel e seu marido, ambos agrônomos  em  seu sítio no Maracanã., cultivavam e vendiam  não só frutíferas mas plantas decorativas e para arborização: antúrios, avenca, glicínias, cactos, samambaias, árvore da felicidade, agave, heliconia, íris,  amarílis, goivo, margaridinhas , ipomeia, copo de leite, anêmonas e muitas folhagens.
A partir da segunda década de 1980, com a implantação da SEDEL (Secretária Estadual de Desporto e Lazer) comandada pelo sr. Elyr Gomes, que havia sido meu colega no Curso de Farmácia, chegaram em São Luis, flores e folhagens sofisticadas, expostas nas feiras de plantas realizadas na Praça Deodoro: samambaias diversas (chifre de veado, de metro, franzida); mussaendas de várias cores, orquídeas de várias espécies, schefflera, monsenhor, tulipas, crótons de belas folhagens, buganvílias de cores variadas, de brácteas dobradas, crisântemos, violeta, dracenas, cactos, ave do paraiso, gladíolos, glicínias, árvore da felicidade, pinheiros, bromélias, hera para recobrir muros, copo de leite, costela de Adão, e grande variedade de plantas ornamentais, principalmente exóticas palmeiras. Todos podiam comprá-las e cultivá-las em seus jardins.
Em Pinheiro apareceu uma quadrilha que roubava cestas de samambaias de metro, cultivadas com tantos cuidados, para serem vendidas na capital..
Por essa época as casas do Centro de São Luis foram abandonadas e as residências tinham novo endereço: Sítio Leal, Cutim, Sítio Campinas, São Francisco, Jardim Renascença, Mais tarde, Renascença I e II, Ponta do Farol, Calhau, Quintas do Calhau, Cohafuma, Cohama, Cohajap, Cohajolí, Parque Amazonas, Parque Timbira, Parque Pindorama, Parque Atenas, Parque Shalon, Parque Atlântico, Turu, Jardim Eldorado, Angelim, Vinhais, Bequimão, Maranhão Novo, Ipase, Alemanha, ocupando a cidade em áreas recém-descobertas após a inauguração da Ponte José Sarney, em 1970. Nos últimos decênios essas casas estão sendo adquiridas por empresas, clínicas médicas, odontológicas de estética, e as pessoas de maior poder aquisitivo, sacrificaram seus jardins, em troca da segurança de condomínios horizontais e, principalmente verticais, em bairros nobres como Ponta do Farol, Praia do IPEM, Ponta dÁreia.,
E nós? A época de sonhos e despreocupação fora  substituída pela dedicação aos estudos, pois eram poucas as vagas nos bons colégios (Liceu, Escola Normal e Escola Técnica) e a seleção muito rigorosa. Iríamos começar uma nova etapa das nossas vidas, o marco que separava a adolescência da idade adulta. (Atualmente os psicólogos adotam três fases da adolescência: o início entre 12 e 14 anos, a média entre 15 e 17 anos e a adolescência final de 18 a 25 anos).
 Destinada ao Colégio Santa Teresa, como interna, fiquei às voltas com compras e provas, costureiras e bordadeiras para o enxoval enorme, constando de uniforme comum, de ginástica, lençóis, fronhas, colchas, lenços, calcinhas, camisolas, combinações. Somente nas férias voltávamos a Pinheiro Nesse ínterim, muitas amizades deterioraram-se, os namoros acabaram, muitas colegas já estavam casadas, os folguedos mudaram, mantendo a antiga amizade apenas um  grupo restrito.

O ÉDEN PINHEIRENSE


Pinheiro, município maranhense que integra a Região da Baixada, é  caracterizado por campos baixos e alagados no período chuvoso, quando o excesso de água extravasa dos rios e lagos, inundando-os. Por sua localização na região norte ocidental, situa-se no vértice de diferentes ecossistemas: campos, florestas, cocais, chapadas, litoral, com cobertura florística diversificada. Entretanto, em muitos trechos, esses ecossistemas se intercalam, se entrelaçam, se entrecruzam  e até se superpõem. Neste texto registraremos apenas árvores, arbustos e palmeiras frutíferas que fazem do nosso município, um grande pomar tropical.
Em razão dessas diversidades encontram-se, nas áreas dos campos e lagos, crivizeiros, cujos frutos chamávamos quiriri ou criurí,. nativos, mantendo, também, a fauna ictiológica; das matas: a juçara, cauaçu, marajá, abricó, ingá, azeitona silvestre, cupuaçu, cacau, tuturubá, taperebá, pupunha  maracujazinho, buriti. Nas chapadas encontramos bacuri, jenipapo, pequi, goiaba-araçá, araticum, maria pretinha, pitomba, ginja, pitanga, umbu, ananás,  cajazinho, camapu, guabiroba, algaroba, esta mais conhecida como planta forrageira. Da região litorânea: coco da Bahia, murici e certas espécies de cajus, também mangaba, pitomba e jambo. Da região dos cocais, além do babaçu, encontramos anajá, tucum, macaúba, bacaba.
As demais árvores frutíferas, eram cultivada ou simplesmente plantadas: mangas, sapoti, mamão, bananas, carambola, jaca, cajarana ou cajá do Pará, cajazinho, certas espécies de cajus e de goiabas, jambo, jaca, jacama, ata laranja, lima, limão, fruta-pão, abacate, tamarindo, seriguela, tanja, tangerina, melancia, maracujá.
Pouca gente sabe, mas entre as vinte frutas mais consumidas pelos brasileiros, apenas  a goiaba, o caju, o maracujá e o ananás são nativas. As demais são oriundas de outras regiões, até de outros continentes, aclimatando-se bem em nosso país.
Muitos frutos nativos, além de incrementar a indústria caseira de sucos, doces (em massa, compota, geleia, licores, vinhos), concorrem para o processamento em escala industrial, fornecendo muitos sub-produtos; os retirados das palmeiras  são utilizados na Indústria para extração de óleo, como o babaçu, desde a I Guerra Mundial e, ultimamente, o tucum, a  macaúba; também o pequi, a castanha de caju, castanha do Pará e outros. O açaí ou juçara está sendo exportado, acompanhando a demanda que teve o guaraná. Das palmeiras jovens, antes da frutificação, se retira um palmito tenro, o que ocasiona prejuízo na coleta e exportação dos frutos; mesmo proibido, o palmito é  contrabandeado por pessoas inescrupulosas. Outras frutas, nascidas nas beiras dos caminhos e das quais não reconhecíamos o seu valor, como o camapu, vem sendo importado pela Europa, usado em saladas frescas  e outros pratos da culinária francesa e inglesa.O limãozinho é usado na preparação de picles e coquetéis. Da guabiroba se retira um excelente palmito, vendido em conserva; da mangaba se extrai  látex; a polpa do araticum é usada na fabricação de sorvetes no Centro-Oeste. O pequi está sendo importado pelo Japão para a produção de licor.
Para a indústria de cosméticos são usados vários frutos como o urucu, o cacau, o cupuaçu. Na indústria alimentícia, cacau na produção de chocolate. Da carnaubeira aproveita-se a cera e folhas para cobertura de chalés e gazebos. No artesanato destaca-se a fibra do buriti, dos frutos, extrai-se um corante para a fabricação de pães e biscoitos; também bastante usada a palha do babaçu, o coco, assim como o coquilho do tucum e o coco da Bahia. Na indústria de tintas, o tanino extraído da casca de cajueiros. Na indústria farmacêutica são numerosas as frutas das quais são extraídos princípios ativos. O mesocarpo do coco babaçu é triturado e usado, no meio doméstico, no tratamento de várias doenças.
                  





I – AS FRUTAS QUE ADOÇARAM A NOSSA INFÂNCIA.

Quase todos os quintais de Pinheiro faziam parte do nosso pomar. Todos as crianças da minha idade (10 a 12 anos), sem televisão nem outras diversões que nos prendessem casa, saíamos, em grupos, nas tardes de sábado e domingos, após a Missa das 8:00h,  em direção  aos quintais  dos vizinhos e amigos, onde poderíamos encontrar as melhores frutas da cidade. Tínhamos, memorizado, o nosso mapa dos tesouros e seguíamos, em turmas, os roteiros previamente escolhidos no coreto da então Praça da República (hoje José Sarney) à sombra das três-marias (buganvílias) que se esparramavam com suas flores vermelhas e róseas. Evidentemente as rotas eram traçadas de acordo com a safra de cada fruta.
Sem adubo nem regas, contando só com a água das chuvas, no período invernoso, as fruteiras não davam a carga ideal para satisfazer  toda a criançada. No nosso grupo, cujas famílias tinham  poder aquisitivo melhor, essa busca era mais para ocupar o tempo ocioso, principalmente nas férias. Eu ficara mais solta, sem grande vigilância de mamãe, cuidando da farmácia deixada por meu pai, para garantir a nossa ssbsistência e educação. Ela aprendeu a manipular, tratar a clientela principalmente dos povoados, lidar com representantes de remédios e outras providências necessárias. Meu pai não a preparara para substituí-lo e ela teve que se virar  sozinha.
Aymoré fora enviado para o Seminário Santo Antônio, em São Luis; se não tivesse vocação para o sacerdócio, receberia, certamente, uma boa educação, assim como a disciplina necessária. José Paulo, o caçula, tinha apenas três anos e uma babá cuidadosa. Eu não dava grandes preocupações, principalmente em relação aos estudos. Interessada, aplicada, vivia mergulhada nos livros Mas férias, são férias.
O mapa encantado e as abordagens necessárias eram as que se segue. Ao chegar nas casas, batíamos palmas e pedíamos frutas. Ninguém falava em comprar e vender. Eram dadas, de mão beijada:
- goiabas madurinhas, amarelinhas, sem bicho – quintal de d. Tatá Mendes, avó, de Ana Fausta, Marbene, Lucilene; Gracinha ainda era pequena. Os filhos de Dedeco estavam nascendo.
- jacas da casa de d. Doninha Pereira.
- mangas catanas (compridas ou comuns) e manguitas – quintal de d. Fausta Reis.
- cajus compridos, doces, verde cana, e carambolas – casa das tias Babá, Cecé e Bibi.
- sapotis e tamarindos arientos no quintal de d. Faninha Veloso, avó de Terezinha. Concita e Mary  ainda eram crianças.
Ficávamos de olhos compridos, na casa de d. Alice Durans, quando íamos estudar com Terezinha, em direção a um pé de bonitas laranjas da Bahia (grapefruit) e limas reservadas para o Dr. Antenor Abreu. Contentávamo-nos com os cajás, mangas e goiabas.
Também lançávamos olhares cobiçosos para as goiabas-pera da casa de d. Julieta Castro Abreu e para as laranjas da China da casa de sua irmã d. Nhazinha Gomes. Nem a amizade com Cindoquinha, sua sobrinha, nos franqueava o acesso àquelas frutas deliciosas que amadureciam no pé. Na casa de d. Sofia, a outra irmã, invadíamos o seu quintal para furtar goiabas brancas, envolvidas em papel para evitar as moscas de frutas; essas goiabas eram reservadas para sua filha Terezinha que morava em São Luis.
Na casa das Sodré, as professoras Ricardina, Amélia (a Mestra) e d. Francisca (Xixinha), apanhávamos mangas com a ajuda de Celestina e de lá passávamos para a casa do sr, ZéPedro, sapateiro, pai de Maria Francisca (Cocota), que estudava no Colégio Rosa Castro, em São Luis,  Idalinajara e Vera eram ainda meninas.
Celeste Costa Ferreira fora nossa professora de alfabetização, em domicílio. Afilhada dos meus pais presenteava-os com grandes frutas-pão, que eram cozidas antes de consumí-las. Nunca me apeteceram, assim como o abricó do seu quintal.
Aos domingos, pela manhã, em tempo de ingá, íamos apanhá-las em casa de seu Palmério Martins, na Ilha de Ventura. Também pegávamos bacurizinhos, muricís, quiriris ou criulis, maria-pretinha e araticuns, com a cumplicidade de Lurdinha e Rosário, suas filhas. As outras eram ainda pequenas. À tarde atravessávamos a Faveira, de canoa, para cortar umas canas em casa do seu Brechó (Belchior).
Às vezes, alongávamos a excursão e íamos à Ponta de Santana, em casa de d. Mundiquinha Durans comer mangas e outras frutas. Éramos colegas de suas filhas Marlinda e Maria Tereza. Socorro ainda era garota. Lá sempre encontrávamos as frutas já colhidas e lavadas.
Outas vezes, aos domingos, íamos à casa de d. Leonete Soares, mãe de Maria Helena, Maria Célia e Reginaldo. Raimundo ainda era garoto. Lá comíamos, à farta, goiabas brancas, suculentas e deliciosas. Infelizmente não fabricavam, nessa época, as sacolas de plásticos, tão úteis e atualmente condenadas por poluir o meio ambiente, e só apanhávamos o que dávamos conta de comer.
No sítio de d. Rosa Gaia, no Sete, colhíamos azeitonas do mato (jambolão) cajazinhos e limãozinhos. Na casa do seu João Bertoldo eram as ginjas, na casa de d. Sinhá e de seu Carrinho Pimenta, os tamarindos.
Na casa de seu Manico Abreu, pai de Catí eram as mangas-buceta, pedidas entre risinhos, caras e bocas.
Quando papai era vivo, eu tinha entrada franca na casa de seu Leude Guimarães e d. Doninha; ele coletor federal e ela, minha professora de prendas domésticas, entre 1950-52. Com ela aprendi a fazer renda de almofada, ponto de cruz, ponto paris e outros dos quais há muito esqueci.
. No quintal havia uma frondosa goiabeira que espalhava seus ramos carregadinhos de goiabas brancas. Já idosos não comiam essas frutas, desfrutadas por Inocência e Eneida, duas irmãs que trabalhavam na casa e por mim. Algumas frutas eram envolvidas em papel de embrulho, amadurecendo sem larvas para a sua filha Rosa, que trabalhava em São Luis. Foi nessa casa que comi pera, pela primeira vez; papai talvez não gostasse porque sempre encomendava, da capital, maçãs e não me lembro de vê-las em casa. Também foi na casa de d. Doninha que conhecí macarrão; ela tinha uma maquineta e eu a ajudava a rodar a manivela para cortar as tirinhas da massa e colocá-las no varal, para secar.
Papai foi em Pinheiro, o primeiro morador a plantar coqueiro-anão, fazendo-o no quintal da Vila Moema, casa que construiu ao lado da nossa e que a pôs, ainda em vida, em meu nome. Essa casa era só para alugar. Foram seus inquilinos Dr. Fred Fuller, pastor protestante com a sua esposa d. Katherine a quem chamávamos d. Catarina e seu filho David. Quando ligavam a máquina de lavar roupa, usando sabão em pó, todos os vizinhos iam apreciar. Mais tarde moraram o Tenente Olí de Castro e família; depois seu irmão Edésio Castro e família. A casa em que morávamos, grande e com um belo quintal era o Vilino Aymoré. Papai sempre gozador, dizia às pessoas que lhe perguntavam o significado,  que era o masculino de vila. Nunca encontrei esse vocábulo em dicionário algum. A de José Paulo, ficava no lado oposto da Avenida onde morávamos, a mais importante da cidade. Nessa casa havia uma bonita mangueira-rosa. Alugada, quase sempre, poucas vezes saboreamos essas frutas. Nela moraram: dr. Carneiro Belfort, quando prefeito da Pinheiro por volta de 1944; mais tarde  (1947-48) o dr. Damasceno Figueiredo; em 1949 seu Leitão e d.Olga, casal elegante e que gostava de festas. Mais tarde dr.. Jeremias e outros dos quais não lembro, até que foi vendida por ZePaulo, já adulto, para Francisco Castro, o Tinche, nosso primo.
O meu padrinho Alexandre Guimarães morava na chapada numa fazenda-engenho denominada Santa Eugênia e nos trazia mel de cana, macaxeira, bacuri, jenipapo, murici, taperebá, guabiroba.
Em tempo de tangerina, uma das minhas frutas preferidas, ficava atenta, para sentir a direção do inconfundível olor. Ia muitas vezes, de bicicleta, compra-las no comércio do seu Francinê, na Beirada, no bairro da Matriz.
Em 1953, o sr. Ulisses Durans, coletor federal,  chegou a Pinheiro com a sua família, transferido a pedido, pois tinha 4 filhos em idade escolar e a fama do então Ginásio Pinheirense já atravessara fronteira. Ficaram na casa onde funcionava a Coletoria, na Praça da República. Darly, um pouco mais velha estudava em São Luís; Murilo ainda no Primário; Niedja e Danilo, nossos colegas. Dona Amélia preparava frios saborosos, como pastéis, cartuchos recheados com camarão; também pirulitos de maracujá que mandava vender nas ruas. Por minha grande afinidade com Niedja (somos amigas até hoje) a goiabeira era franqueada a mim, como na época das rendas e bordados de d. Doninha.
 No quintal de Tia Flora Durans, além das carambolas, Lurdinha nos presenteava com frutas mais raras, gostosuras trazidas por seu pai das fazendas Apaga-Fogo e Rosário, na Chapada: pequi, macauba , tucum, araticum, jatobá, cauaçu, jambo.
Helinice, filha de dr. Hélio Costa e d. Nice, apesar de ser da nossa idade e colega de turma, não participava dessas excursões; com a ajuda de Dezinha (irmã de Adelzira, ainda garota) e Maria, Tomásia apanhávamos mangas catanas, cajus e cajazinhos; os garotos arrancavam a casca da cajazeira para fazer dados. Perto de sua casa, a familia tinha um terreno com manga espada e manteiga. Não me lembro de ter visto uma só madura. Eram apanhadas de vez. De lá arrancávamos macaxeiras, assadas na brasa, por seu Guta.





No Fomento, íamos visitar Anaclan e sua irmã Maria. O seu pai, seu Edgar Cordeiro, grande comerciante e exportador de babaçu, fora o primeiro milionário que conhecemos. No quintal de sua casa mandara cavar um tanque, arremedo de piscina para deleite de seus filhos e dos amigos. Também comprara um mono-motor (teco-teco). Ainda nesse bairro não deixávamos de passar no sítio de d. Pupu, onde apanhávamos mangas de qualidade e outras frutas. Esticando a viagem íamos em Pacas, visitar Maria do Rosário, já casada. Nas férias iam conosco: Alzira Aranha e Linete Barreto que estudavam em São Luis acompanhadas por Iracema, Iracilda e José Morse, filhos de seu Mozart, gerente das Lojas Pernambucanas. Nesses passeios mais longos usávamos bicicleta. Também íamos visitar a colega Maria Luisa Mineiro, na Praça do Centenário e também  d. Zunga que fazia as flores de papel que decoravam os andores. Nessas casas encontrávamos mangas, cajás e limas.
Visitávamos, no Campinho as filhas do seu Raimundo Bittencourt: Rosa Maria, nossa contemporânea, Joana e as irmãs eram crianças ainda. Do seu Engenho Queimado vinham laranja, lima, marajá, crivili, murta, tuturubá, goiaba, caju, manga e maracujá do mato.
Certa vez Flory me convidou para pegar umas mangas em casa de amigas nossas, no bairro de Alcântara. Eu queria apanhá-las com paus e pedras mas Flory, mais meticulosa, resolveu usar uma vara. Futuca aqui, alí, acolá, até que de uma penca, caíram várias mangas das quais ela não pode defender-se. Resultado: uma delas atingiu sua cabeça e ela caiu desmaiada, causando preocupação às donas da casa.
Após a safra de cajus, reuníamos nossas castanhas para assá-las. Também consumíamos amendoim, chamado por nós de mindubí e esporadicamente junça, cujo teor de proteína é superior ao da batata.
Cruzávamos a cidade de norte a sul, de leste a oeste, desde a Faveira a Pacas e as duas Beiradas dos campos circundantes e encontrávamos as mesmas fruteiras. Também na Chapada e no Campinho, dois ecossistemas totalmente diferentes, eram encontrados os mesmas frutos nativos.
Nas últimas séries do Ginásio a nossa turma deixou as fruteiras de lado e enveredamos por outros jogos: voleibol, ordican; também impugna. Tomavam parte nesse grupo: os irmãos Leite (Leitinho, Jurandy e Erasmo, quando de férias); os irmãos Durans (Darly, Niedja e Danilo); as irmãs Castro (Socorro e Maria Helena); Marília, as irmãs Maria Pereirae Norinha, Flory. Cocota,  Cindoquinha e Sofiinha, Maria Isaura e primas, Eldonor, Reginaldo, Ribamar Martins, Ernaldo, Alaor,  Lauro, José Anastácio, Catí, Edméa, Cristina, Aymoré, eu e muitos outros jovens. Às tardes, íamos com os irmãos Santos (Maria Alice, Delfina e ZeMaria) para o aprazível sítio da família, à beira do campo Também íamos à Faveira, ao Campinho, onde apanhávamos tucum e anajá, passando pela Forgata, apostando corrida de bicicleta. Aprendemos, nessa época os jogos da sedução: os olhares, o charme, o flerte, as indiretas, o toque das mãos e a paquera, iniciando primeiros namoricos. À noite, dançávamos em nossa sala, ao som de uma luxuosa eletrola  Philco, comprada pelo meu padrasto: boleros, foxes, guarânias, mambos, rumbas, sambas-canção, com os discos que Aymoré, tendo já deixado o Seminário, trazia em sua bagagem. Lucho Gatica, Nat King Cole, Agustin Lara, Gregorio Barrios, Irany e seu conjunto, embalaram nossos primeiros romances.
As moças mais velhas como Gracinha Moreira, Lucilene Abreu, Ericine, Darcy Abreu, Maria Lúcia Cerveira, Darly Durans, Amélia Costa, Nair Amate, ou já tinham namorados firmes ou apenas iam, conosco, na Faveira para partidas de voleibol e ordican.

Iniciava-se, nessa fase, a nossa mocidade, com seus projetos e responsabilidades, deixando pra trás a despreocupação da infância e da adolescência até então, adoçadas pelas frutas.



domingo, 22 de setembro de 2013

A CARAMBOLA VILà




A carambola- Averhoa carambola ( sânscrito kurmurunga), nome deriva do francês carambole, pertence à família das Oxalidáceas. Originária do Sri Lanka e Ilhas Molucas, segundo uns autores ou da Indonésia, India,e até Malásia, de acordo com a maioria, é encontrada no Sudeste Asiático e Pacífico Sul. Cultivada há milhares de anos, na India, como planta ornamental, foi levada para a China onde aclimatou-se muito bem. Trazidapara o Brasil, em 1817 por Paul Germain, botânico francês,foiintroduzida no Estado de Pernambuco, distribuindo-se por todas as regiões do país. Pode, também,ser encontrada na Colômbia, Guianas, República Dominicana e sul dos Estados Unidos, principalmente na Flórida; assim como no Havaí. Seu cultivo para fins industriais é feito só na Austrália. A caramboleira é uma árvore de porte pequeno, atingindo, no máximo 7m de altura, folhas pequenas, alternadas, flores também pequenas branco e púrpura. Frutificaapós4 a 5 anos de plantio e sua sobrevivência oscila entre 50 e 70 anos. Seus frutos, também conhecidos por camerunga, têm formato original, oblongos, com cinco gomos largamente separados uns dos outros, medindo até 12 cm. Baga carnosa, nas cores verde claro ou amarelo ouro, sabor agridoce, meio adstringente, podendo ser consumidos in natura ou sob a forma de sucos, caldas e doces (geleias, gelatinas, compotas ou tipo passas). Quando os frutos são cortados transversalmente, parecem estrelas e podem ser servidas em saladas e tira-gosto, também como ingredientes de coquetéis. Comum em quase todos os quintais e sítios brasileiros, não é árvore cultivada para fins industriais.

       VALORALIMENTÍCIOEPROPRIEDADESTERAPÊUTICAS 

 Contém Cálcio, Vitaminas A, Complexo B e C; ferro e fósforo; também proteínas e lipídios; 94%g é constituída por água;100ml do suco fornece apenas 23,3kcal. Rico em fibras é usado para prevenir a hipertensão. A vitamina C fortalece ossos, dentes, impedindo a mandíbula de encolher; previne a osteoporose, dores ósseas das gengivas e problemas menstruais. Fonte de polifenoisantioxidantes que combatem os radicais livres, retardando o envelhecimento precoce. O decocto das folhas fornece um sucodiurético, excelente, usado como febrífugo e contra tosse; combate o cansaço mental, resfriados. Pedaços da fruta podem ser utilizados para limpar prataria e manchas de ferrugem. As sementes ovais, achatadas e marrons, trituradas são indicadas na asma, cólicas menstruais e câimbras musculares.. As folhas, compostas por dois folíolos alternados contém ácido oxálico que estimula o apetite. Quando maceradas, fornecem um sumo que ajuda a clarear as manchas de idade das mãos. Também usadas, externamente, em picadas de animais venenosos. As cascas da caramboleira, ricas em tanino são usadas como disentéricas. Apesar de todos esses suplementos alimentares, em pesquisas realizadas na Universidade Federal de Ribeirão Preto foi detectada uma toxina – a carambotoxina – existente em teor elevado na fruta e que é nociva ao homem, por não ser filtrada pelos rins. Em pessoas com histórico de insuficiência renal, por diabetes ou outras causas, essa toxina cai na circulação sanguínea, vai ao cérebro, causando problemas neurológicos: soluços, confusão mental, convulsões. Se não for feita uma hemodiálise, pode levar ao coma e atéà morte. Os cristais de oxalato de cálcio, derivados do ácido oxálico encontrado na fruta são, também, responsável pela formação de cálculos renais, como o ácido úrico. Em 19 de março de 2008, foi sancionada uma Lei n@ 4152, no município paulista de Jaú,aprovado pela Câmara de Vereadores do município, projeto do vereador José Mineiro da Câmara, proibindo o uso de suco de carambola em restaurantes, bares, repartições públicas. Deve afixar-se cartazes em todos os estabelecimentos comerciais sobre as consequências da ingestão dessa fruta e seus derivados, inclusive a polpa e doces, sob pena de multa, fixada à época, em R$ 520,80. Desde 1982 vários médicos em Goiânia já proibiam o consumo de sucos ou mesmo da fruta em doentes renais crônicos.


                                                CURIOSIDADES 

Quase nada achei no folclore brasileiro sobre carambola, a não ser a expressão popular, ora carambolas!ou somente carambolas!para designar surpresa causada por algo incomum ou frustração.



 MINHA OJERIZA A CARAMBOLAS E CARAMBOLEIRAS 

No quintal da nossa casa, em Pinheiro, havia uma caramboleira, provavelmente plantada por minha avó paterna, na década de 1930, assim como todas as fruteiras do nosso quintal. Com a sua morte, meses antes do meu nascimento, uma sobrinha sua, Dona, que sobreviveu ao meu pai, se auto-denominou guardiã dessas fruteiras, principalmente do cajazeiro, objeto dos nossos desejos. Na realidade eu nunca gostei de carambolas, principalmente as de casa, mirradas e muitoácidas, mas gostava de subir para ter uma visão da Avenida Paulo Ramos que corta a Avenida Presidente Dutra, quase que na esquina de nossa casa. Há uns 22anos ganhei umas carambolas grandes,amarelinha e dulcíssimas, de uma professora visitante do Departamento de Patologia da UFMA, de origem chinesa, Essa professora trouxera da sua terrasementes da fruta e plantara em seu quintal, com sucesso. Passei a minha primeira infância sob vigilância rigorosa do meu pai, principalmente em relação às nossas incursões ao quintal onde havia um poço sempre coberto, mas ele tinha receio da curiosidades dos filhos em relação ao tal poço, assim como ao porão, construído na época da II Guerra Mundial para abrigar-se de bombardeios. Durante as perseguições getulistas contra o Comunismo e o Integralismo, alguns amigos seus integralistas ficaram alí escondidos. Aos 6-7 anos já subia nos pés de jucá, fugindo de nossa mãe com suas colheradas de Emulsão de Scott e de Óleo de Fígado de Bacalhau. Não adiantava nada e tínhamos que tomá-los com um copinho de Biotônico Fontoura, para mascarar o gosto intragável. A caramboleira deve ter sido podada, bifurcando-se em dois galhos relativamente grossos e resistentes. Do alto dava para ouvir bem o alto-falante do cinema dos Paiva (não lembro o nome): curtia as músicas, principalmente as marchinhas. Nessa ocasião tentava aprender ”Cadê Zazá,” lançada no Carnaval de 1948 e sucesso na voz de Carlos Galhardo. Vivia cantarolando a primeira estrofe, mas a segunda não conseguia entender unas duas palavras. Nesse bendito dia, assim que começou a ser transmitida eu subí na caramboleira e estava tão distraída que não pressenti a chegada de mamãe que, de taca na mão me intimou a descer. Comecei a apanhar tão logo minhas perninhas ficaram ao seu alcance. Eu chorava e soluçava enquanto Carlos Galhardo cantava: “Cadê Zazá, Zazá, Zazá/ Saiu dizendo vou ali mas volto já. Se não voltou por que, por que será? Cadê Zazá, Zazá, Zazá. Sem ela vou vender meu bangalô que tem tudo mas não tem o seu amor/sem ela, praque serve geladeira/pra que ventilador? Eu pergunto e ninguém sabe onde ela está. Cadê Zazá, Zazá, Zazá?” Pronto as palavras que não entendia eram: bangalô, geladeira e ventilador, ainda não conhecidas por mim. Não apanhei mais, porque Camélia (Dadá), minha babá me socorreu. Também gostava muito de General da Banda, cantada por Blecaute, em 1949. Hoje eu entendo que essa marchinha fazia alusão ao General Dutra, nesse tempo Presidente do Brasil, e ao Gal. Mourão que certamente queria derrubá-lo. Entre 1997-98 a Globo apresentara, no horário nobre uma novela de Lauro César Muniz, tendo a atriz Fernanda Montenegro, representando a protagonista, descendente de Santos Dumont. Título da novela: “Zazá”. Se já havia esquecido o episódio da pisa, tudo voltou à minha memória: a marchinha, a caramboleira e a taca de mamãe. Agora lhes pergunto: como falar em caramboleira e carambolas sem lembrar-me dessa surra? A primeira e única na minha vida, porém inesquecível!

sábado, 14 de setembro de 2013

À ESPERA DO MELÃO

Filha de farmacêutico idoso, com larga experiência no cuidado com a saúde dos pinheirenses, é óbvio que nosso pai decidisse que as frutas fariam parte do cardápio alimentar da nossa família, principalmente como sobremesa: banana, mamão, laranja, lima, manga, cajá, goiaba, jenipapo, milho verde, não faltavam em nossa casa, de acordo com a estação. Papai dizia, não só aos seus fregueses, mas à sua esposa, nossa mãe, que as frutas são alimento de primeira necessidade, indispensáveis para o desenvolvimento do organismo humano, pela riqueza em vitaminas e sais minerais. Também para facilitar o trânsito intestinal, dificultando a perniciosa prisão de ventre que intoxica nosso organismo. Estimulava-nos a comer até as frutas das quais não gostávamos, como abacate, carambola e lima. Apenas o açaí não entrava em nossa casa, pois em período passado na Amazônia, com alta prevalência de hanseníase, associara essa doença ao consumo de juçara. Sem liquidificador só tomávamos suco de maracujá, cujas sementes eram amassadas com um garfo e passadas num crivo, suco de laranjas espremidas e de cupu-açu cortados com uma tesoura bem limpa. Nosso pai adorava frutas secas: figos, passas, ameixas, tâmaras, nozes, castanhas portuguesas, não faltavam em nossos natais. Encomendava, com frequência, aqui em São Luis, maçãs. Às vezes só sobravam as cascas pra mim e Aymoré; felizmente ele as deixava bem grossas, e que eram disputadas pau a pau. Mamãe costumava fazer bananas secas: cortava cuidadosamente, no comprido, punha no sol, numa urupema coberta com filó e adivinhem quem tomava conta? Quantas sobravam?  Sempre gostei de banana cacau assada na brasa, com um pouco de manteiga e polvilhada com açúcar e canela. Atualmente ainda gosto. Hoje mesmo comí algumas, assadas no forno, sem açúcar e com um fio de azeite extra-virgem, trazidas de Bequimão. Nos meus tempos de despreocupação com taxas de colesterol ruim, bom, triglicerídeos totais, gostava de fritar, na manteiga, bananas costelas-de-vaca, em rodelas ou em fatias cortadas no comprido.
Apesar de gostar de quase todas, as minhas preferências recaiam sobre as tanjas, vindas de Bequimão, goiabas brancas ou vermelhas, sapotis e abacaxis. As melancias iam de São João de Cortes, Litoral Noroeste: eram redondas, casca verde, com uma polpa entre rosa e vermelho e muitas sementes brancas. Não eram gostosas, mas comíamos até o casco (curel), raspado com colher e com um pouco de farinha seca. As laranjas eram cultivadas lá mesmo em Pinheiro, casca verde, ácidas. No quintal da nossa casa, apenas um pé de laranja da terra, um cajazeiro cujos frutos não deixávamos amadurecer, uma caramboleira com frutos franzinos, mamoeiros, coqueiros, abacateiro e uma mangueira, cujos frutos deliciosos eram desejados por todos: manga paris, pequena, casca avermelhada e dulcíssima. O tronco da mangueira era liso e sem galhos e além de Seu Guta eu era a única a galgá-lo. Também era exímia atiradora de pedras e paus e minha pontaria era certeira.
Muitas vezes íamos ao sítio de d. Pupu Campos, tia-mãe do Padre Walter, no bairro do Fomento, apanhar mangas de qualidade e outras frutas deliciosas, como sapotis e cajazinhos. Nesse tempo não havia siriguela em Pinheiro. Às vezes roubávamos as frutas do pomar de d. Sofia Castro, geralmente goiabas brancas, grandes, laranjas especiais, mantidas cuidadosamente para enviar para a sua filha Teresinha que morava em São Luis. Geralmente essas incursões eram feitas em noites de luar e pulávamos a cerca sem fazer barulho pra não acordar seu cão. Também íamos ao sítio de d. Rosa Gaia apanhar azeitonas silvestres, cem vezes mais gostosas do que as jabuticabas, ingás. Nossos lábios, língua e gengivas ficavam roxinhos. Ginjas da casa do sr. João Bertoldo onde tínhamos aulas particulares com a Prof. Neuza Berredo. Tamarindos secos ou arientos, apanhados na casa de d. Sinhá ou no quintal do sr. Carrinho Pimenta. Nunca gostei de camapu, encontrado em quase todos os quintais.
Em 1952, nosso pai faleceu e foi uma perda irreparável que nunca conseguimos superar. Por conta desse trauma e da falta que ele me fazia, mamãe resolveu que eu deveria ficar semi-interna, no convento das freiras, Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração. Chegadas no início de 1953 para implantar o Ginásio Pinheirense, criado por D.Afonso Maria Ungarelli, atendendo aos pedidos dos pais de família que não tinham recursos para enviar seus filhos para a capital, a fim de concluir seus estudos, chegaram 5 irmãs comandadas pela Madre Maria Dolores: Irmãs Suzana, Geralda, Vera Maria, Adélia e Felícia. Mais tarde chegaram as Irmãs Ana Maria, Rute e Paula. Seria o primeiro estabelecimento de ensino, no gênero, na Baixada e deveria atender, não só a sede e povoados satélites, mas todas as Paróquias da Prelazia.
O Ginásio, assim como as duas últimas séries do Primário, funcionavam na antiga residência do sr. Josias Abreu, a única da cidade com mirante, com vista para o campo, enquanto o Convento fora instalado na antiga casa do sr.  Agostinho Ramalho Marques. Nessa casa, entre 1947-49, funcionou o Seminário São José destinado a ordenar padres para aquela região. À época importávamos, sem protestos, sacerdotes de vários países: Itália, Holanda, Alemanha, Espanha, Canadá.
Aproveitando as instalações já existentes, as religiosas tinham a sua clausura, a capela e o parlatório no prédio principal e os dormitórios, salas de estudo, banheiros das alunas, no anexo, construído para abrigar os seminaristas. Ligando as duas construções, a cozinha e o salão de refeições com bancos compridos e duas mesas grandes; também lavatórios e a despensa. O quintal era grande, mas sem fruteiras, talvez uns dois coqueiros e uma cueira. O pátio de entrada era bonito, cimentado com os canteiros plantados, com tajás de bonita folhagem, alguns pés de maria-sem-vergonha (maria-cagona), cravo-de-defunto e zínias, cultivadas para enfeitar o altar da capela.
Para o internato vieram muitas moças e até garotas. Eu era a única semi-interna. Essas moças provinham de vários povoados, fazendas, sítios da redondeza: Pacas, Pimenta, Ave Maria, Curralzinho, Entre-Rios, Gama, Bom-Viver; também, de outros municípios: Queimadas, Santa Helena, São Bento, Cururupu, Turiaçu, Carutapera, Cândido Mendes, Bequimão, Perimirim. Muitos pais ajudavam na manutenção do Convento, enviando gêneros por eles cultivados, além de leite, queijos, frutas, mel e doces em massa, geleia, compota, geralmente de goiaba, de coco com mamão, de leite. Após as refeições essas guloseimas eram servidas a todas, pela Irmã Adélia responsável pela cozinha e refeitório. O que comíamos? Peixes cozidos ou fritos, carne de boi, de porco ou de galinha (não se chamava frango), acompanhados por arroz, feijão, às vezes macaxeira ou batata doce e a infalível farinha seca ou dágua Não lembro se serviam massas e saladas de verduras. Comíamos os legumes e verduras da terra, cozidos: maxixe, quiabo, jongome, vinagreira; raramente tomate.
As aulas eram dadas em dois turnos: pela manhã estudavam as moças enquanto os rapazes ficavam com o turno vespertino. Depois das aulas, íamos, enfileiradas para o convento. Após trocar o uniforme, lavávamos as mãos e dirigíamos para o refeitório, onde após a oração de agradecimento, começávamos a comer. Depois do almoço tínhamos uma meia hora para botar as fofocas (fuxicos) em dia. Depois íamos para a sala de estudos, sob a supervisão de d. Juracy Correa; mais tarde um lanche frugal, geralmente suco com bolachas (atualmente biscoitos) e às 17:00h a reza do terço. Só, então, voltávamos para casa, enquanto as internas tomavam banho e esperavam o jantar.
Inesperadamente podia aparecer a Madre Superiora, à hora do almoço, para inspecionar o nosso comportamento à mesa: se colocávamos os cotovelos sobre a mesa, se usávamos corretamente os talheres, se mastigávamos fazendo barulhinho, se falávamos de boca cheia, falando alto ou dando risadinhas; o modo correto de segurar o copo, o uso do guardanapo, afinal estávamos ali para receber uma educação esmerada, começando com as boas maneiras às refeições.
Quando sofríamos alguma contusão, desmaios, febre, dores de cabeça, cólicas menstruais, diarreias, a Irmã Felícia, enfermeira profissional, era chamada, para fazer os curativos, aplicar injeções e o mais que fosse necessário.
Eu sempre me dei muito bem com as colegas e até com as ginasianas, por ser extrovertida e, também pela fama trazida das escolas anteriores, de estudiosa, aplicada, enfim de boa aluna. Resolvia, no quadro-negro, os problemas que as colegas tinham dificuldades para fazer, era boa em tabuada (até hoje), minhas composições eram lidas em voz alta pelas professoras.
De todas as colegas do internato, eu era mais ligada à Ana Rosa, uns dois anos mais velha do que eu. Sua irmã Perila, da minha idade, tinha outras amigas. Filhas de Santico e Senhora Guterres, amigos e fregueses dos meus pais, tinham uma boa fazenda, onde, além de criar gado, cavalos e outros animais cultivavam árvores frutíferas. De lá vinham: leite, mel, doces, cocadas, jerimuns, batatas doces, macaxeiras e muitas frutas, como jaca, que adoro. Até paneiros de arroz, feijão e farinha, fava, carne seca os pais traziam do interior.
Ana Rosa tentou ensinar-me a empinar papagaios, o que nunca consegui. Nas férias de junho, ajudava-me a enfeitar o couro do boi de Aymoré, com canutilhos, miçangas, orvalho; também a vara do vaqueiro e os chapéus dos balhantes, com fitas de papel crepom, de várias cores, coladas com goma arábica que tirávamos da farmácia do meu pai ou com limãozinho que apanhávamos na casa das Sodré, quando íamos comprar rebuçados. Aymoré, como amo do boi, era o cantador das toadas, com acompanhamento do seu maracá de cabaça, cheio de sementes de olho de boi; o seu chapéu tinha até espelhinho, distribuído como brinde por laboratórios farmacêuticos. O boi, encomendado com antecedência a Cafó, era feito da entrecasca do olmo de buritizeiro.
Certo dia, Ana Rosa segredou-me que a sobremesa desse dia seria uma fruta especial enviada pelo seu pai: MELÃO. Não conhecia e nunca o havia comido. Pensando ser uma fruta exótica, mais saborosa do que a melancia, fiquei aguardando na maior expectativa. Acho que nem almocei direito. Terminado o almoço, Irmã Adélia veio com uma bandeja com umas talhadas de uma fruta de casca esverdeada e polpa branca. Não me impressionou o aspecto do tal melão, mas caí matando, depois de cortar com uma faca a parte comestível, seguindo os gestos de Ana Rosa. Ai! quanta decepção: sem gosto, quase insosso não caiu no meu paladar. A colega, dona da fruta teve acesso a mais uma fatia e dividiu o seu quinhão, dando-me mais um pedaço. Decepcionada, comi sem fazer cara feia, aquela fruta Insípida, inodora.
Passei anos sem sequer tocar em melão; nem de casca amarela, verde, rajada. Vim aprender a comer (não gostar) com o meu marido.

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                                       SOBRE O MELÃO
Cucumis melo, com algumas variedades ou subespécies, pertencem à família das Cucurbitáceas, como a melancia e a abóbora. Originária do Oriente Médio, aclimatou-se muito bem no Brasil, principalmente nas regiões semi-áridas.
Planta rasteira, seus frutos, redondos ou ovalados, quando maduros, possuem as cores amarelo ouro, amarelo citrino, verde ou rajado, sementes brancas achatadas, numa concavidade localizada no centro da fruta; seu sabor é levemente adocicado. Não é calórico;  100g responde apenas por 30kcal.
Pode ser comida “in natura”, antes do almoço e bem mastigado; não é recomendável o uso como sobremesa, por ser de digestão demorada. O suco feito no liquidificador ou processador é rico em vitaminas e sais minerais, principalmente potássio, além de fibras que ajudam a absorção de gorduras que originam o colesterol, diminuindo assim, a probabilidade de problemas cardíacos. A vitamina C desempenha papel importante, reforçando o sistema imunológico.
Cem gramas de melão fornecem 230mg de potássio, além de cálcio, sódio, fósforo e ferro. As vitaminas encontradas são: Vit A, B1 (tiamina), B2 (riboflavina), B5(niacina) e C ou ácido ascórbico. Também carboidratos, proteínas, gorduras e água (92,0gr).
Antioxidante e alcalinizante ajuda a limpar o organismo de substâncias tóxicas. Seu elevado teor de bioflavonóides aumenta a resistência dos vasos sanguíneos, daí ser indicada em casos de hemorragias internas.
Usada, também, como calmante, diurética, laxante e emoliente. O suco é prescrito  na febre tifoide, contra acidoses. A polpa contém papaína, além de peptídeos e protease que ajudam a decomposição das proteínas.  Também contém niacina que protege a pele.
Pelo seu alto teor em potássio, é recomendado para atletas ou pessoas que suam muito, em  atividades físicas
As sementes torradas, ricas em lisina, são excelentes substitutos dos pistaches, além de tenífugas. As cascas, ricas em potássio podem ser usadas como adubo.
A fruta não é recomendável para pessoas que sofrem de dispepsia, cólicas, diarreias, estômago dilatado. As sementes quando trituradas e preparadas sob a forma de orchatos, podem ser empregadas para inflamação do estômago, fígado e baço, nas disenterias febris e inflamações das vias urinárias. Também para tratar a inapetência.
Segundo o Manual A Flora na Medicina Doméstica, o melão tem as seguintes indicações terapêuticas: cálculos biliares, hepatite, icterícia, insuficiência hepática, cirrose, gota, reumatismo, artrite, colite, disenteria, menstruação difícil, acidose e infecção das vias urinárias.
   
                    FOLCLORE LIGADO AO MELÃO
Talvez por não ser autóctone do nosso continente,  poucas foram as referências culturais encontradas sobre essa fruta, ligadas ao nosso folclore. Na realidade apenas duas cantigas de roda que integram o conjunto de canções populares anônimas.
A mais conhecida é Capelinha de melão bastante divulgada por Carequinha: “Capelinha de melão é São João/ é de cravo, é de rosa/é de manjericão. São João está dormindo/ não acorde, não...”.
Também encontrei esta: “De abóbora se faz melão/ de melão faz melancia/faz doce, Sinhá/faz doce/ faz doce, Sinhá Maria”. Autor desconhecido, mas com conhecimentos de Sistemática em Botânica, pois agrupou três espécies diferentes da família das Cucurbitáceas.

          CURIOSIDADES SOBRE DIETA À BASE DE  FRUTAS

Lineu (Carl von Linné), famoso naturalista sueco, autor da nomenclatura binária, ainda hoje adotada (gênero e espécie), dizia que os frutos e legumes constituem os alimentos mais apropriados ao homem. Há uma teoria de que o homem primitivo não era onívoro e sim frugívoro, dada a forma da dentição, conformação das unhas, a mão escorregadiça e até a estrutura do aparelho digestivo. Além das frutas e legumes, deve alimentar-se de raízes, tubérculos, folhas e cereais. Segundo esses mesmos pesquisadores “a Lei da Natureza decreta que o homem deve alimentar-se de vegetais e estes, dos minerais”. Uma das consequências dessa agressão é o câncer, a hipertensão e várias outras doenças. A ingestão de carnes é responsável, também, pelo baixo desenvolvimento do intelecto.
Dentre os vegetarianos, destacam-se, na Antiguidade: Platão, Epicuro, Sêneca, Epédocles, Plutarco, Buda, Pitágoras. Nos tempos atuais: Gassendi, Rousseau, Fulton, Morse, Berda, Pasteur, Gandhi, Milton, Voltaire, Newton, Einstein, Franklin, Lamartine, Tolstoi, Thomas Edison, Bernard Shaw, Napoleão, Hitler, Stalin, Chamberlain, Chiang-Kai-Chek e muitos outros, dentre o próprio Lineu, e que se tornaram famosos em suas atividades.




    COMO UM GOVERNANTE MESQUINHO PREJUDICA TODA UMA POPULAÇÃO

Durante o Governo Sarney (1985-90) foi instalado, no Município de Pinheiro, um Projeto Experimental de Irrigação, bem sucedido em Cotia (SP) e no Vale do São Francisco, no Nordeste  e que era a “menina-dos-olhos” do presidente-poeta. Ficara sediado no Oiteiro de São Carlos, em frente à cidade, antiga residência do sr. Carlos Pereira e mais tarde do sr. Alfredinho Duailibe.
Numa das minhas viagens a Pinheiro, para visitar minha mãe e meu padrasto, levei no porta-mala do carro muitas frutas: melões, maçãs, peras, uvas, laranjas, até bananas. Sabedor da minha presença na cidade, o sr. Henock Moraes, irmão do sr. Cloves Morais, antigos amigos do meu pai, foi visitar-me. No meio da conversa oferecí-lhe uma fatia de melão. Quando ele viu a fruta, perguntou-me se havia comprado em Pinheiro; dei uma risadinha e disse-lhe:” aqui não se cultiva nada, só as fruteiras que nascem ao acaso”. Ele contestou, dizendo que esses melões foram certamente comprados no Pão de Açúcar (não mais existente em São Luis,) e importadas de Pinheiro, que estava exportando melões até para a Inglaterra. Surpresa por nunca ter ouvido essa notícia, pegamos o meu carro e fomos visitar o Projeto. Que maravilha! De longe víamos os campos pontilhados de amarelo; melões cultivados por um casal de agrônomos: uma senhora nissei e o marido paranaense, descendente de alemães e responsáveis pela administração. Além de melões amarelos, outros quase brancos, verdes, rajados, cultivavam melancias (uma pesada em nossa frente chegou a 18kg), cítricos, mangas, bananas e maracujás. Deste contei dez subespécies: do silvestre ou maracujazinho até os enormes chamados maracujá-família ou melão, nas cores amarelo e vermelho.
Como demonstrei interesse e grande surpresa, o casal levou-me a conhecer as instalações da fazenda: sementeira,  galpão de mudas, outro galpão com as frutas já apanhadas para distribuir entre os visitantes e alunos, em visitas monitoradas por professores. Para grande decepção deles, apesar do aviso que as frutas eram borrifadas com diferentes tipos de pesticidas, afinal era um projeto experimental, as próprias professoras, apanhavam-nas das fruteiras e escondiam em suas bolsas e sacolas. Despedindo-me, prontifiquei-me a arranjar um bolsista do CNPq (nessa época eu era Coordenadora do Programa de Iniciação Científica da UFMA) para pesquisar a baixa polinização das flores dos maracujazeiros.
Voltei no ano seguinte e já encontrei um parreiral extenso, ainda sem frutificação.
O sr. Enoque também nos levou a um grande galpão onde eram criados frangos para abate e, no dia seguinte, fomos conhecer o Projeto de psicultura e de criação de marrecos de Pequim, para distribuir entre os moradores da beira do campo, no controle biológico da esquistossomose, pois essas aves são predadores de caramujos.
Por que ninguém, da cidade comentava nada? Para repetir a velha ladainha entoada por políticos contrários e até por cidadãos esclarecidos: “O Sarney nunca fez coisa alguma por Pinheiro”. Ora, os ferryboats foram levados por Sarney, a estrada construída por ele, a barragem e a ponte que ligam a estrada à cidade construídas por ele, assim como as que ligam Pinheiro a Santa Helena e Pinheiro a Cururupu, a energia da Boa Esperança, até os canos que levavam água para boa parte da população, além dos destinados ao esgoto, sem falar na Barragem do Rio Pericumã, construída no governo militar, por intercessão do então Sen.Sarney.
Os técnicos de agricultura que poderiam aprender a manejar melhor a terra, esnobavam; houve até um candidato a prefeito que levou uns caboclos tolos para dividir as áreas cultivadas, dando início a uma “reforma agrária”!
Apesar do descaso por parte da nossa população, o Presidente Collor de Mello, foi o único a entender o alcance sócio-econômico daquele Projeto, implantado pelo ex-Presidente Sarney e que poderia tornar-se a redenção das gentes daquela região, concorrendo para minimizar a fome de grande parte dos baixadeiros carentes, até dos mal informados, ignorantes,  de má-fé, ingratos e invejosos.
Um dos primeiros atos, do presidente recém-eleito, o primeiro pelo voto direto, após a extinção do governo militar e restabelecimento da Democracia foi, após a posse, numa simples canetada, extinguir o Órgão que mantinha importante projeto. Lamentável! Até hoje não compreendo a atitude dos pinheirenses, conterrâneos do Dr. José Sarney. E queremos ser respeitados pelos sulistas, nós que não valorizamos o que é nosso!



terça-feira, 10 de setembro de 2013

A VINGANÇA DO CAJU



Há dias tenho pesadelos inexplicáveis: ora sou perseguida por um batalhão de castanhas, ora sou agarrada por mãos fortes, tentando empurrar-me gargalo a baixo de uma garrafa com rótulo de suco de caju.
Como costumo dizer: pra tudo há um porque, uma explicação. Sede à noite faz com que tenhamos sonhos, em preto-e-branco e até coloridos; já os pesadelos resultam de metabolismo incompleto de alimentos indigestos, ingeridos no jantar ou na ceia. À noite eu tomo apenas uma xícara de café com leite, algumas torradas e petas. Nada que meu estômago velho, mas ainda ativo, me leve a tais situações.
Telefonei para o mano José Paulo e perguntei-lhe quais as fruteiras do seu sítio; ele mencionou aquelas que havia posto no meu texto, mas havia faltado uma ateira, pimentão da horta e um cajueiro, pequeno, da variedade anã, cujos frutos dão um ano após o plantio, em galhos baixos próximos ao solo; o seu período de frutificação é de 6 a 7 meses. Logo o cajueiro, do qual apanhei suculentos frutos, amarelinhos! Desgalhado, um dos ramos dava para a piscina, deliciando os banhistas; outro se desenvolveu em direção à  varanda onde a minha cunhada Concita tinha sempre uma rede armada. Adoro uma rede só levantava  na hora do almoço, geralmente churrasco. Enquanto isso, fatiava cajus saboreando-os, tendo o cuidado de evitar nódoas indeléveis em minha roupa e na rede.
Não entro em piscina, banheira e nunca aprendi a nadar para mergulhar em água de rio, lago, tanque e, principalmente enfrentar o mar. Sou adepta de um chuveiro bem grande com a água numa temperatura pra lá de morna.







Alimento-me quase que exclusivamente de frutas, fugindo dessa dieta  auto imposta somente aos sábados e domingos ou quando sou convidada para algum festim pantagruélico. Aí como tudo, exceto verduras e certos legumes.
Gosto praticamente de todas as frutas: não aprecio o caqui, pêssego nem o famoso abricó. No mais como tudo: peixes grandes e pequenos de água doce (exceto muçum) ou salgada, cozidos, fritos, assados, à escabeche, acompanhados por rodelas de caju. Das aves só dispenso as silvestres, protegidas por lei, marreca, jaçanãs e japiaçocas; como frango, galinha, galo, capão, capote, pato, paturi, peru e até chester que eu não sei o que é. Não aprecio codorna. Carnes de corte: boi, vaca, búfalo, porco, carneiro até cabra e bode. Não como lebres cujo aspecto lembra um gato. Caça? Nenhuma,  quase todos os animais silvestres  são reservatórios de parasitos. Também não como rãs nem jacaré.
É óbvio que gostando tanto de frutas eu tenha interesse em conhecer, o máximo possível sobre elas: valor alimentício, tipos de vitaminas, presença e teor de sais minerais e, como farmacêutica,  seus  princípios ativos e propriedades terapêuticas.
Aproveitando o gancho dos pesadelos, provavelmente vingança do caju  pelo esquecimento imperdoável, vou repassar-lhes o que pesquisei sobre o caju. Não gosto de todos os seus derivados, como cajuína, suco, cajuada e moqueca de maturí, composta pela baga e pela castanha em diversos estágios de desenvolvimento. Num dos livros de Jorge Amado, Tieta do Agreste, o autor dá a receita  desse prato, típico do Nordeste, considerado afrodisíaco. Antes de ser diagnosticada a minha diabetes saboreava os doces, principalmente aquelas bolinhas polvilhadas com açúcar cristalizado.
O caju, cujo nome deriva do tupi-guarani  cayu foi, referido pela primeira vez por André Thevel (1502-1590); também, foi uma das frutas descritas e desenhadas por Frei  Cristóvão de Lisboa que passou onze anos no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Conhecido desde antes da descoberta do Brasil, os silvícolas usavam na alimentação, fermentando-a, também,  para obtenção do cauim.
O cajueiro pertence à família das Anacardiáceas, autóctone das regiões tropicais, sendo encontrado na faixa costeira, do Ceará ao Maranhão. A mangueira, a cajaraneira ou cajazeiro, o cajá-umbuzeiro e a aroeira pertencem à mesma família. Atualmente é cultivado para fins industriais. A principal espécie é Anacardium occidentalis, originária do Brasil, possivelmente da Amazônia, com dispersão no Nordeste, onde cresce espontaneamente no litoral. Espalhou-se depois para as regiões costeiras da América do Sul e das Antilhas. Mais tarde, navegadores portugueses introduziram o caju na África e nas Indias, hoje o maior produtor de castanhas. Também é cultivado  em Moçambique, Tanzânia, no Quênia, Vietnã, Indonésia e Tailândia.
No Brasil, o Piauí responde pela maior produção; também o Ceará e a região do litoral maranhense. Aqui em São Luis é vendido nas ruas, mercados e nas praias, colhidas em cajueiros do município de Ribamar, principalmente  à margem da estrada, plantado, provavelmente, pelos romeiros. Frequente, também em Paço do Lumiar e na Raposa. Em São Luis há um projeto para cultivo do cajueiro-anão, instalado nas proximidades do Setor Industrial.
 Há três variedades de cajus: o do longo mar, o caju-açu e o caju manso, nas cores vermelho, amarelo e verde rajado ou não de amarelo. Dois tipos de cajueiros são mais conhecidos, o cajueiro  comum e o cajueiro-anão; na Região de Cerrados há um caju pequeno, chamado cajuí, cajuzinho ou caju de árvore de cerrado.
O verdadeiro fruto do cajueiro é a castanha. O pseudofruto ou falso fruto, maçã, pera ou baga que tanto apreciamos, resulta do desenvolvimento anormal do pedúnculo (talo) da flor. Esse pedúnculo pode ser piriforme, cilíndrico, alongado. A castanha é o fruto seco, chamado aquênio, de aspecto reniforme, cor cinza ou verde-acinzentado, com a superfície lisa e composta pela casca, película e a amêndoa. Atualmente compram-se castanhas beneficiadas, em mercados, feiras e supermercados.  Há uma subespécie de cajueiro cujas castanhas secam ao sol, sem necessidade de assá-las. As queimadinhas, no entanto são mais gostosas e nos remetem à infância, quando usávamos métodos primitivos para assá-las. O caju é uma das frutas que acompanharam a nossa infância, embora não fosse tão comum como as mangas, encontradas em quase todos os quintais pinheirenses.  As castanhas foram nossas primeiras moedas; com elas aprendemos a contar em dúzias, a negociar. Por castanhas fizemos as primeiras parcerias e, também, tivemos as primeiras desavenças (tô de mal). Passávamos toda a safra de caju, recolhendo as castanhas dos frutos que comíamos, vasculhando debaixo dos cajueiros dos vizinhos ou encomendando-as, dos cajueiros do cemitério( não se comia os cajus). Na hora de assá-las, toda a garotada se reunia com uma vareta para virar as suas,  colocadas em tampa furada de lata, sobre um braseiro. A casca das castanhas é coriácea, mas com o calor expele um líquido escuro, cáustico, inflamável e se não tivéssemos cuidado poderíamos ter os braços e mãos queimados. Se espirrasse no rosto era uma tragédia. A queimadura é dolorosa, de difícil cicatrização. Totalmente torradas, pretinhas deixávamos esfriar e só depois fazíamos a partilha, de acordo com a participação de cada um. Na hora da quebra, tínhamos o maior cuidado para retirá-las inteiras.
Embora tivéssemos um quintal espaçoso, com várias fruteiras, nunca plantamos um cajueiro. Na casa de Dr. Hélio Costa, dentista casado com d. Nice, amiga de infância de mamãe, havia um cajueiro, cujos galhos, em sua maior parte, se esparramavam para nossa casa. Apanhávamos os cajus, ainda de vez, disputando pau a pau com seu Guta, à época um molecote criado pelo casal. Nunca soube a cor dos frutos, quando maduros. Em casa de minha avó materna e das nossas tias Cecé, Bibí e Babá havia um lindo cajueiro com frutos alongados,  verde-cana.
Apesar de nativo, o cajueiro tem uma aparência exótica: copado, seu tronco pode ser ereto ou tortuoso, devido às condições do solo, com 10 a 12m de altura, assim como suas galhas que chegam a atingir 12 a 14m de envergadura, caducifólia, com folhas glabras e coriáceas, flores milíferas,(tônicas porque contém anacardina), com cinco pétalas, masculinas e hermafroditas.
Sinonímia – devido à sua ampla distribuição geográfica, o caju é conhecido por vários nomes, em  vários idiomas: francês, inglês,italiano, alemão, holandês espanhol, variações do castelhano tanto no litoral da América do Sul como Antilhas. Também em vários dialetos da África, da India, antigas possessões portuguesas e na Ásia.
Não obstante a sua origem um tanto modesta, autores como Humberto de Campos deixaram registrados em suas obras, textos comoventes sobre essa fruteira. Também o poetinha Vinícius de Morais. Outro cajueiro importante, é o de de Pirangí, em Parnamirim, a 12 km ao sul de Natal (RN) e uma das atrações turísticas. É o maior cajueiro do mundo, cobrindo uma área de 8.500m2. A sua produção varia entre 70 e 80 mil cajus, por safra. Esse fenômeno resulta de uma anomalia genética: os galhos crescem para baixo e com o peso curvam-se até alcançar o solo; ao tocá-lo os galhos criam raízes que crescem novamente como se fossem troncos de uma nova árvore.
Estive duas vezes em Natal e nunca tive curiosidade de conhecer tal aberração botânica.
Em Pernambuco, à época da ocupação holandesa, o Conde de Nassau aplicava multas pesadas a quem derrubasse cajueiros. Aprendera com os índios a prevenção do escorbuto, pela ingestão de cajus.
                                                                 
                                 





                                    VALOR ALIMENTÍCIO DO CAJU

Suco refrescante dessedentando-nos e refrescando-nos, rico em Vitamina C, A e outras do Complexo B, como a niacina. Apenas 30 a 40g de caju fornecem, para o dia todo, a quota de vitaminas necessária ao homem.
Nutritiva, devido à presença de carboidratos e lipídios não saturados que ajudam a baixar a pressão arterial.
Rica em fibras que ajudam o trânsito intestinal.
Os cajus vermelhos têm o teor de Vit. C mais elevado, por volta de 275mg, enquanto o amarelo tem apenas 220mg.
Em 100 ml. do suco, encontramos 261mg de Vit C; 14,7 mg de cálcio; 32,5mg de fósforo; 0,34mg de ferro.
                                                         
                                                       DA CASTANHA

A amêndoa que representa 26 a 27% da castanha é fonte de proteínas e carboidratos, sendo altamente nutritiva. De requintado sabor é usada depois de torrada por processos artesanais ou processada industrialmente, como aperitivo; na culinária, toma parte na cocção e enriquecimento de vários pratos. Em barras de chocolate, ou trituradas, misturadas com granola, em cobertura de bolos, pudins, sorvetes. Também na alimentação escolar.
A indústria de beneficiamento da castanha e do caju, gera negócios que envolvem grandes redes de atividade econômica. De grande alcance sócio econômico é responsável por trezentos mil empregos.
O sumo das amêndoas frescas é usado sobre calos, verrugas, por causa de suas propriedades vesicantes e corrosivas. O decocto das folhas, pode ser aplicado sobre feridas, até em oftalmias.

                                         




                                           INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA

In natura é o  modo mais comum, também cozido, substituindo a carne. Na indústria caseira na produção de cajuína e doces, rapadura. Em escala industrial, na fabricação de sucos Na indústria, pode ser desidratado para a fbricação de pizzas, omeletes, patês.
O maior aproveitamento é da castanha que fornece, em 100g, 609 kcal; 26,4mg de carboidratos; 19,6mg de proteínas; 47,20mg de gorduras. Dos sais minerais os mais prevalentes são: fósforo -575mg; cálcio 165mg. Da castanha ainda se extrai 47,13mg de ácido linoleico.
Do caule extrai-se tanino, usado na indústria têxtil, principalmente para tingir redes. Nas plantas com mais de dez anos retira-se uma espécie de goma, substituta da goma arábica.
                                                                 
                                              INDUSTRIA QUÍMICA

O mesocarpo produz LCC (líquido da casca  da castanha) de aspecto alveolado, de valor industrial para uso como resinas e freios e que abre perspectivas para indústria de ponta.


 PROPRIEDADES TERAPÊUTICAS E SEU USO EM MEDICINA DOMÉSTICA

Hipoglicêmico, antisséptico, cauterizante, principalmente o óleo  extraído das castanhas. De cheiro forte, cáustico e acre, conhecido como cardol ou resina, é muito utilizado na África para combater os caramujos, hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. Também no tratamento de filaríases e Sectaria digitata.
Pode ser usado como anestésico para dores de dentes, aviva dartos, úlceras, feridas, verrugas, eczemas, sífilis, reumatismo, tosse, bronquite e escorbuto infantil, hanseníase para destruir os lepromas. Usado na higienização bucal e como anti-hemorrágico, nas infecções genitais. As suas propriedades hipoglicêmicas são devidas ao ácido anacárdico.
As folhas novas são usadas como cicatrizantes.
Por ser rico em tanino, o líquido da polpa provoca nódoas indeléveis, principalmente em roupas.
Recomenda-se passar imediatamente querosene sobre a área afetada, ou uma pasta de água e bicarbonato de sódio, expor ao sol, mantendo-a sempre úmida.

            FOLCLORE BRASILEIRO LIGADO AO CAJUEIRO E AOS CAJUS

Os índios contavam seus anos de vida pelas castanhas, guardadas na infância, por seus pais e mais tarde por eles.Também demarcavem territórios utilizando cajueiros.
O caju e o cajueiro são cantados, em verso e prosa, por nossos compositores como Vinícius de Moraes, escritores como Humberto de Campos, cantado pela sambista maranhense Alcione Nazaré, pelo Grupo Raimundos, comentada por grandes folcloristas como Câmara Cascudo e até nomeando banda de forró, no Nordeste: Noda de Caju.
Folclore, como sabemos, é o conjunto de todas as tradições, lendas, crenças de um País. O folclore pode ser percebido na linguagem, artesanato, religiosidade, vestimentas e alimentação. Para conhecer-se uma região há de conhecer o seu folclore, usos e costumes das gentes.
Eu sou da Baixada, onde o cajueiro não é muito frequente. A nossa produção mal dá para manter o mercado interno de castanhas e alimentar a população, na época da safra.
Já no Litoral Nordeste, abrangendo Barreirinha, Primeira Cruz, Humberto de Campos, Tutoia e outras áreas próximas ao Piauí, hoje o maior produtor brasileiro e exportador de castanhas, encontramos ditos ou expressões populares ligadas ao caju:
- chuvas de maturí – época da florescência dos cajueiros.
- chuvas de caju – corresponde à época das primeiras chuvas, que ajudam a maturação dos frutos, antes da chegada das grandes chuvas.
-  tempo de caju – época da safra. Nesse período havia verdadeiras guerras entre tupinambás e tupiniquins pela posse dos cajus.
- caju quente dá dor de barriga – para afastar a molecada dos tachos de doce de caju.
- “Sofrimento do pobre passa assim como se apaga a nódoa do caju,” refrão usado pelo nosso povo, desassistido de tudo e sem esperanças de tempos melhores.
No Nordeste onde a distribuição é maior, inclusive com campos de cultivo para a indústria de sucos, doces em massa, compotas, processamento das castanhas, extração da resina dos caules usada como substituta da goma arábica, em espécimes com mais de dez anos de plantio; também tanino para a indústria de tintas. Além desses sub-produtos existem muitos outros os quais decidimos não postá-los para não tornar o texto muito técnico, inclusive como alternativa viável e renovável, ao lado do etanol e o biodiesel, para substituir os derivados do petróleo. O óleo  da castanha, inflamável é usado na fabricação de fogos de artifício..
- caju quente dá dor de barriga – para espantar a molecada, impedindo-a de meter a mão no tacho onde se preparam doces.
O cajueiro tem sido cantado em verso e prosa, também pelos nossos cordelistas e compositores:
É conhecida a canção celebrizada pela cantora maranhense Alcione, a Marron, grande sambista brasileira, de autoria do seu pai Maestro João Carlos: “...Cajueiro velho, vergado e sem folhas, sem frutos, sem flores, sem vida, afinal. Eu que te vi florido e viçoso, com frutos mais doces que não tinha igual. Não posso deixar de sentir uma tristeza, pois vejo que o tempo tornou-te assim; infelizmente, também a certeza que um dia farás pra mim...
- Humberto de Campos, um dos maiores cronistas brasileiros, que tomou parte na Academia Brasileira de Letras, deixou comovente crônica – Um amigo de infância – quando morando em Parnaiba (PI), plantou, em 1899 um pé de caju de uma castanha achada por acaso em seu quintal. Toda vez que ia visitar seus parentes, passava horas meditando junto àquela fruteira que teve vida mais longa do que ele, falecido moço ainda. Hoje o cajueiro com 105 anos é protegido por lei e uma das atrações da cidade.
“...O meu cajueiro sobe, desenvolve-se. Eu cresço mas ele cresce mais rápido do que eu. Adeus meu cajueiro, até a volta....” Quando viajou a primeira vez ele tinha 13 anos e o cajueiro 3.
Também mencionado em composição de Vinícius de Moraes:..."por isso amo o caju, em que resumo esse materialismo elementar. Fruto de cica, fruto de manchar, sempre mordaz, constantemente a prumo. Amo, vejo-te agarrado ao cajueiro à beira-mar a copular com o galho; a castanha brutal, como que tesa. O único fruto -não fruta- brasileiro..."
- De autoria desconhecida: “Cada caju em meus lábios me lembra da tua doce languidez, até que o sal de minha lágrima,  se combine no agridoce de saudade”.
- “Eu subí num pé de cajueiro só pra ver o meu amor passar”- cantada pela Banda Raimundos.
- Cajueiro abaixe o galho que quero colher caju. Cajueiro quem te disse que meu nome é...”- quadrinha de autor desconhecido.
- Também de autor anônimo, mas conhecida em todo Brasil: “Cajueiro, pequenino, carregadinho de fulô. Eu também sô pequenina, carregada de amô”.
- ” Teu xodó é que nem noda de caju. Desde que abracei tu, nunca mais quis me largar. Teu xodó queima como fogo na fornalha. Vai queimando a minha alma na hora de xodozar...”- Banda Noda de Caju.
- Da cordelista cearense Dalinha: “Alcoviteiro da paixão o frondoso cajueiro, de frutos amarelos passaram a nascer-vermelhos. O sangue da virgem nativa foi o rubro feiticeiro”.
- “O caju do Juca e a jaca do cajá. O jacá da Juja e o caju de Cacá”- espécie de trava-lingua, muito comum e que consiste em falar bem depressa, dizer correndo ou repetir umas três vezes. O pesquisador Câmara Cascudo faz referência a diversas parlendas, que consiste na arrumação de palavras, sem acompanhamento de melodia, mas às vezes rimadas.
- Em Pernambuco é comum entre os garotos das populações pobres o Jogo da Castanha e, como o pião é só para meninos. Também pitelo ou castelo, buraco e encosto.
                                           
       UMA HISTORIETA SOBRE CAJUS, DA QUAL FUI UMA DAS PROTAGONISTAS

Corria o ano de 1977. A convite do amigo Paulo Zábulon de Figueiredo fui visiá-lo, em Teresina, hospedando-me em sua casa. Paulo e eu fomos colegas no Curso de Mestrado em Belo Horizonte e desde 1970, mantemos uma amizade fraterna. Ele trazia a família para São Luis hospedando-se comigo e eu ia visitá-los frequentemente, mas nunca na temporada do calor. Sem negacear aceitei visitá-lo nos feriados de outubro, em pleno calor. Como sempre ele, sua esposa Cecília e seus filhos, ainda adolescentes, me receberam muito bem e se desdobravam para aplacar o grande calor que me fazia sofrer. Sua casa confortável, aberta, ficava no Jockey, nessa época um dos melhores bairros de Teresina. Rede na  varanda dando para seu pomar, ventilador, leque, pedras de gelo na boca, e à tardinha passeios, terminando numa sorveteria.
Paulo, professor-titular, prestigiado na UFPI é veterinário de profissão e gosta da vida simples, frugal.  Numa das noites, levou-me para jantar numa churrascaria, quase na área rural que, segundo ele, fazia o melhor churrasco de Teresina. A nossa mesa ficou debaixo de um cajueiro. Muitos papos,
excelente comida e antes de chegar a sobremesa já dera por uns cajus com as maiores castanhas já vistas. “Eu quero, vou apanhar", “não pode”, ai dei uma  jogada de mestre: “ Paulo, Aymoré e Augusta estão formando um sítio na Estrada de Ribamar e eles só querem fruteiras que não sejam muito comuns”. Amigo do casal, Paulo chamou o dono do restaurante, justificou meu pedido e ao sairmos levava um pacotinho com algumas das castanhas especiais.
Realmente dei essas castanhas para Aymoré que as plantou na entrada da casinha que construiu. Ainda comi muitos cajus, nas minhas incursões nas tardes de 6@ feiras quando ia, com meus bolsistas capturar flebotomíneos. Fizemos, com a sua autorização, uma estação de captura para monitorar  a variação estacional desses mosquitos. As castanhas nunca ví uma sequer, pois o caseiro com uma família grande não nos dava oportunidade de colher o que o que Aymoré e Augusta plantaram com tanto desvelo.
Dentro de algum tempo, pretextando precisar de espaço para abrir um campo para as peladas dos filhos, sem autorização do mano, cortaram sem dó nem piedade o cajueiro tão especial.
Atualmente nesse sítio funciona a AMA (Associação Maria Augusta). Antes de falecer a minha cunhada fez a doação desse sítio para a Pastoral da Sobriedade da Paróquia São Francisco, ainda em construção, para servir de abrigo para jovens adictos já recuperados, vindos das Fazendas do interior, em processo de ressocialização.
                                    
                          AGRADECIMENTOS

Este texto foi feito a várias mãos e dedos. Além das pesquisas feitas no Google, Bing; livros como As frutas na Medicina Caseira; Caderno tecnológico sobre o caju, do Instituto Centro de Ensino Tecnológico, contei com inestimável colaboração de vários amigos do Face que me enviaram, pelo Facebook, informações, links, fotos, Citando-os por ordem alfabética:
Ana Sofia (Miami), Clésio Muniz, Cristina Neves (MG) ,Dony Moreira (RN)Helena Heluy, Kenia Regina, Lena Moraes Rego (Floripa), Luciano Brazil (TO), Malu Luz; Márcia Alonso (SP)